Corpo de Bombeiros registrou 24 ocorrências de janeiro a dezembro — 10 a mais que em 2024. Especialistas reforçam a necessidade de evitar brincadeiras perigosas, nadar para longe da margem e se embriagar nas águas
O número de afogamentos no Lago Paranoá disparou 71,43% em 2025. O Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) registrou 24 ocorrências de janeiro ao início de dezembro deste ano — 10 a mais que em todo o ano passado, quando houve 14 casos — consolidando o lago como o principal ponto de acidentes aquáticos do Distrito Federal. Em todo o DF, no entanto, houve uma leve redução nas ocorrências, com 53 registros no mesmo período, ante 62 no ano anterior.
Segundo o capitão Ramón Lauton, chefe da Seção de Salvamento Aquático do Corpo de Bombeiros (CBMDF), a alta no Lago Paranoá pode ser decorrente de dois fatores: “Uma das questões são as condições climáticas. Este ano foi atípico em relação ao calor, está mais quente que o ano anterior. Então as pessoas estão buscando mais piscinas e lagos. Outro fator, este consideramos o principal, é que o GDF liberou passagens gratuitas aos domingos. Percebemos um aumento significativo de banhistas na orla da ponte JK e na prainha do Lago Norte”. Nestes pontos, a corporação informou que colocou mais um posto de guarda-vidas, agora com seis militares.
Durante a semana, não há postos fixos de guarda-vidas no Lago Paranoá devido à menor presença de banhistas. Mesmo assim, a área é atendida pelo Grupamento de Busca e Salvamento e pelo Subgrupamento próximo à Ponte JK. Nesses pontos, os militares permanecem de prontidão e são acionados sempre que há uma ocorrência. Em dias de maior movimento, como finais de semana, feriados, períodos de festividades ou quando há eventos aquáticos, as equipes intensificam as rondas, e a fiscalização é reforçada com postos de guarda-vidas.
Fatores de risco
Boa parte dos acidentes aquáticos no lago envolve o consumo de álcool, destaca o capitão Lauton. De acordo com ele, a bebida alcoólica aumenta a coragem e leva a brincadeiras perigosas, sendo um fator comum na maioria das ocorrências. “Orientamos para não saltar ou pular de cabeça, a pouca visibilidade do fundo do Lago Paranoá impede que se veja o que há embaixo. Evitar nadar para longe: se não é um nadador profissional ou não tem o costume de nadar em águas abertas, você pode se cansar, ter uma cãibra e não conseguir voltar à margem”.
Além disso, o profissional orienta que banhistas evitem flutuadores improvisados, como colchão inflável ou bóia de pneu, utilizem sempre coletes salva-vidas em embarcações e evitem manobras arriscadas se estiverem pilotando.
Em piscinas, a atenção a crianças, idosos e pessoas com deficiência deve ser redobrada. “É preciso não deixar a criança sozinha, fazer o cerramento correto da piscina e cobrir quando não estiver sendo utilizada”, explica.
Entre as vítimas do lago artificial, está a adolescente Kauanne Victoria de Sousa, de 17 anos, que faleceu em 18 de abril deste ano. Ela nadava com amigas na Península dos Ministros, no Lago Sul, quando não conseguiu retornar à margem e se afogou.
Além dela, um homem de 31 anos identificado com as iniciais P. L. S. também morreu no local em 24 de abril, após ficar dez minutos submerso. Os dois não foram os únicos das estatísticas: outras quatro pessoas perderam a vida em acidentes aquáticos no ponto turístico este ano.
