09/12/2025

Amigos e familiares falam do amor de Maria de Lourdes pela música

A jovem era musicista do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda e estava no Exército há cinco meses - (crédito: Fotos: Reprodução/Redes Sociais)

Pessoas com as quais construiu rede de afeto, chocadas com o feminicídio da cabo do Exército, recordam sua dedicação à arte.

O feminicídio da cabo do Exército Maria de Lourdes Freire Matos, de 25 anos, chocou a capital e o país pela crueldade. Ela foi morta na última sexta-feira (5/12) por um soldado que, após o crime, ateou fogo ao local, o próprio quartel, e fugiu em seguida. Inúmeras manifestações destacaram a dedicação da jovem à família, aos amigos, ao trabalho e à música. Bondade, simpatia e gentileza são traços que marcavam sua personalidade. 

A comunidade da Escola de Música de Brasília (EMB) ficou profundamente abalada. Foi lá que Maria de Lourdes fez parte da sua formação em música e saxofone, onde construiu uma rede de afeto. E essa arte era uma paixão na vida da jovem. Braulistede de Souza, 50, que entrou na EMB com a jovem em 2024, recorda da amiga como alguém “extremamente dedicada, que já sabia que queria a música como profissão e tinha um objetivo muito claro na cabeça”. Ela conta que Maria de Lourdes se afastou da escola nos últimos meses por conta do trabalho no Exército, onde havia entrado recentemente. “Ela estava muito magrinha de tanto trabalhar, mas sempre delicada, sempre gentil. A notícia da morte dela pareceu mentira”, lamenta.

Maria foi lembrada com carinho por Ana Cecília Barbosa, que a conheceu em 2016, ainda no projeto Música e Cidadania, no Paranoá. “A Maria era superamorosa, simpática, muito amistosa. Quando voltou para a escola, parecia que tinha se reencontrado com a música”, diz. Para Ana, é difícil aceitar o que aconteceu. “Ela estava feliz por ter passado no concurso, descobrindo seu caminho. Nada faz sentido até agora.”

Professor de saxofone que acompanhou Maria durante o ciclo básico e parte do técnico na EMB, Leandro Barcelos destaca a força da jovem em um ambiente majoritariamente masculino. “O saxofone ainda é um meio muito masculino e, mesmo assim, ela enfrentava tudo com seriedade e talento. Era estudiosa, dedicada, e já ajudava outros colegas”, afirmou. Segundo ele, Maria chegou a falar com as colegas sobre o preconceito enfrentado por mulheres na música. “Ela tinha muito claro o lugar que queria ocupar — e sabia que seria um longo caminho”, ressaltou.

Raildo Ratho, professor de teoria musical, carrega a lembrança recente da última vez em que viu Maria, quando ela buscou seu certificado do ciclo básico na escola. “Parecia mais nova do que era, muito delicada, muito cuidadosa com tudo. Era uma aluna empenhada e apaixonada pela música”, conta. Ele acredita que, se a vida não tivesse sido interrompida, Maria provavelmente voltaria à unidade como professora. “Ela tinha perfil para isso: estudava, ajudava, inspirava. Era daquelas que fazem da escola a sua segunda casa.”

Controvérsia

Após ser preso, Kelvin Barros, 21, negou o crime, mas confessou em seguida. No entanto, deu cinco versões no depoimento à Polícia Civil (PCDF). Há dois inquéritos sobre o caso, um na PCDF e outro na Justiça Militar da União (JMU). Em ambos, ele responde por feminicídio, incêndio, furto e fraude processual. Mas ele não pode ser julgado nos dois juízos. 

A notícia, no fim de semana, de que a Justiça Militar da União (JMU) comunicou ao Tribunal do Júri em Brasília que irá julgar o caso abalou a família da jovem, pois, segundo a defesa da vítima, a pena seria menor. O motivo é que, na Justiça Militar, o feminicídio é uma qualificadora.

O Superior Tribunal Militar (STM) divulgou que, por se tratar de um crime cometido por militar contra militar, em local sujeito à administração castrense, Kelvin Barros deve ser julgado pela Justiça Militar da União (JMU). Segundo o STM, o caso é classificado como crime militar por extensão. Isso com base na Lei 13.491/2017, que ampliou a competência da Justiça Militar para julgar delitos previstos fora do Código Penal Militar — como crimes ambientais, tráfico de drogas e, nesse caso, o feminicídio. Afirmou ainda que o processo será conduzido “com todo o rigor que o caso requer” e que a pena aplicada, em caso de condenação, é a mesma prevista para o feminicídio na Justiça Comum.

De acordo com a PCDF, após o término, o Tribunal do Júri deve encaminhar o conflito de competência ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definirá se a JMU julgará o caso. Já o STM informou que ambos os inquéritos irão para o JMU, quando a Justiça de Brasília declarar incompetência para julgar o caso.

Um ponto sensível é a capacidade institucional da Justiça Militar para lidar com crimes que envolvem violência de gênero, pondera o advogado Berlinque Cantelmo, especialista em direito militar.  “A violência de gênero exige abordagens específicas, protocolos próprios e uma compreensão social mais ampla sobre padrões de feminicídio”, explica. 

