05/11/2025

Após 8 anos sob comando do Partido Socialista, Portugal dá guinada à direita

Quase 34% dos eleitores portugueses optaram por não votar. Na última eleição, a abstenção chegou próximo de 50% - (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A.Press)

Líder dos socialistas admite que não formará uma maioria alternativa para governar o país. Ficará na oposição, espaço que não quer deixar para a ultradireita, representada pelo Chega

Lisboa — Depois de oito anos sob o comando do Partido Socialista (PS), Portugal dará uma guinada à direita. Ainda que com milhares de votos por serem contados, todos oriundos do exterior, a Aliança Democrática (AD), com 29,6% da preferência do eleitorado, se declarou vitoriosa na disputa e ressaltou estar pronta para formar o governo do país europeu. Segundo o líder desse grupo político, Luís Montenegro, “esse é o desejo do povo português, como ficou claro nas urnas”. Secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos reconheceu a derrota e afirmou que o seu partido não está disposto a formar uma maioria alternativa na Assembleia da República, com vistas a fazer o próximo primeiro-ministro. “Nós estaremos na oposição”, avisou. Com 98% das urnas apuradas, os socialistas obtiveram 28,7% dos votos.

No discurso da vitória, Montenegro reafirmou o que havia dito durante a campanha eleitoral: não fará coligação com o Chega, partido de extrema-direita, para chegar ao Palácio de Belém. “Mantenho os meus compromissos”, afirmou. Ou seja, “não é não”, como havia assinalado. O fato, porém, é que a ultradireita deu um salto espetacular nas eleições, conquistando 18,1% dos votos ante os 7,2% computados em 2022. Esse espectro político avançou de Norte a Sul de Portugal — venceu no Algarve — e passou de 12 para 46 deputados, um deles, Marcus Santos, o primeiro brasileiro eleito na história para a Assembleia da República. No total, o Chega teve mais de 1 milhão de votos.

A Aliança Democrática ficou com 77 assentos no Parlamento e o PS, com 74, números que ainda podem ser ajustados com a contabilização dos votos pendentes. No entender de especialistas, a nova composição de deputados terá importantes reflexos nas políticas que serão adotadas nos próximos meses, inclusive na área da imigração. O brasileiro Marcus Santos é um dos eleitos pelo Chega que defendem uma política rígida de controle na entrada de cidadãos estrangeiros em Portugal, em especial, daqueles oriundos de países muçulmanos. Os representantes da ultradireita estimulam a xenofobia e o racismo.

Legenda dividida

Apesar das declarações de Montenegro em relação ao Chega, há uma grande divisão dentro de seu próprio partido — uma ala defende o casamento com a legenda comandada por André Ventura. Inclusive, já se cogitou a possibilidade de se afastar o atual líder da Aliança Democrática e substituí-lo por uma pessoa mais flexível, como, por exemplo, Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro. Os próximos dias, portanto, serão decisivos para mostrar até onde vai a força de Montenegro para se manter à frente da AD e realizar o sonho de se tornar primeiro-ministro de Portugal.

Ventura já se antecipou e mostrou disposição para um acordo com a Aliança Democrática. “Os portugueses querem dois partidos no comando no país”, frisou. Segundo ele, as eleições deste domingo marcaram o fim do bipartidarismo em Portugal e, diante o que se viu nas urnas, é preciso que haja responsabilidade da direita no sentido de formar um governo. “A direita precisa ter responsabilidade com o país. Só um ato de irresponsabilidade, de deixar o Partido socialista governar, pode afastar um acordo. Vamos ouvir o que Luís Montenegro tem a falar. Os portugueses já disseram o que querem nas urnas e deram uma resposta ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que quis condicionar os votos dos cidadãos”, disse. O presidente é contra a coligação da AD com o Chega.

Pedro Nuno Santos, do PS, afirmou que, apesar dos votos que ainda estão por ser contados, é melhor assumir a derrota para a Aliança Democrática, pois não é justo manter o país em suspense por mais duas semanas. Para ele, deve-se considerar ainda o expressivo do Chega, que teve 18,1% da preferência do eleitorado. “Foi mais de 1 milhão de votos de portugueses xenófobos e racistas, mas a maioria dos cidadãos do país não compartilha desses pensamentos. Estamos prontos para a luta e vamos reconstruir as condições para que o PS possa voltar a governar Portugal”, ressaltou. “Vamos para a oposição não deixar que o Chega ocupe esse espaço”, emendou, jogando a responsabilidade para Montenegro sobre uma eventual coligação com a ultradireita.

As eleições em Portugal foram antecipadas em dois anos. Em novembro passado, uma operação do Ministério Público apontou indícios de corrupção no governo, o que levou à renúncia do socialista António Costa do cargo de primeiro-ministro. Diante desse fato, o presidente português optou por dissolver a Assembleia da República e convocou nova votação. Até agora, nenhuma das acusações foi confirmada. Costa, por sinal, afirmou que esse fato teve peso importante na ascensão do Chega, assim como a disparada da inflação e a subida dos juros, que prejudicaram o bem-estar dos cidadãos. “O certo é que essas eleições só ocorressem em outubro de 2026”, ressaltou.

Abstenção diminui

Diante da acirrada disputa entre os partidos, os portugueses aproveitaram a trégua dada pela chuva e pela neve e foram votar. Com isso, a abstenção caiu para 33,8%, ante os 48,6% de dois anos atrás. Dois de cada 10 eleitores decidiram em quem votariam na última semana. A maioria dos indecisos era de mulheres entre 35 e 64 anos. “Não se pode ficar em casa de chinelos, sentado no sofá vendo televisão. É preciso votar para ter o direito de reclamar dos políticos e dos partidos”, disse o aposentado Carlos Varandas, 64 anos.

Para o também aposentado Vítor Antunes, 67, o voto foi uma conquista importante, do qual os portugueses não podem abrir mão. “Sei bem o que foi a ditadura nesse país. Votei pela primeira vez aos 18 anos e, desde então, nunca deixei de cumprir com meu dever cívico” assinalou. No entender dele, o fato de a maior parte dos eleitores ter optado por empurrar Portugal para a direita não deve ser motivo de medo, desde que a guinada seja ligeira. “A alternância de poder sempre ocorreu no país, sabemos bem como funciona”, acrescentou.

Segundo Maria da Graça, 69, os principais problemas a serem enfrentados pelo futuro governo estão na saúde, na educação e na habitação. Os cidadãos têm enfrentado sérios problemas no atendimento na rede pública de hospitais, por causa da escassez de médicos e enfermeiros, que levou ao fechamento de várias emergências de unidades de saúde. Nas escolas, faltam professores, e a qualidade do ensino caiu. Já os preços dos alugueis e dos imóveis para compra dispararam, devido ao aumento da demanda por parte dos imigrantes, sobretudo, brasileiros. Na visão de Francisco Felipe, 71, os políticos devem olhar mais para a população e menos para seus interesses pessoais. “É o que todos esperam”, assinalou.

Em Portugal, o sistema político é semiparlamentarista. Os cidadãos votam nos partidos, que fazem uma lista com candidatos. De acordo com os votos de cada legenda, calcula-se, proporcionalmente, o número correspondente de deputados que formarão o Parlamento.

Tribuna Livre, com informações da RFI

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