Cardeais reunidos na Sala Paulo VI, na Cidade do Vaticano, decidem começar eleição do próximo papa em 7 de maio e prometem tratar o tema, um dos maiores desafios de Francisco, como uma prioridade. Vítimas mostram ceticismo
Roma — Ao anunciar a data de início do conclave para 7 de maio, o Vaticano informou que 180 cardeais reunidos na Sala Paulo VI, na manhã de ontem, reconheceram os abusos sexuais como um desafio para o papa que sucederá Francisco. O jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, falecido em 21 de abril passado, empenhou-se em tentar combater o escândalo que envergonha a instituição milenar. “A evangelização, a relação com outras religiões e o tema do abuso” são citados como os mais urgentes da Igreja Católica, de acordo com um comunicado divulgado à imprensa. No próximo conclave, 132 dos 252 cardeais estarão aptos a participar da escolha do próximo pontífice.
Na manhã da quarta-feira da próxima semana, os purpurados participarão de missa eucarística conhecida como Pro Eligendo Romano Pontifice, na Capela Sistina. À tarde, em procissão solene, retornarão à capela, famosa pelos afrescos de Michelangelo, e farão um juramento, antes de começarem as votações no mesmo dia. Dos 135 eleitores, dois não vieram a Roma, por conta de problemas de saúde, e um terceiro, o italiano Angelo Becciu, acusado de crimes financeiros, desistiu de participar do conclave, o que reduziu o número de eleitores paras 132.
Aos 76 anos, Becciu foi uma das figuras mais poderosas do Vaticano. Assessor de Francisco, chegou a ser considerado papável, até que um obscuro negócio imobiliário em Londres o levou perante a Justiça. Ele era então prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. O papa o forçou a renunciar e retirou seus privilégios em 2020, três anos antes de ele ser condenado a mais de cinco anos de prisão por crimes financeiros. Becciu insistiu que poderia estar no conclave, apesar de não estar na lista oficial de eleitores. O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado de Francisco durante anos, entregou a Becciu dois documentos assinados pelo pontífice argentino confirmando que ele não poderia participar.
“Tolerância zero”
Shaun Dougherty, presidente da Rede de Sobreviventes de Abusos de Padres (SNAP) e vítima do sacerdote pedófilo George Koharchik dos 10 aos 13 anos, em Johnstown (Pensilvânia), afirmou ao Correio que a única maneira de reparar os danos causados pelos abusadores é a implementação da tolerância zero pelo direito canônico. “Sem transparência e responsabilização, a Igreja perderá ainda mais confiança da opinião pública. Durante a Cúpula sobre Abuso Sexual Infantil no Vaticano, o papa Francisco declarou que o escândalo de abuso sexual seria uma pioridade na Igreja. O próximo pontífice não deve simplesmente declarar que isso é uma ‘prioridade’, mas fazer com que isso seja uma realidade, implementar a Lei de Tolerância Zero e livrar a Igreja de seus abusadores e daqueles que os acobertar”, disse.
Por sua vez, Pete Isley, vice-presidente e um dos fundadores da SNAP, e abusado por um padre quando era garoto, em Wisconsin, nos Estdos Unidos, declarou à reportagem que o fato de o Vaticano indicar o abuso sexual como prioridade do próximo pontificado mostra que Francisco “fracassou em verdadeiramente abordar a violência sexual sistemática e disseminada na Igreja e em fazer as reformas necessárias para detê-la. “Estamos aqui, em Roma, porque queremos acreditar que chegou a hora de elegerem um papa que colocará fim aos abusos e aos acobertamentos. O próximo pontífice tem que endossar e colocar a tolerância zero na lei universal da Igreja.”
Isley defende que qualquer clérigo conhecido por abusar de crianças seja definitivamente banido do sacerdócio. “Qualquer bispo que tenha acobertado o crime tem que ser permanentemente removido de qualquer posição de autoridade eclesiástica”, cobrou.
“Momento histórico”
Para Dom Maurício Silva Jardim, bispo de Rondonópolis-Guiratinga, a Igreja Católica vive um “momento histórico”. Nomeado bispo por Francisco, ele chegou a Roma na quinta-feira passada e seguiu imediatamente para a Basílica de São Pedro para se despedir do papa. “Tive várias oportunidades de me encontrar com ele. Nós vemos todo esse momento acontecendo aqui na cidade. É diferente vir a Roma em sede vacante, sem o papa. Estamos aqui, rezando pelo sufrágio da alma de Francisco, mas também pelo próximo conclave. A expectativa é de continuidade do pontificado de Francisco”, previu.
“Na missa de exéquias, o cardeal Petro Parolin destacou o legado dele, os processos que iniciou. Francisco convidou toda a Igreja para que fosse uma ‘Igreja de saída’, a se tornar próxima e de portas abertas. Depois, estimulou uma Igreja de sinodalidade, que caminha junto. Ele deu atenção aos mais pobres, aos migrantes, às pessoas mais descartadas e invisíveis do mundo.”
Dom Maurício vê grandes chances de o próximo pontífice ser europeu e cita Parolin como forte candidato. “Mas é possível que o Espírito Santo sopre para outro continente. Ninguém sabe. Pode ser uma grande surpresa o novo papa da Igreja Católica. São mais de 130 cardeais”, observou, ao citar o cardeal filipino Luis Antonio Tagle. Ao todo, 71 países poderão estar representados no conclave que deve eleger o sucessor de Francisco. Em 2013, quando o jesuíta argentino foi escolhido, eram 41.
Doutorando em direito canônico em Roma, o padre Carlos Augusto Azevedo explicou que o período da Sede Vacante é regido pela Constituição Universi Dominici Gregis. Nessa fase, ocorrem congregações particulares e gerais. Essas últimas começaram na semana passada e serviram para preparar o funeral do papa Francisco. “A partir de agora, até domingo, as congregações gerais vão preparar o conclave. É um momento em que todos os cardeais vão se conhecer e refletir sobre as realidades da Igreja no mundo de hoje”, disse.
Tribuna Livre, com informações da AFP