O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), um dos primeiros nomes a se lançar pré-candidato à Presidência, não escondeu que a Bahia está no mapa da campanha eleitoral do ano que vem e vai ser usada contra a esquerda em 2026
O Rio de Janeiro, um dos lugares mais famosos do mundo, é a parte mais visível do poder do crime organizado no Brasil, que ocupa territórios, obriga moradores a usar serviços ofertados pelas quadrilhas e ameaça de morte quem não seguir as regras das facções. Quando agentes da lei tentam entrar nessas áreas — seja sob amparo da Justiça, seja por conta própria —, a violência ganha tons ainda mais fortes.
A megaoperação policial que culminou na morte de ao menos 121 pessoas, incluindo quatro policiais, na última terça-feira, estampou manchetes de jornais do mundo inteiro e deixou o governador do estado, Cláudio Castro (PL), na mira dos holofotes para explicar o motivo de tantos cadáveres em uma ação que, segundo as próprias autoridades policiais, foi planejada com meses de antecedência.
Apesar dos números trágicos — a operação foi a mais letal da história policial brasileira, superando os 111 mortos do Massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992 —, governadores da direita correram para prestar solidariedade ao colega fluminense, no sentido de reforçar a tese de que o cerco aos bandidos do Complexo da Penha (Zona Norte) foi “um sucesso”, segundo definição do próprio Castro.
Até agora, porém, não foi possível confirmar a identidade de todos os mortos e, consequentemente, a informação do governador de que eram, exceto os policiais que morreram em serviço, “todos bandidos”. As imagens da operação correram o mundo por meio de sites e jornais que repercutiram a violência extrema de um dia inteiro de confrontos, sintetizada pelos mais de 60 corpos enfileirados em uma praça da comunidade.
O estado do Rio, porém, não está incluído na lista dos mais violentos do país. Ocupa, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, a modesta 15ª posição no ranking das unidades da Federação em número de mortes violentas intencionais (MVI) — que inclui homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenção policial.
O líder dessa estatística é o Amapá, seguido da Bahia. Pela extensão territorial e tamanho da população, o estado governado por Jerônimo Rodrigues, do PT, vai virar vidraça na guerra política entre direita e esquerda no debate sobre segurança pública, uma das principais preocupações do eleitor que vai às urnas em 2026. Mesmo tendo reduzido a taxa de MVI em mais de 8%, a Bahia registrou, só no ano passado, 6 mil mortes violentas — muito acima dos números de Rio de Janeiro e São Paulo (3,8 mil e 3,7 mil, respectivamente), que têm populações bem superiores.
Quando se olha para os números da violência policial, a Bahia ocupa a liderança em números absolutos. De cada quatro mortes violentas, uma foi provocada por agentes do estado (25%), contra 21% em São Paulo e 18% no Rio. Foram 1.556 pessoas mortas, em 2024, em ações envolvendo forças policiais na Bahia, quase o dobro do registrado em São Paulo (813) e no Rio (703).
A Bahia também tem cinco das 10 cidades mais violentas do país, de acordo com o anuário. A liderança é da cearense Maranguape, com quase 80 mortes violentas por 100 mil habitantes. Na sequência, três municípios baianos: Jequié (77 por mil), Juazeiro (76) e Camaçari (74). Completam a lista Simões Filho, no 7º lugar, e Feira de Santana, em 10º.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), um dos primeiros nomes a se lançar pré-candidato à Presidência, não escondeu que a Bahia está no mapa da campanha eleitoral do ano que vem e vai ser usada contra o candidato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva — que pode ser o próprio presidente, em reeleição. Caiado foi um dos quatro governadores — além da vice-governadora do DF, Celina Leão (Progressistas) — que foram ao Rio de Janeiro para prestar solidariedade a Castro e anunciar o chamado “Consórcio da Paz”. Outro aliado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), participou por videoconferência. Ele foi o primeiro a verbalizar que, na Bahia, pode estar o calcanhar de Aquiles do PT quando o assunto é combate ao crime organizado.
“O governador da Bahia foi secretário de Rui Costa, o poderoso ministro da Casa Civil. O ministro (da Justiça, Ricardo) Lewandowski é do governo do PT. Lula foi o mais votado na Bahia. E é onde mais se mata no Brasil, o maior percentual de mortes por 100 mil habitantes. Ali há uma verdadeira carnificina. Por que eles não implantaram esse modelo (de segurança integrada) no seu próprio estado?”, provocou Caiado, após a reunião com Cláudio Castro.
