Nos últimos dias, o Clube Militar – um dos últimos órgãos onde existem militares de pulso firme – resolveu romper o silêncio que já durava anos.
Hoje, dia 31 de março marca exatos 60 anos da Revolução Militar que transformou a história do Brasil. Diante disso, o Clube Militar lançou uma nova nota, assinada pelo General Maynard Marques de Santa Rosa, em homenagem a data, exaltando a liberdade e a defesa da democracia.
Leia a nota na íntegra abaixo:
“A memória do 31 de março permanece tão presente quanto recalcada pela insegurança dos governantes. Provado está que uma ideia só pode ser superada por outra, e não apareceu ainda no Brasil um ideário melhor do que o de 1964, como projeto de futuro. A repressão ao passado é puro obscurantismo de quem teme a verdade dos fatos, na ilusão de que pode apagar uma marca registrada do inconsciente coletivo.
A evolução política imita os movimentos do coração. Em 1964, extinguiu-se a diálise da 4ª República, iniciada em 1946, e iniciou-se a sístole que durou até 1988.
Nos anos 1960, a pujança da União Soviética fascinava as massas, como que respaldando a profecia do fatalismo determinista de um futuro socialista, amplamente orquestrada pela propaganda vermelha. E a Guerra Fria atingia o auge, transbordando para o continente africano e a América Latina.
O Brasil virou alvo da manobra geopolítica, por seu potencial estratégico no Atlântico Sul. E aqui surgiram grupos de quintas-colunas do movimento comunista internacional, abrigados confortavelmente nos sindicatos, nas redações e nas legendas dos partidos políticos legais.
No final de 1963, a desarmonia imperava entre os poderes da República. Na cúpula do Estado, o clamor do presidente por reformas ‘na lei ou na marra’ pressionava o Congresso, sincronizado com pressões de base sindicais e estudantis. Nas cidades, um estado permanente de greve paralisava a atividade produtiva. E, no campo, os proprietários rurais começavam a se armar, alarmados com a ameaça de invasão pelas Ligas Camponesas. O fracasso do Plano Trienal do ministro Celso Furtado tinha feito a inflação anual superar os 80%.
O estamento militar via-se estrangulado pelo desequilíbrio salarial. Um quadro comparativo de outubro de 1963 mostra que um 1º Ten do Exército ganhava uma média de CR$ 35 mil, enquanto um motorista recém admitido na Petrobrás percebia CR$ 100 mil, e o salário de um estivador do porto de Santos variava de CR$ 800 mil a 1,2 milhão. E a agitação política chegara aos quarteis, comprometendo a hierarquia e a disciplina. Houve motins de sargentos no Corpo de Fuzileiros Navais e em várias guarnições militares. Em setembro, sargentos da FAB, em Brasília, rebelaram-se contra uma decisão judicial que lhes havia negado o direito de se candidatarem a cargo eletivo, e chegaram a prender um ministro do Supremo Tribunal Federal.
O governo, a quem incumbia a manutenção da ordem, era, ao mesmo tempo, aliado e refém do movimento subversivo. Sua base de apoio repousava nos sindicatos, a maior parte controlada por militantes marxistas. Na época, o líder comunista Luís Carlos Prestes chegou a declarar que já tinha o governo e só lhe faltava o poder. O presidente da República, confiante no “esquema militar” articulado pelo chefe do gabinete militar, Gen Assis Brasil, subestimou a reação das Forças Armadas.
Diz a teoria de Jung que, quando o risco é iminente, aflora o arquétipo à consciência coletiva, e o povo procura arrimo. A marcha da família com Deus pela liberdade foi um grito de socorro que ecoou em todo o território nacional. A ameaça de caos empurrava o país para o cenário da Guerra Civil Espanhola, tornando inevitável a intervenção, para o restabelecimento da lei e da ordem. Se não fosse por militares brasileiros, certamente o seria por estrangeiros, pois que a política de contenção americana, após a crise dos mísseis de 1962, jamais toleraria uma segunda Cuba no Hemisfério, com a magnitude do Brasil.