“A Justiça Militar, embora técnica, foi estruturada para tutelar a disciplina e a hierarquia, não necessariamente para enfrentar crimes de violência contra a mulher”, ressalta. Segundo ele, casos como o da cabo Maria de Lourdes evidenciam lacunas importantes no sistema. “Situações como esta mostram a necessidade de aperfeiçoamento legislativo e institucional para garantir respostas penais adequadas, independentemente da jurisdição competente”, analisa.

Apesar da ponderação, ele explica queque, se confirmada a motivação de gênero, “o crime pode ser enquadrado como feminicídio de natureza militar por extensão, e teria pena de 20 a 40 anos”. Sobre isso, ele acrescenta que há três tipos de crimes militares: próprios, impróprios e por extensão. “Os próprios são aqueles previstos exclusivamente no Código Penal Militar. Os impróprios aparecem simultaneamente no Código Penal Militar e no Código Penal comum. Já o crime militar por extensão é o previsto em legislação extravagante, como a Lei Maria da Penha, ou em dispositivos existentes apenas no Código Penal comum.”

Ele também lembra a Lei 13.491/2017 citada pelo STM. “Os elementos objetivos do caso — ambos militares, fato ocorrido dentro de instalação militar e durante atividade de serviço — em tese atendem aos critérios clássicos da Justiça Militar”, afirmou.

Até o fechamento desta edição, o corpo de Maria não havia sido liberado pelo IML para enterro. 

Tribuna Livre, com informações da comunidade da Escola de Música de Brasília (EMB)

Leia também
Donos de ciclomotores têm até 31 de dezembro para registrar seus veículos
Donos de ciclomotores têm até 31 de dezembro para registrar seus veículos
Polícia prende suspeito que chefiava esquema de venda falsa de veículos
Polícia prende suspeito que chefiava esquema de venda falsa de veículos
No Dia da Justiça, presidente do STM repudia feminicídios: 'Ser mulher é viver sob risco'
No Dia da Justiça, presidente do STM repudia feminicídios: 'Ser mulher é viver sob risco'
Homem viaja para o DF, se hospeda na casa do irmão e estupra duas crianças
Homem viaja para o DF, se hospeda na casa do irmão e estupra duas crianças
Homem chama mulher casada para dançar e é morto em Planaltina
Homem chama mulher casada para dançar e é morto em Planaltina
Natal Sem Violência
Natal Sem Violência
Saiba quem é a militar encontrada morta em incêndio em quartel
Saiba quem é a militar encontrada morta em incêndio em quartel
Cabo do Exército morre carbonizada em quartel no Setor Militar Urbano
Cabo do Exército morre carbonizada em quartel no Setor Militar Urbano
Justiça bane Facção Brasiliense dos estádios por cinco anos em todo o país
Justiça bane Facção Brasiliense dos estádios por cinco anos em todo o país
Vingança e trama familiar cercam caso de torcedor assassinado em Santa Maria
Vingança e trama familiar cercam caso de torcedor assassinado em Santa Maria
Homem é preso por porte de drogas e munições no Paranoá
Homem é preso por porte de drogas e munições no Paranoá
GDF leva pavimentação com bloquetes a ruas da Estrutural
GDF leva pavimentação com bloquetes a ruas da Estrutural

Homem mata companheira em Caldas Novas

O crime foi motivado por discussão envolvendo drogas. Um homem de 53 anos foi preso em flagrante nesta quinta-feira (4), em Caldas Novas, suspeito de matar a companheira, de 48 anos, com golpes de barra de ferro durante a madrugada. Conforme a Polícia Militar, ele confessou o crime no momento

Leia mais...

GDF leva pavimentação com bloquetes a ruas da Estrutural

Trabalho envolve recuperação de vias antigas e obras em áreas que nunca receberam infraestrutura A Estrutural vive uma nova fase de urbanização com a chegada da pavimentação de ruas que ainda estão em solo exposto e com a recuperação de trechos desgastados pelo tempo. A ação inclui também a pintura

Leia mais...

Consumo de data centers triplica e desafia redes elétricas

O consumo de energia por data centers está previsto para um aumento exponencial na próxima década, impulsionado principalmente pela expansão da inteligência artificial. Um relatório recente aponta que a demanda energética dessas instalações deverá atingir 106 gigawatts até 2035, um salto considerável em relação aos 40 gigawatts atuais. A expansão

Leia mais...

Juiz do tjdft compartilha trajetória em projeto de história oral

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) registrou a trajetória do juiz Flavio Augusto Martins Leite, titular do 2º Juizado Especial Cível de Brasília, por meio do Programa História Oral. A entrevista, conduzida pelo desembargador Roberval Belinati, 1º vice-presidente do TJDFT, ocorreu no Memorial TJDFT –

Leia mais...

Marina silva é hospitalizada após fratura na coluna

Ministra Marina Silva recebe atendimento médico após sofrer uma fratura na coluna. O incidente ocorreu durante suas férias, enquanto realizava atividades domésticas. A ministra sentiu uma dor intensa e repentina na região lombar enquanto movia vasos de plantas em sua residência. Diante do desconforto, ela buscou assistência médica imediata. Após

Leia mais...

A sua privacidade é importante para o Tribuna Livre Brasil. Nossa política de privacidade visa garantir a transparência e segurança no tratamento de seus dados pessoais.