Fora do lago, outros casos também preocupam. Na cachoeira do setor Incra 7, em Brazlândia, o jovem de 19 anos Álvaro Lemos morreu afogado no último dia 7, após um passeio dominical com amigos. Segundo o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), o menino estava alcoolizado no momento do incidente. Uma equipe de resgate aéreo e quatro viaturas foram enviadas para a ocorrência. As buscas começaram imediatamente e, após alguns minutos, o homem foi encontrado e as manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) iniciadas. Depois de cerca de 40 minutos de tentativa, o óbito da vítima foi declarado pelo médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
O rapaz morava na Colônia Agrícola 26 de Setembro, área de Vicente Pires, e era monitor de brinquedos em eventos, relata a mãe de Álvaro Lemos, Diana Lemos. “Ele passou por alguns empregos como serralheiro e freelancer, no momento em que estava, escolheu a profissão por saber lidar com crianças”, conta Diana, emocionada.
Álvaro torcia para o Brasiliense — time de futebol — e gostava de conversar e sair com os amigos. “Colegas e amigos eram tudo para o Álvaro, muitos ajudaram no funeral”, afirma Diana. Ele deixa três irmãos e a namorada. para a mãe, o jovem nunca será esquecido. “É filho, ele será lembrado como um menino bom. Nunca escutei notícias ruins da parte dele”, relata Diana. Ela afirma que a cachoeira em que ele estava é muito perigosa. “Eu peço a Deus que nunca aconteça esses casos com as famílias, pois é um choque”.
Susto grande
A administradora e mãe de trigêmeos Núria Milhomem, 50, conta que passou por um enorme susto em uma das piscinas do Parque Água Mineral. “Quando olhei para o lado, foi questão de um segundo. O Gabriel já não estava mais lá. Me deu um desespero, um medo tão grande de encontrar meu filho morto. “O caso quase terminou em tragédia. Gabriel Jardim, então com cerca de 6 anos, foi salvo por outra criança mais velha após se afogar.
Naquele dia, Núria e o marido, Hélio, foram ao parque com os três filhos — Gabriel e os irmãos trigêmeos José e Maria Vitória. Enquanto o pai acompanhava José próximo à mina que abastece as piscinas, Núria permaneceu com Gabriel e Maria Vitória na área rasa, conhecida como piscinas velhas. A movimentação era comum: crianças brincando, famílias felizes.
Um segundo foi suficiente para que tudo mudasse. Ao se distrair com a filha, Núria perdeu Gabriel de vista. Ele havia pulado na parte funda da piscina. Pessoas que presenciaram a cena correram e conseguiram retirá-lo da água. O menino estava pálido, assustado e mole, após engolir bastante água. Após o resgate, Gabriel recebeu atendimento no posto de primeiros socorros do parque, onde foi avaliado e estabilizado.
Treze anos depois, o episódio ainda é uma memória difícil para Núria, que nunca mais conseguiu voltar ao local. “Depois do ocorrido, coloquei meus três filhos na natação. Eles fizeram aulas por nove anos. Ficamos por muito tempo evitando locais com praias ou piscinas”, relembra. A administradora acredita que saber nadar poderia ter evitado o susto com o filho. “O primeiro conselho que eu dou para as pessoas é colocar os filhos na natação. É uma questão de sobrevivência”, aconselha.
Alerta entre banhistas
O aumento da movimentação no Lago Paranoá, especialmente aos fins de semana e nos períodos de calor, acende o alerta para os riscos de afogamento. Frequentadores e trabalhadores relatam que, embora os casos tenham diminuído recentemente, os acidentes ainda acontecem, sobretudo quando há maior concentração de pessoas dentro da água.
Dalton Nascimento Santos, de 32 anos, trabalha há cerca de 10 meses com aluguel de pranchas, caiaques e pedalinhos no lago e afirma que já houve registros de afogamento nas proximidades. “Já aconteceu aqui perto. Aconteceu ali no deck, já aconteceu aqui na matinha. Presenciar mesmo não, mas já teve bem perto”, relata. Segundo ele, a frequência varia conforme a época do ano. “Atualmente diminuiu um pouco, mas na época do calor é mais comum. Porque o povo vem, bebe, entra na água e acaba acontecendo com mais frequência.”