Facções criminosas
Apesar dos números altos, a Bahia não está descolada do restante da Região Nordeste. Nos últimos anos, o anuário aponta que “a violência letal se manifesta de formas bastante distintas entre estados e regiões”. Enquanto a Região Sudeste registrou, no ano passado, a menor taxa de sua série histórica — 13,3 mortes por 100 mil habitantes —, o Nordeste atingiu 33,8 mortes por 100 mil — 155% acima da média do Sudeste. A média Brasil está em 14%. No último ano, os estados com mais altas taxas de mortalidade foram Amapá (45,1 por 100 mil), Bahia (40,6 por 100 mil), Ceará (37,5 por 100 mil), Pernambuco (36,2 por 100 mil) e Alagoas (35,4 por 100 mil).
Estudos sobre a presença das organizações criminosas nos presídios do Brasil mostram que a Bahia é o estado com o maior número de facções atuantes. Dos 88 grupos criminosos que atuam no Brasil, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), 21 agem na Bahia. As maiores facções no estado são o Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro, e o Bonde do Maluco (BDM), criação baiana que atua em praticamente todo o estado. Ainda há uma dissidência do BDM, conhecida como Honda 34, com forte presença em Juazeiro.
Em Salvador, a guerra por territórios é acirrada entre o CV e o BDM. Bairros como Tancredo Neves, Vila Verde e Lobato, por exemplo, são disputados pelas duas facções, que travam confrontos quase diários.
O governador Jerônimo Rodrigues não contesta os números, mas ressalva que os dados sobre violência no estado vêm caindo. “Estamos com indicadores de segurança pública bastante melhorados em relação a 2022, 2023 e 2024. Mas o que interessa é que nós estamos com foco. O nosso foco é garantir uma Bahia de paz com enfrentamento cotidiano do crime organizado. Nós temos que cuidar para que o crime organizado não tenha espaço na Bahia. E não vai ter. Não tem vez”, declarou ele, em uma viagem ao interior do estado, na semana passada.
Sobre a Operação Contenção no Rio de Janeiro, Rodrigues criticou a letalidade policial e defendeu o Estado de Direito. Em uma entrevista para a TV Bahia, na quarta-feira, declarou: “Para mim, bandido bom é bandido preso, entregue à Justiça e punido conforme a lei”.
Aposta na política do confronto
A segurança pública se consolidou como uma das principais bandeiras dos governadores de direita no Brasil. O discurso do enfrentamento, sustentado pela promessa de “retomar o controle” das ruas e endurecer contra o crime, tem rendido dividendos eleitorais, mas também gerado efeitos colaterais. Dados recentes mostram que os estados que mais investem na política de confronto convivem com altos índices de letalidade policial e com o fortalecimento das facções criminosas.
Em São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), o índice de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) chegou a 21,7% das Mortes Violentas Intencionais (MVI) em 2024, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estado concentra 31,4% dos roubos e furtos de celulares do país, com quadrilhas ligadas ao PCC atuando na receptação e exportação dos aparelhos. Apesar do uso de câmeras corporais e drones, a letalidade se mantém alta.
No Rio de Janeiro, a violência segue em níveis alarmantes. Seis anos após a eleição de Wilson Witzel, o estado ainda é palco de chacinas, confrontos entre facções e milícias e altos gastos com segurança, 15% do orçamento estadual, mais do que saúde e educação. A recente operação que deixou mais de 120 mortos, sob o comando de Cláudio Castro (PL), reacendeu o debate sobre a eficácia do modelo. “Nenhuma operação com mais de 100 mortos pode ser considerada um sucesso”, avalia o especialista em segurança pública Jaime Fusco. “Ou há integração entre os agentes do Estado e coordenação política, ou a situação sairá completamente de controle.”
O STF, na ADPF 635, fixou parâmetros para reduzir a letalidade policial. Quando esses limites são desrespeitados, há risco de ruptura com o Estado de Direito”, explica o advogado e especialista em Direito Criminal Caio de Souza Galvão, do escritório Galvão & Silva Advocacia.
Ele pondera que, embora o poderio das facções imponha reação firme do Estado, o uso da força precisa seguir planejamento técnico e respeito aos protocolos legais. “O número de mortos, o uso de armas de guerra e as dificuldades de acesso de ambulâncias e do IML exigem verificação detalhada. O que vai definir se houve excesso será o cumprimento da ADPF 635 e as medidas para proteger civis e agentes”, afirma.
Tribuna Livre, com informações da Agência Estado
				
								
															
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      
        	
        
      









