23/02/2025

Análise: E se o problema de Lula não for apenas a inflação?

Entrelinhas 1602 - (crédito: Caio Gomez)

Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível diagnosticar que o presidente Lula era prisioneiro de uma “jaula de cristal

Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível diagnosticar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era prisioneiro de uma “jaula de cristal”, embora houvesse uma mudança da água para o vinho na situação política do país com sua chegada ao poder. A parábola do ex-ministro do Planejamento chileno Carlos Matus, na obra O líder sem Estado-Maior, descreve “os imponentes e frágeis” gabinetes de líderes que se isolam e se tornam prisioneiros de uma pequena Corte.

“Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo”, aponta Matus. “O governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando”, completa.

Na tentativa de realizar o impossível, continua Matus, “deteriora a governabilidade do sistema e não aprende, porque não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido por uma prática que acredita dominar, mas que, na realidade, o domina. Acumula experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade cognitiva para fazer”.

Na recente viagem ao Amapá e ao Pará, no decorrer da semana, o presidente Lula saiu da “jaula de cristal”, com seu pulo do gato: a velha narrativa populista de campanhas. Um velho amigo, cientista político, numa dessas conversas de redes sociais, foi cirúrgico: “o tom dos oradores já é retoricamente patético e politicamente esotérico. Falta pouco para se instalar um clima de exasperação equivalente ao do barco à deriva dos últimos meses de Dilma. Lula está sangrando em público”.

Seu interlocutor, quase sempre tolerante com Lula, perdeu a paciência: “Lula foi ao Amapá e acabou possuído. Falou por uma hora, abusando do popularesco e da mistificação. Valeu tudo, a mãe, Deus, as emas, os jabutis e o tucunaré. Inacreditável”. Esse tipo de crítica não tem nada a ver com a oposição a Lula, sobretudo a bolsonarista. Meus amigos torcem para o governo dar certo.

Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira aponta que 24% dos eleitores brasileiros aprovam o governo do presidente Lula e que 41% reprovam. Dos entrevistados, 32% avaliam o governo como regular, e 2% não souberam ou não responderam. Nos seus piores momentos, no primeiro mandato, Lula havia atingido 28% de ótimo e bom em outubro e dezembro de 2005, no auge da crise do mensalão. Seu maior índice de ruim e péssimo, 34%, em dezembro de 2024. Essa situação somente se compara ao segundo mandato de Dilma Rousseff, o fantasma que ronda o Palácio do Planalto.

Inflação e corrupção

Os habitantes da “jaula de cristal” não são afeitos a autocríticas, a culpa de tudo está na inflação e na chamada “crise do Pix” ou seja, jogam no colo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, toda a responsabilidade pela impopularidade de Lula. Antes, a culpa era do ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, o principal responsável pela recidiva do populismo explícito de Lula, na base do “agora, vai”.

O IPCA de janeiro foi de 0,16%, a menor taxa para o mês desde o início do Plano Real, em 1994. O índice foi derrubado pela redução das tarifas de energia elétrica proporcionada pelo bônus de Itaipu. Os habitantes da “jaula de cristal” culpam os supermercados pela alta dos alimentos e o Banco Central pela alta de juros. Essa ladainha vai recrudescer.

A inflação não é causa, é consequência. Medidas sociais e incentivos ao crescimento econômico são meninas dos olhos de Lula. Ninguém é capaz de convencê-lo de que um corte de 2% nas despesas do governo, perfeitamente possível, acabaria com o deficit primário, inverteria todos os sinais do governo em relação aos agentes econômicos e ainda aumentaria a produtividade e qualidade da administração federal.

E se o problema não for apenas a inflação, mas também a perda de liderança moral perante a sociedade, por causa da resiliente crise ética que provocou o tsunami eleitoral de 2018? O Brasil está empatado com Argélia, Nepal, Tailândia, Maláui e Níger no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional.

Exibe a pontuação 34, sua pior posição desde 2012, o começo da série histórica. Está nove pontos abaixo da média global e oito abaixo da média das Américas. A principal evidência de corrupção, segundo a Transparência Internacional, é a presença cada vez maior do crime organizado nas instituições estatais. Outra evidência é o descontrole no pagamento das emendas parlamentares, mais de R$ 148,9 bilhões em cinco anos, sem transparência nem rastreamento. Governo e Congresso estão juntos e misturados.

Tribuna Livre com análise Luiz Carlos Azedo

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