Manifestantes exigem que Dina Boluarte deixe o governo, no sexto
dia de protestos após prisão de Pedro Castillo. Proposta de antecipar as
eleições não contém ânimos. Milhares bloqueiam o aeroporto da segunda maior
cidade do país
(crédito: AFP)
A proposta de Dina Boluarte de antecipar as eleições
presidenciais no Peru não teve o efeito de acalmar a tensão que domina o país
desde a deposição de Pedro Castillo. Ao contrário, os protestos aumentaram em
várias cidades do norte e do sul, no sexto dia consecutivo de mobilização em
repúdio ao Congresso e também para pedir a libertação do ex-presidente
esquerdista, destituído e detido por ordem judicial após uma tentativa
frustrada de golpe. Os manifestantes também exigem a renúncia de Bolularte,
primeira mulher a ocupar a Casa de Pizarro.
“Interpretando a vontade da cidadania (…) decidi
tomar a iniciativa para alcançar um acordo com o Congresso da República para
antecipar as eleições gerais para o mês de abril de 2024”, disse a
presidente, em pronunciamento exibido na televisão no início da madrugada de
ontem.
A proposta de reduzir seu mandato em dois anos foi
anunciada após a morte de duas pessoas pela repressão policial nos protestos de
domingo na cidade andina de Andahuayalas. Outros três óbitos foram registrados
ontem.
Numa tentativa de barrar a onda de violência nas ruas, a
ex-vice de Castillo também decretou estado de emergência “nas zonas de
alto conflito social para recuperar pacificamente o controle da ordem
interna”, concentradas no sul do país. Horas depois, o governo afastou os
26 prefeitos regionais nomeados pelo governo Castillo, sob o argumento de que
eles “incitam protestos”.
Policiais da tropa de choque foram destacados para
reforçar o patrulhamento no aeroporto de Andahuaylas. Em Arequipa, segunda
maior cidade do Peru, duas mil pessoas bloquearam a pista do aeroporto,
exigindo a saída de Boluarte. A pista foi bloqueada com pedras, paus e pneus,
segundo constataram jornalistas da agência France Presse. A iluminação foi
destruída, e o aeroporto, fechado. A polícia enfrentou a multidão com gás
lacrimogêneo.
Estradas de acesso a várias cidades do país também
permaneceram bloqueadas, ontem, incluindo Arequipa, Trujillo e Cuzco. Em Lima,
a polícia dispersou com gás lacrimogêneo, na tarde de domingo, uma manifestação
em apoio a Castillo nas proximidades do Congresso.
A capital do país sempre rejeitou o ex-presidente, um
professor rural e líder sindical que não tinha contato com as elites peruanas,
enquanto as regiões andinas expressam apoio ao esquerdista desde as eleições de
2021.
Greve
Sindicatos rurais e organizações representativas dos povos
indígenas convocaram uma “greve por tempo indeterminado”, a partir de
hoje, em apoio a Castillo, que vem de uma família de camponeses. Eles exigem a
suspensão do Congresso, a realização de eleições antecipadas e uma nova
Constituição, assim como a libertação imediata de Castillo, segundo um
comunicado da Frente Agrária e Rural do Peru, que reúne cerca de uma dúzia de
organizações.
A Frente Rural sustenta que Castillo “não praticou
um golpe de Estado” na quarta-feira passada, quando anunciou a suspensão do
Legislativo e disse que governaria por decreto, o que levou a sua destituição e
a posse de Boluarte. Castillo foi detido por sua própria equipe de segurança
quando seguia para a Embaixada do México para pedir asilo político. O
Ministério Público o acusa de rebelião e conspiração. Ele já era investigado
por corrupção.
Ao mesmo tempo, cresce a polêmica sobre a versão de que o
presidente deposto estava dopado ao ler a mensagem na qual anunciava sua
tentativa fracassada de golpe. Em uma carta que teria escrito na prisão,
Castillo afirma que um médico e enfermeiras “camuflados” e um
promotor “sem rosto” (encapuzado) o “forçaram” a fazer
exames de sangue na sexta-feira e no sábado, mas ele recusou por receio a
respeito de sua segurança. O presidente do Instituto Médico Legal, Francisco
Brizuela, afirmou que “a perícia (para saber se ele estava drogado) não
pôde ser realizada”.
Dominado pela direita, o Congresso aprovou, na madrugada
de ontem, uma norma que permite acelerar um julgamento penal contra Castillo. O
Ministério Público o acusa de rebelião e conspiração. Ele já era investigado
por corrupção.
Reformas
As atenções se voltam, agora, para o encaminhamento que
os parlamentares vão dar à proposta de antecipação das eleições apresentada por
Boluarte. Para reduzir mandatos populares — como o presidencial e o legislativo
— é necessária a análise em duas legislaturas consecutivas. Esse processo pode
durar até um ano, conforme a lei peruana. Além disso, o adiantamento do pleito
depende de uma reforma constitucional.
“Tem que haver uma negociação política para que o
Congresso faça as reformas políticas básicas necessárias para novas
eleições”, disse a analista política Giovanna Peñaflor. A demanda por
novas eleições está associada a uma rejeição esmagadora do Congresso. De acordo
com as pesquisas de novembro, 86% dos peruanos desaprovam o Parlamento.