15/09/2025

Endereço em Londres que ‘juiz Edward’ deu à polícia é de britânico ‘que não sabe nada do Brasil’

A reportagem foi até o endereço indicado à polícia por José. Na foto, o número da propriedade foi ocultado para preservar a privacidade do morador - (crédito: Mariana Alvim/BBC News Brasil)

A reportagem foi até o endereço que seria de Edward, mas o morador disse não conhecê-lo

Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield. Foi com esse nome que um homem conseguiu se matricular no curso de direito da Universidade de São Paulo (USP), ser aprovado em um concorrido concurso de juiz e assinar sentenças no Tribunal de Justiça de São Paulo por mais de duas décadas.

Mas, de acordo com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), tratava-se de uma personalidade falsa.

A suposta fraude teria sido descoberta quando o juiz, hoje aposentado, tentou tirar em outubro de 2024 uma segunda via de RG com o sobrenome Wickfield numa unidade do Poupatempo na Sé, em São Paulo (SP).

Depois, o sistema acusou que as impressões digitais colhidas estavam ligadas a outra identidade, de um homem com um nome mais comum: José Eduardo Franco dos Reis.

José foi chamado pela Polícia Civil para explicar o que aconteceu.

No seu depoimento, em dezembro de 2024, ele disse que estava tentando renovar o RG para o seu irmão gêmeo — que se chamaria, ele sim, Edward —, que teria sido doado na infância a outra família, britânica.

José disse que o irmão era professor e, depois da aposentadoria, teria voltado para Londres. Não houve qualquer menção à carreira de juiz.

José informou à polícia um telefone e um endereço que seriam do irmão aqui em Londres.

A BBC News Brasil ligou para o número, sem sucesso, e foi até a residência indicada por José, que fica em um bairro de classe média alta na região oeste de Londres.

Depois de algumas tentativas, conseguimos contatar por interfone o morador do apartamento indicado no depoimento de José à polícia.

Com um forte sotaque britânico, o morador disse que não se chama Edward, que ninguém com este nome mora no local e que não sabe nada sobre o Brasil.

O morador não aceitou conversar com a reportagem e pediu para não ser mais incomodado com o assunto.

A reportagem também mostrou a alguns vizinhos uma foto que seria de Edward, mas todos afirmaram nunca tê-lo visto.

A denúncia do MP-SP, de fevereiro, foi aceita pela Justiça em 31 de março — tornando José Eduardo Franco dos Reis réu.

Um suposto irmão gêmeo

À polícia, José Eduardo se apresentou como filho de José dos Reis e Vitalina Franco dos Reis, nascido em 16 de março de 1958, na cidade de Águas da Prata (SP).

Informou ter 66 anos, ser solteiro e trabalhar como artesão.

Em seu depoimento, ele disse que ficou sabendo da existência de um irmão gêmeo apenas após a morte de seu pai. De acordo com ele, foi sua mãe quem revelou que esse irmão teria sido entregue a outra família, britânica.

José Eduardo disse não saber se o irmão foi registrado no Brasil, mas afirmou que teve o primeiro contato com ele no início da década de 1980, quando o suposto irmão veio ao país.

De acordo com seu relato, esse irmão se chama Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.

Denúncia aponta se tratar da mesma pessoa

A denúncia do MP-SP aponta que José criou a figura do Edward como uma segunda personalidade — e mantinha documentação dupla.

Ele teria inserido informações falsas sobre seu nome e seus pais tanto no sistema do Departamento de Trânsito (Detran) quanto no cadastro do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), responsável pela emissão de documentos de identidade no Estado de São Paulo.

As investigações do MP-SP mostram que, em julho de 1973, José Eduardo Franco dos Reis apresentou seu verdadeiro nome ao se registrar na cidade de Águas da Prata (SP).

Na época, ele usou sua certidão de nascimento verdadeira, de 1958, e recebeu um número de identidade legítimo.

Mas, em setembro de 1980, ele teria registrado no IIRGD outro nome: Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.

Junto com esse nome, informou quem seriam seus pais: Richard e Anne Marie Wickfield.

Além disso, apresentou documentos como título de eleitor, carteira de trabalho e documento do Exército, que, segundo a denúncia, eram mais fáceis de falsificar na época porque não tinham tantos elementos para atestar a autenticidade.

O documento do MP-SP destaca que, na época, tampouco existia um sistema eletrônico para cruzar dados e impressões digitais de forma automática.

Assim, José Eduardo teria conseguido um novo RG com nome falso e passou décadas utilizando documentos como Edward — por exemplo, para se matricular na USP nos anos 1980, para ser aprovado como juiz em 1995 e para atividades cotidianas, como comprar um carro.

Enquanto isso, em outras ocasiões, usou documentos com o nome José Eduardo Franco dos Reis — obtendo segunda via do RG em 1993, quando se identificou como vendedor, e em 2022.

Tribuna Livre, com informações da BBC News

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