Criança de 9 anos foi assassinada em colégio do Rio Grande do Sul por adolescente. Outros dois alunos e uma professora também ficaram feridos. Dados de violência extrema em ambiente escolar chamam a atenção das autoridades
Uma criança de 9 anos morreu, ontem, após o ataque com faca de um adolescente de 16 anos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Nascimento Giacomazzi, no município de Estação (RS). A tragédia ocorre menos de uma semana depois de o vice-presidente Geraldo Alckmin sancionar uma lei que torna mais severas as punições para crimes cometidos nas dependências de instituições de ensino.
O autor das facadas, ex-aluno do colégio, foi apreendido pela polícia. Outras duas crianças, de 8 e de 9 anos, e uma professora, que tentava intervir, também foram atingidas. O ataque ocorreu por volta das 10h. Vitor André Kungel Gambirazi, 9 anos, foi atingido nas costas e não resistiu aos ferimentos.
Uma das crianças foi liberada do hospital, conforme a Prefeitura de Estação. A outra passou por cirurgia e permanece internada em estado estável, de acordo com o Hospital Santa Terezinha, de Erechim (RS). A docente tem 34 anos e foi atendida no Hospital de Caridade de Erechim. Ela segue internada em quadro estável com acompanhamento do serviço de psicologia.
O assassino teria entrado no local afirmando que entregaria seu currículo para a instituição de ensino, de acordo com a Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Ele teria pedido para usar o banheiro, mas invadiu uma sala do terceiro ano do Ensino Fundamental para a execução do crime. Segundo o boletim de ocorrência, o jovem era conhecido pelos professores e alguns funcionários da instituição.
Os policiais localizaram o autor pouco tempo depois do crime. “Após a apreensão do adolescente, ele foi conduzido até a Delegacia de Polícia de Getúlio Vargas, onde segue sob custódia da Polícia Civil, com apoio da Brigada Militar. O infrator é morador de Estação e não possui nenhum antecedente policial”, informou a Polícia Civil do RS em nota.
O caso acendeu um alerta sobre a quantidade de ataques extremistas nas escolas. Dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH), do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, mostram que, entre 2001 e 2024, o país registrou 43 ocorrências de violência extrema em colégios, tendo vitimado 168 pessoas — sendo 47 fatais (27,9%) e 115 feridas (69,4%).
O estudo mostrou que 100% dos autores dos crimes eram homens — grande parte influenciados por discursos de ódio e comunidades digitais que estimulam o extremismo. Do total de ataques, em 19 deles foram com armas de fogo: responsáveis por 36 mortes, ou seja, a cada 11 óbitos, nove foram alvejadas por disparos. Em 20 foram usadas armas brancas e, no restante, outro tipo de armamento.
Entre 2001 e 2018, o Brasil notificou 10 ataques contra escolas. Até esse período, o número nunca havia passado de dois casos em um mesmo ano. O cenário mudou em 2019, com quatro registros. Em 2020, por conta das aulas remotas por causa da pandemia da covid-19, não houve crimes dessa natureza. Doze meses depois, os dados voltaram a subir: um ataque em 2021, nove notificações em 2022 e 16 ocorrências de violência extrema em colégios em 2023.
Para Danielle Tsuchida, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, esse tipo de ataque geralmente é planejado previamente e os autores costumam deixar sinais nas redes sociais. “Além disso, eles demonstram gosto por armas de fogo, afinidades com discurso de ódio e têm experiências negativas no espaço escolar, sendo que parte deles abandonou a escola tempos antes do ataque. O que, na adolescência, demanda o acionamento da rede de proteção, já que a educação é direito e também dever dos estudantes”, explica.
Aulas suspensas
A instituição de ensino tem 152 alunos. As aulas estão suspensas em toda a rede municipal por tempo indeterminado. O Ministério Público pediu à Justiça que o adolescente seja responsabilizado por atos infracionais análogos aos crimes de homicídio e tentativas de homicídio. Também foi solicitado que ele fique internado provisoriamente, por causa da gravidade do caso e do risco à comunidade.
A Prefeitura de Estação disse que toda a atenção está voltada para os esclarecimentos do episódio trágico. “Estamos com toda a nossa equipe mobilizada, prestando apoio e assistência contínua a todas as famílias e à comunidade escolar neste período”, afirmou.
Por meio das redes sociais, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), prestou solidariedade às famílias das vítimas e funcionários da escola. Ele disse que as forças de segurança do estado irão atuar “com prioridade total” na apuração do caso. “Nada é mais urgente do que garantir que nossas crianças estejam seguras”, afirmou.
Ao lamentar o episódio, o ministro da Educação, Camilo Santana, ressaltou que a pasta segue em articulação com o Ministério da Justiça e com as autoridades locais, “reafirmando nosso compromisso com a vida, a paz e a proteção das comunidades escolares”. “À população, comunidade escolar e familiares das vítimas, meus sinceros sentimentos nesse momento de dor profunda”, disse.
Endurecimento da lei
A norma sancionada por Geraldo Alckmin modifica o Código Penal e a lei dos crimes hediondos com o objetivo de aumentar a resposta penal a casos de violência ocorridos em ambientes escolares. Agora, o Art. 61 inclui delitos nesses ambientes como agravantes. Além disso, o Art. 121, determina que a pena para homicídio (simples, qualificado e feminicídio) seja aumentada de 1/3 a 1/2 se o crime ocorrer em escolas.
O aumento da pena pode ser ainda maior: de 1/3 a 1/2 se a vítima for pessoa com deficiência ou com doença limitante/vulnerável; e de 2/3 se o agressor tiver vínculo familiar, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima, ou professor e funcionários da instituição de ensino.
O advogado criminal José Carlos Veloso avalia que o endurecimento da Legislação, via de regra, não resulta necessariamente na redução da violência, mas leva a um aumento da atuação do sistema de Justiça criminal. Ele alerta que remediar a consequência não significa tratar as causas da violência. Ele cita o perigo dos discursos de ódio reproduzidos nas redes sociais.
“Atacar as causas do problema e, principalmente, a responsabilização de tais plataformas digitais na disseminação desses discursos de ódio, provavelmente são medidas capazes de coibir a violência arbitrária nas instituições de ensino, pois as alternativas aplicadas até o momento apenas comprovaram a ineficiência do Direito Penal no combate de tais absurdos”, observou.
Tribuna Livre, com informações da Brigada Militar do Rio Grande do Sul