Oitiva do empresário, uma das mais esperadas pela comissão, é marcada por tumulto e não extrai as respostas esperadas pelo colegiado. Parlamentares classificam depoimento do investigado de evasivo e repleto de mentiras
O depoimento de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, mobilizou, nesta quinta-feira, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga fraudes na Previdência Social, mas não trouxe respostas esperadas. O empresário negou envolvimento direto em esquemas de desvio de recursos, mesmo sendo contestado pelas principais lideranças do colegiado. O presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), e o relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), reagiram duramente às falas de Antunes, apontando contradições e mentiras, reforçando a gravidade do caso.
Durante todo o dia, parlamentares tentaram extrair maiores informações sobre a participação de Antunes na fraude, sem sucesso. Com respostas na ponta da língua, o “Careca do INSS” rebateu todos em tom firme e, por vezes, sarcástico, o que causou irritação e até desentendimentos dos parlamentares com o depoente e os advogados dele.
O senador Carlos Viana destacou que o esquema revelado é amplo, estruturado e envolveu mecanismos de fachada para dar aparência de legalidade ao roubo bilionário. “Nós não estamos tratando com amadores. Estamos lidando com pessoas que têm somas bilionárias em contas, escritórios de contabilidade caríssimos e escritórios de advocacia que ajudaram a maquiar todas as operações para dar aparência de legalidade”, afirmou.
Ele enfatizou que os desvios foram usados para a compra de patrimônio de luxo, com operações que não deixam margem de dúvida sobre a origem irregular dos recursos. “O que nós temos são casas pagas à vista, salas comerciais compradas à vista, desvio para compra de aeronaves, cujo dono não se sabe exatamente. Todo esse patrimônio teve destinação incorreta com o que tem sido falado na CPMI”, completou.
Outro ponto levantado por Viana foi a proximidade de Antunes com autoridades. Embora o empresário tenha tentado minimizar suas ligações, o presidente da comissão foi categórico e afirmou que existem provas. “Ele pode negar, mas há fotos e registros de visitas ao Congresso e ao Senado. É um emaranhado de relacionamentos políticos e jurídicos que precisa ser esclarecido”, frisou.
O relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar, classificou o depoimento do “Careca” como mentiroso e disse que suas falas, em vez de afastar suspeitas, apenas confirmam a dimensão do escândalo. “Está aí um depoimento revestido de mentiras. Não bate com os dados da CPMI. Ele está no epicentro do maior roubo aos aposentados e pensionistas do Brasil”, afirmou.
Para Gaspar, Antunes não ocupa a posição de chefe da organização, mas cumpre papel essencial na movimentação do dinheiro. “Esse Careca não é o chefe da organização criminosa. Ele é apenas uma passagem do dinheiro desviado do povo trabalhador brasileiro. Quem são os padrinhos dele é o que a CPMI e a Polícia Federal vão apresentar”, declarou.
Interrupção
Durante a oitiva, o clima foi de tensão e embates duros entre parlamentares e investigado. A sessão chegou a ser suspensa temporariamente. Antes disso, o empresário leu um longo pronunciamento em que alegou perseguição política, desmentiu acusações e defendeu a legalidade de suas atividades.
Ele disse ter colaborado com as autoridades desde o início das investigações, entregando documentos e comparecendo a atos judiciais, além de negar tentativas de obstrução. Classificou sua prisão preventiva como fruto de “premissas equivocadas” e atacou a imprensa, acusando-a de difundir uma “narrativa fantasiosa”.
O “Careca do INSS” também anunciou que não responderia às perguntas do relator, porque, segundo ele, Gaspar já o havia julgado, ao chamá-lo de “ladrão” em outra sessão.
Na sequência, Gaspar disse que o depoimento era histórico, pois os senadores iriam ouvir o “autor do maior roubo da história do Brasil”. Ante as acusações do relator, o advogado do depoente, Cleber Lopes, pediu “pela ordem” e interrompeu a fala do parlamentar. Duarte Jr (PSB-MA), que presidia a sessão na ausência de Carlos Viana, solicitou que o defensor se acalmasse. Os ânimos se agitaram, e a polícia legislativa foi acionada.
O deputado Zé Trovão (PL-SC) se levantou, aproximou-se de Cleber Lopes e, dedo em riste, disse que o advogado não tinha o direito de interromper a sessão. Por precaução e para evitar novos conflitos, a sessão foi suspensa pelo presidente. Minutos após, a reunião foi retomada. Gaspar fez uma série de perguntas ao “Careca”, que não respondeu a nenhuma, como já havia avisado que faria.
OAB Nacional
Em nota, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) condenou o que classificou como “desrespeito às prerrogativas da advocacia ocorrido na CPMI do INSS”.
“O que ocorreu durante a sessão é inaceitável. Não se combate irregularidades atropelando a Constituição. A investigação de contratos legítimos de escritórios de advocacia e a forma como foi tratada a atuação de advogado no exercício da defesa técnica de um convocado afrontam diretamente a lei e os princípios constitucionais”, enfatizou. “Tais práticas não configuram apuração legítima, mas representam violação das prerrogativas da advocacia. A OAB Nacional respeita o Parlamento, mas exige igual respeito às prerrogativas profissionais. O advogado não é cúmplice; é a linha de frente da defesa dos direitos do cidadão.”
O Conselho manifestou solidariedade a Cleber Lopes. “A entidade adotará providências, tanto no campo do diálogo quanto nas instâncias formais cabíveis, para que situações dessa natureza não se repitam”, acrescentou.
Cleber Lopes agradeceu à entidade e às associações da advocacia que se manifestaram. “Eu tive a minha atividade profissional atingida, mas prontamente eu a defendi”, ressaltou. “Quero destacar que incidentes como esse acontecem na vida do advogado cotidianamente, e é preciso que cada advogado tenha coragem para defender sua própria prerrogativa. Como dizia Sobral Pinto, a advocacia não é profissão para covardes”, acrescentou.
Tribuna Livre, com informações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)