07/09/2024

Bilhões da Lei Rouanet: o mundo artístico brasileiro é outro Centrão

Foto: Reprodução

Os R$ 16 bilhões da Lei Rouanet só podem ser retribuição ao mundo artístico e cultural pelo apoio eleitoral na eleição presidencial

Quando eu era editor-executivo da revista Veja, lá se vai um quarto de século, jornalistas que estavam sob o meu guarda-chuva apuraram desvios de dinheiro captado via Lei Rouanet — ou seja, por meio de renúncia fiscal do governo — para produzir filmes e outros projetos culturais.

Eles descobriram superfaturamentos nos orçamentos de produção, esquemas de toma lá dá cá, financiamento de projetos toscos, risíveis, falta de controle sobre as prestações de contas e casos de enriquecimento ilícito.

Um dos escândalos revelados por nós foi o de uma atriz e cineasta que comprou um apartamento com o dinheiro que deveria ter sido usado para fazer um longa-metragem. Viramos carrascos, claro.

Lembrei-me dessa passagem da minha vida profissional ao ler a reportagem do meu colega de site Paulo Cappelli. Ele teve acesso ao total que o governo Lula, em um ano de governo, liberou para ser captado por intermédio da Lei Rouanet. Foram espantosos (arredondando para baixo) R$ 16 bilhões, recorde histórico, bufunfa maior do que a liberada durante os 4 anos de governo Bolsonaro. Para se ter ideia, representa 10% do orçamento federal para a Educação.

O primeiro estrago causado pela Lei Rouanet foi a seu próprio idealizador. Sérgio Paulo Rouanet era um dos grandes e poucos intelectuais brasileiros dignos desse nome. Rivalizava com luminares franceses e a sua obra abrange, com elegância e profundidade, da filosofia à psicanálise. Os Dez Amigos de Freud, de sua autoria, sobre os escritores preferidos do pai da psicanálise, é uma preciosidade.

O nome de Rouanet, contudo, entrou para a história da infâmia por causa da lei que ele idealizou quando era secretário de Cultura do governo Fernando Collor de Mello. Não em virtude da lei, propriamente, bem-intencionada no sentido de fomentar a cultura e as artes, mas por causa da esculhambação que fizeram com ela, desde o início, neste país reconhecido mundialmente pela honestidade e pela decência.

Experimento ímpetos primitivos ao ouvir alguém dizer que os recursos captados via Lei Rouanet não são dinheiro público. É dinheiro público na carótida. O Fisco abre mão de parte dos impostos devidos por cidadãos ou empresas, dentro de limites fixados pela lei, e essa soma, na forma de patrocínio, vai para o produtor cultural tocar o seu projeto previamente aprovado pelo Ministério da Cultura. O produtor tem o prazo de 24 meses para captar, junto a eventuais patrocinadores, o dinheiro da renúncia fiscal que lhe foi reservado.

Esses 16 bilhões de reais, portanto, são o montante que o governo Lula poderá deixar de arrecadar até 2025, se todos os projetos aprovados encontrarem patrocínio no prazo estipulado. Afora a boiada que ainda passará até o final do mandato do petista.

Parte dos recursos captados pela Lei Rouanet é para financiar museus e outras instituições de notório interesse público, mas o grosso mesmo paga peças teatrais, filmes, shows e exposições. Um dos problemas evidentes é que muitas dessas produções são de gente famosa que não precisaria de patrocínio com dinheiro de renúncia fiscal. Há um casamento sólido nesse aspecto.

O casamento: promover artistas consagrados é um ótimo negócio também para as grandes empresas, porque o marketing tem alcance infinitamente maior do que o de ter uma plaquinha em um museu ou estar na faixa de agradecimento do espetáculo inovador de boi-bumbá em Catolé do Rocha. Temos aí uma distorção do espírito da Lei Rouanet, que era o de conservar patrimônio cultural tangível, estimular artistas promissores e levar a cultura aos quatro cantos do país. Na realidade, ocorre o financiamento público do marketing de corporações gigantes que se vendem como mecenas privados.

Volte-se aos R$ 16 bilhões. Seja quais forem as suas destinações, justas ou injustas, malandras ou honestas, é uma exorbitância para qualquer governo, em especial um governo que precisa gastar menos o dinheiro que não tem. Para mim, soa como confissão essa história de que o cascalho bilionário é para compensar a penúria durante o governo Bolsonaro, a “demanda reprimida”, como disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Confissão de que a bufunfa desproporcional é retribuição ao mundo artístico e cultural pelo apoio eleitoral na eleição presidencial. O mundo artístico e cultural brasileiro é outro Centrão.

Fonte: Portal Metrópoles-

Por Mário Sabino

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

7R contabilidade e assessoria empresarial Santa Maria Brasilia DF
Leia também
Silvio Almeida é demitido por Lula após denúncia de assédio sexual
Silvio Almeida é demitido por Lula após denúncia de assédio sexual
X Suspenso: o temor no STF por Alexandre de Moraes após nota da embaixada dos EUA
X Suspenso: o temor no STF por Alexandre de Moraes após nota da embaixada dos EUA
Oposição fará pedido de impeachment de Moraes na segunda, diz Cleitinho
Oposição fará pedido de impeachment de Moraes na segunda, diz Cleitinho
Hugo Motta avança como favorito para suceder Lira na presidência da Câmara
Hugo Motta avança como favorito para suceder Lira na presidência da Câmara
Planalto desiste de chamar MST para desfilar no 7 de setembro
Planalto desiste de chamar MST para desfilar no 7 de setembro
TSE faz publicação no X, mesmo após bloqueio da plataforma por Moraes
TSE faz publicação no X, mesmo após bloqueio da plataforma por Moraes
Musk ameaça Lula: “Espero que goste de voar em avião comercial”
Musk ameaça Lula: “Espero que goste de voar em avião comercial”
Bolsonaro critica suspensão do X e sugere que Moraes quer ditadura
Bolsonaro critica suspensão do X e sugere que Moraes quer ditadura
Conselho vira palco de duelo de cassações
Conselho vira palco de duelo de cassações
Fabiano Contarato é eleito o melhor senador do Brasil em 2024
Fabiano Contarato é eleito o melhor senador do Brasil em 2024
Erika Hilton é eleita a melhor deputada federal do Brasil em 2024
Erika Hilton é eleita a melhor deputada federal do Brasil em 2024
Intimação realizada pelo STF na rede social X é inédita e divide juristas
Intimação realizada pelo STF na rede social X é inédita e divide juristas

GDF terá ponto facultativo na sexta-feira (6)

Medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial do Distrito Federal nesta terça-feira (3) O governador Ibaneis Rocha determinou que a sexta-feira (6), véspera do feriado de 7 de Setembro, será ponto facultativo no âmbito da administração pública direta e indireta do Distrito Federal. A medida foi publicada em

Leia mais...

Por que os EUA apreenderam um avião oficial usado por Maduro?

Autoridades dos Estados Unidos confiscaram um avião utilizado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro; a aeronave, que se encontrava na República Dominicana, foi levada para o sul da Flórida Autoridades dos Estados Unidos confiscaram um avião utilizado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. A aeronave, que se encontrava na República

Leia mais...

A sua privacidade é importante para o Tribuna Livre Brasil. Nossa política de privacidade visa garantir a transparência e segurança no tratamento de seus dados pessoais.