Jorge e Daysel moram com as filhas em Viena. O preço do aluguel do imóvel onde vivem é moderado, o que permite a eles desfrutar da alta qualidade de vida na capital austríaca.
Os aluguéis nas grandes cidades se tornaram inacessíveis para muitos. Entre os culpados, estão o Airbnb, os “fundos abutres”, a baixa oferta pública e o turismo em massa.
Embora os salários — na melhor das hipóteses — sejam reajustados de acordo com a inflação, muitas cidades enfrentam uma crise de moradia, em que o aluguel de um apartamento desafia constantemente o orçamento mensal.
Não faltam especialistas alertando para o fato de que cada vez mais gente no mundo não tem condições de pagar por uma casa decente. No entanto, em meio a esse caos, uma cidade conseguiu manter os preços acessíveis para seus cidadãos, especialmente em comparação com outras cidades europeias.
“Em Viena, o aluguel é muito mais barato. Os aluguéis em lugares como Barcelona são mais altos do que aqui, por uma grande diferença”, diz Daysel Rodríguez Cardoso.
Esta cubana e o marido, Jorge Martínez, moram na capital austríaca há oito anos. Com as duas filhas, de 10 e 5 anos, eles formam uma família dedicada à música.
Eles alugaram uma casa de 90 metros quadrados com três quartos e “um terraço muito agradável”. O imóvel também tem lareira.
“É uma construção antiga, e isso significa que o (preço do) aluguel é limitado. Porque você tem que levar em conta que esses prédios são menos eficientes. Mas mesmo que as contas de gás e eletricidade aumentem muito, ainda assim vale a pena”, diz Jorge.
Esse tipo de moradia é frequentemente encontrado em edifícios históricos, que não são muito flexíveis em termos de mudanças estruturais.
Embora seja um imóvel privado alugado, a família paga cerca de US$ 1,2 mil (R$ 7 mil) por mês. É um “aluguel relativamente razoável para uma casa totalmente reformada”, eles disseram à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
20% do salário
De acordo com o Índice Internacional de Aluguéis da HousingAnywhere, que analisa o preço de apartamentos de um a três quartos em 28 cidades europeias, espalhadas por 11 países, em Paris algo semelhante custaria US$ 2 mil (R$ 11,6 mil), em Roma seria na faixa de US$ 2,2 mil (R$ 12,8 mil) e em Madri, Barcelona ou Berlim ficaria em torno de US$ 1,65 mil (R$ 9,6 mil).
Enquanto os moradores de Madri destinam em média 60% do salário para pagar o aluguel, os vienenses sacrificam apenas 20% da renda.
Jorge reconhece que mora em um dos bairros mais abastados da cidade, o Distrito 13. “Resumindo, é um bairro de rico. Espaçoso, silencioso e com áreas verdes.”
O lar da família Martínez é uma zona urbana densamente povoada, com muitos edifícios residenciais, mas que também contém grandes áreas naturais, como os Bosques de Viena ou o Palácio de Schönbrunn.
“Comprar [um imóvel] é extremamente caro. É muito mais barato alugar”, afirma sua esposa.
“Viena tem qualidade de vida. Qualidade de vida significa ter uma casa grande e iluminada, com espaços verdes, em uma cidade com oportunidades de emprego, uma cena cultural rica e um transporte público que funciona maravilhosamente bem”, afirma Jorge, listando o que ele considera as vantagens da cidade.
Qual é o segredo?
O primeiro fator é que a maioria das propriedades permanece nas mãos do Estado, o que incentiva a construção ou a renovação de moradias sociais, e inclui a aquisição de terrenos, a colaboração com associações, uma forte proteção aos inquilinos e a participação comunitária.
“Acreditamos que a moradia é um direito básico, não uma mercadoria. Diferentemente de muitas outras cidades, não vendemos nosso parque habitacional municipal na década de 1990. Isso nos ajuda a manter os preços dos aluguéis baixos”, explicou à BBC um porta-voz do Departamento de Habitação da cidade.
Cidades como Berlim e Londres privatizaram parte de suas moradias sociais.
Por mais de um século, Viena tem sido pioneira no oferecimento de moradias acessíveis, o que resultou em mais de 60% de seus habitantes vivendo em apartamentos municipais e subsidiados em toda a cidade.
“Contamos com 420 mil apartamentos subsidiados, divididos entre Gemeindewohnungen de propriedade municipal (220 mil) e cooperativas mantidas pelo setor sem fins lucrativos ou com lucro limitado (200 mil)”, diz a prefeitura de Viena.
Esses apartamentos não possuem restrição de tempo de contrato, nem exigem depósitos ou taxas de comissão. E, uma vez que você tenha acesso a um imóvel deste tipo, pode sublocá-lo por até 2 anos.
