Linha fina: Repasses via TED somam quase R$ 30 milhões em quatro meses, enquanto licitação milionária segue engavetada e beneficiários do esquema permanecem na sombra
Por Mino Pedrosa
O Brasil parece ter uma vocação para criar caixas-pretas. A mais nova atende pelo nome de Ministério da Educação (MEC) — a pasta que deveria iluminar o futuro com políticas públicas, mas que, nos bastidores, funciona como laboratório de engenharia financeira. Há quase um ano, uma licitação milionária repousa em uma gaveta, trancada a sete chaves. Enquanto isso, milhões de reais escoam em transferências discretas via Termos de Execução Descentralizada (TEDs) com destino ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS). Em maio de 2025, R$ 8 milhões foram repassados oficialmente para custear o ENEM. Em agosto, mais R$ 19,4 milhões foram destinados sob a rubrica genérica de “campanhas aleatórias”. Em apenas quatro meses, quase R$ 30 milhões evaporaram em um milagre da multiplicação da esperteza — mas não da transparência.
O fio da meada leva a Sérgio Flores, veterano da publicidade oficial e conhecido por transformar editais em arenas de conveniência. Flores não só participou da subcomissão que avaliou propostas como, segundo fontes, agiu para garantir que a licitação jamais saísse do papel. Não se trata de coincidência, mas de método: o poder distribuído em cartas marcadas, sempre com os mesmos vencedores. As regras, porém, são claras. Campanhas dessa magnitude deveriam ser coordenadas pela Secom da Presidência e executadas pelo pool oficial de agências credenciadas. Mas a burocracia, lenta para a pressa dos interesses, foi contornada com o uso de TEDs — um “teletransporte” de verbas que dribla a institucionalidade. O resultado é o mesmo de sempre: contratos direcionados, favorecimento de grupos específicos, desvio de finalidade e uma opacidade que corrói a credibilidade do sistema.
As perguntas se acumulam sem resposta: por que a licitação permanece engavetada? Qual foi o destino real dos R$ 28,4 milhões já repassados? Quem lucra com esse apagão de transparência? Até agora, o MEC se limita ao silêncio, enquanto os cofres públicos sustentam um jogo subterrâneo. Nos corredores, o maestro da engrenagem é conhecido: “Duda”, amigo pessoal do ministro e dono da EBM Quinto. Relatos apontam que ele costurava acordos como quem organiza um carteado, distribuindo prêmios e fatias do bolo. Mas a festa começou a azedar. Os arranjos secretos vazaram, e o que era tratado como acordo de cavalheiros virou corrida pela sobrevivência.
O MEC, que deveria ser motor de sonhos e oportunidades, surge como engrenagem de um esquema que mina a confiança e drena recursos públicos. Não é apenas dinheiro que desaparece: é a transparência que evapora, é a democracia que se perde. O caso MEC–MDS reúne todos os ingredientes da velha política vestida de modernidade: sigilo, manobras orçamentárias, favorecimento de aliados e amigos do poder. É mais uma prova de que o Brasil não precisa inventar novas narrativas de ficção. A realidade já se parece com um roteiro pronto para série de streaming — e dos mais sombrios.
Correio de Santa Maria, com informações de Fatos On-Line