Entre os banhistas, a percepção de segurança nem sempre é a mesma. O militar Pedro Henrique, de 22 anos, esteve no Lago Paranoá pela primeira vez e entrou na água mesmo sem saber nadar. “Não sei nadar. Foi da hora a primeira experiência no Lago, mas acho perigoso”, contou. Ele afirmou que usou um colete para se sentir mais seguro.
Apesar disso, Pedro Henrique avalia que a estrutura de salvamento pode ser insuficiente. “Dependendo da pessoa é bem complicado. São poucos para a quantidade de pessoas, pelo tamanho do Lago”, afirmou, ao comentar sobre a presença de salva-vidas. Para ele, a falta de profissionais em número adequado torna a experiência arriscada para quem não tem preparo ou habilidade para nadar.
Opinião semelhante é compartilhada por Edson Silva, de 25 anos, também militar e frequentador do lago. “Já vim no lago algumas vezes, mas sei nadar”, afirmou. Mesmo se sentindo tranquilo na água, ele acredita que o efetivo de salva-vidas é reduzido. “A princípio eu acho que são poucos. Eles são dois de um lado e dois do outro. Tem bastante movimentação aqui dentro. Então, se tiver um afogamento no começo e um no final, falta mais”, concluiu.
Consequências
Segundo o professor de enfermagem e especialista em urgência e emergência Marcos André de Souza Lima, o principal perigo do afogamento é a hipóxia aguda — falta de oxigênio que atinge rapidamente o cérebro, coração e pulmões. “A entrada de água nas vias aéreas desencadeia fechamento súbito das cordas vocais, um estreitamento súbito dos brônquios, resultando em diminuição do fluxo de ar para os pulmões e, por fim, falência respiratória. Sem oxigênio, o cérebro é o primeiro a sofrer. Em minutos começam danos neuronais irreversíveis. Consequentemente, a hipóxia leva a arritmias, diminuição dos batimentos e, por fim, parada cardiorrespiratória”, explica.
As consequências ao corpo humano podem se agravar a depender do tempo submerso: de três a cinco minutos sem oxigênio, o cérebro inicia dano celular; de seis a oito minutos, há grande risco de lesão permanente; após 10 minutos, a probabilidade de sequelas graves ou morte é muito alta. “O Suporte Pré-Hospitalar de Vida no Trauma (pHTLS) — padrão mundial de treinamento para profissionais de saúde sobre como atender vítimas de trauma no ambiente pré-hospitalar — reforça que o tempo de submersão é o principal indicador prognóstico”, destaca.
As sequelas mais comuns, de acordo com o profissional, são déficit cognitivo, alterações motoras, perda de memória, epilepsia, lesões pulmonares como pneumonia aspirativa, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e diminuição da capacidade pulmonar, transtornos psiquiátricos — como ansiedade e medo incapacitante de água — além de disfunção orgânica sistêmica, insuficiência renal e alterações cardíacas.
Prevenção
Para se divertir nas águas, o conhecimento de segurança aquática é essencial. Segundo o educador físico e coordenador técnico da Academia D’stak, Wilson Brasil, algumas habilidades básicas são necessárias: “É fundamental saber flutuar nas posições dorsal, frontal e vertical. Essas técnicas vão ajudar a evitar o pânico e aguardar socorro. Aprender as técnicas dos movimentos de braços e pernas de maneira coordenada para se deslocar na água, permite a aproximação de algum objeto para apoio ou mesmo chegar à margem de um rio ou mesmo a borda de uma piscina. Praticar a respiração adequada enquanto nada. Isso envolve a técnica de inspirar antes de mergulhar a cabeça na água e expirar enquanto a cabeça está submersa, isso evita a aspiração de água, que já é o princípio do afogamento”.
O professor recomenda que os pais coloquem as crianças na natação a partir dos três meses de idade. “Na fase inicial, elas desenvolvem habilidades natatórias, maior controle motor e experimentam o salto, a imersão e o deslocamento submerso e a flutuação, são experiências que permitem a criança a se afastar de alguns riscos”, explica.
Tribuna Livre, com informações do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF)