É preciso dizer que o conceito de moradia social em Viena é diferente do que pode ser em outras partes do mundo.
Habitação social para ricos e pobres
Se alguém disser em Buenos Aires que mora no bairro de Palermo, é possível saber mais ou menos qual é seu nível de renda. O mesmo vale para Polanco, na Cidade do México; ou El Nogal e Rosales, em Bogotá.
No caso de Madri, o bairro de Salamanca é um indicativo de alta renda e, em Londres, podemos citar Mayfair ou Chelsea.
No entanto, o código postal ou o nome do bairro na capital austríaca não revela tantas pistas sobre o poder aquisitivo de quem mora lá.
Uma das conquistas do sistema, acreditam as autoridades locais, é que o aluguel social é acessível a todos os moradores que estão na cidade há mais de dois anos.
Após esse período, a licença pode ser solicitada. Um “papel amarelo” que abre as portas da habitação social e, ao mesmo tempo, elimina a burocracia.
“O papel amarelo diz que você mora e trabalha na Áustria. Para obtê-lo, te pedem uma série de requisitos, como registro ou rendimento. Na hora de alugar, quando você apresenta (o papel amarelo), o locador sabe que, se te deram este documento, significa que você já passou por um processo e foi aprovado”, explica Daysel.
“Você passa a ter mais credibilidade. Para alugar, você precisa de mais coisas, mas este documento é uma base”, acrescenta.
Para Selim Banabak, doutor em Planejamento Espacial pela Universidade TU Wien, onde atualmente trabalha como pesquisador, o principal fator que explica por que Viena é mais acessível é o legado de anos de políticas sociais e habitacionais muito específicas.
“Em Viena, o parque habitacional municipal não foi vendido a investidores. E também é fundamental o fato de termos um segmento imobiliário em que os investidores podem obter um lucro limitado. Acho que ambas as coisas oferecem resultados muito bons.”
3 tipos de aluguel
Em Viena, há moradias municipais de propriedade do governo e moradias com lucro limitado.
Elas têm aluguéis mais altos do que os das moradias sociais, mas significativamente mais baixos do que os do mercado privado. As duas modalidades juntas representam mais da metade do mercado imobiliário.
“Faz sentido ter um segmento sem fins lucrativos grande e muito acessível. Mas todos esses fatores não se devem a uma política recente. Esse é o resultado de um legado”, observa Banabak.
Além disso, um fator importante é que Viena sofreu um declínio populacional até depois da Segunda Guerra Mundial, que só se recuperaria na década de 1980 e no início dos anos 1990.
“Então, basicamente, por muito tempo houve, digamos, uma capacidade extra dentro da cidade para acomodar as pessoas”, diz ele.
Em sua tese de doutorado, intitulada “O mercado integrado de aluguel: evidências da cidade de Viena”, Banabak demonstra que existe um efeito de amortização dos preços no mercado privado como consequência da grande oferta no mercado público.
“Há também um efeito indireto positivo para os inquilinos”, afirma.
Este é mais um dos fatores que contribuem para que os preços na cidade se mantenham abaixo dos das grandes capitais europeias.
O parque habitacional social funciona como um contrapeso ao mercado privado de aluguel, baixando os preços e mantendo os especuladores afastados.
É por isso que 60% dos vienenses vivem em imóveis alugados. É o caso da família Martínez. A casa deles é uma propriedade privada alugada. E ainda assim o preço do aluguel é acessível.
E quanto ao Airbnb?
E não é que não haja investimentos ou aluguéis por temporada. Na verdade, a cidade introduziu uma lei para limitá-los. “Desde junho deste ano, os aluguéis de curto prazo em Viena estão limitados a um máximo de 90 dias por ano.”
“Basicamente, isso é voltar à ideia mais ou menos original do Airbnb, em que você diz: ‘Bem, estou de férias nas próximas duas semanas, então vou sublocar meu apartamento para outra pessoa’. Isso é visto como um uso mais eficiente do parque habitacional”, afirma.
Banabak adverte que, como a cidade está crescendo a um ritmo muito alto, mas o parque habitacional não, o modelo de Viena também está sob pressão, e ele acredita que vai ser difícil preservar todos esses mecanismos.
Esta impressão é confirmada por Daysel, que nos últimos meses tem ajudado um parente que quer se estabelecer lá.
“Em relação aos apartamentos, está tudo mais difícil porque há muita demanda para pouca oferta. E quando você finalmente consegue agendar para visitar um imóvel, você chega lá e tem mais 20 pessoas. Isso não acontecia antes.”
“Viena é maravilhosa. Tem um equilíbrio que eu adoro”, diz Jorge.
Tribuna Livre, com informações da BBC News.