A reação foi deflagrada por lideranças civis do Estado de Minas Gerais. A proclamação peremptória do governador Magalhães Pinto, lida em edição extraordinária do Repórter Esso, na noite de 31 de março, chocava pela gravidade: ‘O governo, as Forças Armadas e o povo do Estado de Minas Gerais declaram-se desvinculados da União Federal’.
Os chefes militares de então não se omitiram de assumir os riscos inerentes ao desafio. Planejamentos já vinham ocorrendo desde 1962, pelo Mal Castello Branco, generais Ernesto Geisel, Ademar de Queirós e Golbery, Alte Rademaker e Brig Márcio de Souza Melo, dentre outros. No dia 20 Mar, o então chefe do EME, Mal Castello Branco, expediu a circular reservada LeEx – Lealdade ao Exército, alertando a Instituição. No entanto, foram os oficiais idealistas da tropa de Minas Gerais, liderados pelo Gen Olympio Mourão Filho, que criaram o fato consumado.
O movimento cívico-militar prosperou sem encontrar resistência. O apoio popular ficou evidente, ao não ter ocorrido uma única baixa em todo o país. Afinal, pacífica e silenciosamente, a nação legitimou a intervenção, pelo conceito de que ‘Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido’.
Onze dias depois, o Poder Legislativo, convertido em Colégio Eleitoral, elegeu o presidente Castello Branco. O Poder Judiciário, preservado em suas prerrogativas, jamais protestou contra os atos de exceção do novo governo. Tacitamente, o Supremo Tribunal Federal validou o status de legalidade jurídica. E a maior parte da mídia nacional aderiu, cooperando para o êxito do novo regime.
Na verdade, a intervenção foi um movimento contrarrevolucionário. O IPM 709 apurou que o golpe comunista estava programado para o dia 1º de maio de 1964, quando seria aplicada a receita leninista. Havia uma lista de alvos, que incluía as principais lideranças conservadoras de todo o país, a serem capturadas e eliminadas pelos chamados ‘grupos dos onze’. Os ‘companheiros de viagem’ seriam descartados em seguida; dentre eles, certamente, o então presidente João Goulart, que passaria para a História como o Kerensky brasileiro. Portanto, o movimento de 31 de março foi, simplesmente, o contragolpe que fez abortar a ameaça comunista.
O ideário de 1964 revivescia os anseios tenentistas acalentados desde o período Hermes da Fonseca, e tinha como meta preparar as condições necessárias à estabilidade democrática. Para isso, era preciso restabelecer a ordem, reorganizar o Estado, moralizar a administração pública, sanear a economia, erradicar o patrimonialismo atávico e a corrupção e promover o desenvolvimento nacional.
Graças ao planejamento estratégico, o ciclo militar ensejou um crescimento contínuo e sem precedente, durante 20 anos, a despeito da agitação política e das crises do petróleo de 1973 e 1978. Mas, a agenda moral não pôde ser completada. Com o passar do tempo e o esgotamento do modelo, o idealismo foi cedendo espaço ao pragmatismo, em troca de governabilidade. A educação pública não mereceu a prioridade requerida para reverter a inércia cultural; e o corporativismo, pai de todos os privilégios, manteve-se intocado, sobretudo no setor público.
A Constituinte de 1988 inaugurou a longa diálise que perdura até os dias atuais. A politização que se seguiu trouxe de volta a corrupção na administração pública e o velho costume da improvisação que retarda o progresso. A ausência de um projeto de nação tem contribuído para as políticas erráticas de cunho populista que vêm transformando o Brasil em uma autarquia clientelista. E até as garantias individuais foram relativizadas. Portanto, o futuro da Pátria continua um desafio. Enfim, a despeito da repressão revanchista, a memória de 31 de março de 1964 permanece viva, como lição de coragem e patriotismo às gerações futuras. E a sua evocação catalisa o anseio de união de todos os brasileiros na construção de um país forte, progressista e respeitado, com uma sociedade livre, justa e fraterna.”
Gen Ex Maynard Marques de Santa Rosa
Tribuna Livre, com autoria do artigo do Gen Ex Maynard Marques de Santa Rosa