05/10/2025

Falta de acordo mantém a BR-319 no abandono

Trecho de 400km da rodovia, que fica praticamente intransitável no período chuvoso, é o principal fator de discórdia para obras na BR-319 - (crédito: Redes sociais)

Pavimentação da rodovia que liga Manaus a Porto Velho opõe defensores do meio ambiente e políticos e empresários. Enquanto não se chega a uma solução, quem precisa utilizar a estrada amarga o prejuízo

A pavimentação da BR-319, que se estende por 918km da Floresta Amazônica entre Manaus e Porto Velho (RO), tornou-se um dos maiores impasses nacionais, pois, ao mesmo tempo em que é fundamental ao desenvolvimento regional, causa forte impacto no meio ambiente. A segurança e a fiscalização da rodovia, que tem sido historicamente negligenciada, são os pontos cruciais nesse debate.

A rodovia, inaugurada em 1976, foi abandonada em 1988 por falta de manutenção, tornando-se praticamente intransitável em períodos chuvosos. Ao longo dos anos, a precariedade da infraestrutura e a baixa presença do Poder Público na região transformaram a BR-319 em um corredor para o crescimento exponencial de crimes, como tráfico, garimpo ilegal e contrabando, impulsionados pelo desenvolvimento das cidades que se formaram ao longo da estrada.

O Tribunal de Contas da União (TCU) já alertava, em auditoria de 2020, que o fortalecimento institucional era crucial, pois a ausência de fiscalização era a “principal dificuldade para coibir ilícitos ambientais”. Iniciativas anteriores, como o Comitê Gestor da BR-319 (2009-2011), que contava com a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram extintas sem uma avaliação conclusiva de suas medidas.

A situação da PRF no Amazonas facilita a criminalidade na rodovia e reforça o abandono. A regional conta com apenas 106 policiais, contingente definido pelo Grupo de Trabalho da BR-319, do Ministério dos Transportes, como “flagrantemente insuficiente para atender às crescentes demandas regionais” e que sofre com “alta rotatividade” em locais como Humaitá (AM) devido à falta de incentivos, como a “indenização de fronteira” — adicional salarial pago ao agente que é lotado, temporariamente, em regiões fronteiriças ou isoladas do país.

A precariedade da infraestrutura rodoviária – com cerca de 400km sem asfalto e mais de 50 pontes de madeira – limita a capacidade operacional da Polícia Rodoviária. Apesar dessas adversidades, a PRF, em resposta a um ofício apresentado via Sistema Eletrônico de Informação (SEI), de autoria do deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) — ao qual o Correio teve acesso —, assegurou que há uma “presença efetiva”. O resultado disso é o registro de 37 crimes ambientais, entre janeiro de 2024 e abril de 2025, incluindo apreensões de madeira ilegal, pescado irregular, cocaína e maconha.

Planos de expansão incluem três novas Unidades Operacionais e uma delegacia da PRF em Humaitá, cujo contrato para ser erguida está assinado, segundo a corporação. A PF, por sua vez, criou a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente (Damaz) e planeja um posto de monitoramento de alta tecnologia em Humaitá.

A BR-319 foi tema de embate político este ano, especialmente depois da aprovação do então Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, no plenário do Senado Federal, em maio. Na Comissão de Infraestrutura da Casa, o senador Omar Aziz (PSD-AM) defendeu a urgência da pavimentação.

“Essa obra que a gente tanto pede, já fez tantos apelos e que tem um compromisso de o presidente Lula de fazer… [A rodovia] vai ser asfaltada agora. Pela nova lei, elas [estradas] podem ser asfaltadas sem precisar de licenciamento nenhum”, destacou.

Ele questionou, também, a “incompetência em fiscalização” para um trecho de apenas 400km e ressaltou que o isolamento de Manaus, sem a rodovia pavimentada, contribuiu para a crise de oxigênio na pandemia de covid-19, que causou 15 mil mortes na capital amazonense.

Em contrapartida, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enfatizou a preocupação ambiental com a BR-319. Ela destacou que o desmatamento na região amazônica aumentou cerca de 119% “apenas com o anúncio da estrada”.

A ministra insiste na necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica para a BR-319, para planejar e evitar o padrão de destruição ambiental visto em outras rodovias amazônicas. Marina defende que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) atue com base técnica. “Não dificulta nem facilita, cumpre a lei”, observou. E criticou o que chamou de “bode expiatório”, questionando por que a obra não foi feita nos 15 anos em que ela esteve fora do governo, sugerindo “incompetência” de gestões anteriores.

Estado ausente

O deputado Amom Mandel admite a complexidade que envolve a BR-319. Segundo o deputado, “o problema em si não é a existência da BR-319, é a ausência do Estado brasileiro na região”. Para ele, essa ausência vai além da fiscalização policial e engloba a falta de saneamento básico, água potável e medicamentos, criando um vácuo que é preenchido pelo crime organizado.

Mandel defende a flexibilização das regras de uso do Fundo Amazônia para que recursos e equipamentos possam ser utilizados no combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado, atividades que, segundo estudos citados pelo parlamentar, “financiam o desmatamento ilegal e os incêndios florestais na Amazônia”.

A Licença Prévia (LP) 672/22 atesta a viabilidade ambiental da BR-319, mas impõe condicionantes interministeriais rigorosas, como a instalação de três postos de monitoramento/segurança. O Ministério dos Transportes propõe acordos de cooperação técnica, mediados pela Casa Civil, para garantir a efetivação dessas ações, buscando uma “governança interministerial integrada”.

As inovações de engenharia para a rodovia incluem a construção de 500km de cercamento físico para proteger a fauna, a instalação de 172 passagens de fauna — uma a cada 2,35 km, tornando-a a rodovia com mais passagens de fauna no Brasil — e a substituição de pontes de madeira por concreto. Além disso, a implantação de pórticos de fiscalização e barreiras de controle agropecuário já estão em andamento, com a primeira barreira em operação no quilômetro 263 da rodovia.

O relatório do Grupo de Trabalho do Ministério dos Transportes de 2023 frisa que a maior dificuldade é garantir essa governança integrada para monitoramento e fiscalização da região. Propõe que essa governança inclua um Acordo de Cooperação Técnica com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) para monitoramento ambiental por satélite, detecção de ilícitos e apoio a operações de fiscalização. A formalização desse acordo, porém, ainda não ocorreu.

Tribuna Livre, com informações do Tribunal de Contas da União (TCU)

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