Expectativa do Planalto é de avanço na negociação sobre tarifaço, apesar da eventual animosidade de Marco Rubio, interlocutor dos Estados Unidos
Integrantes do governo federal avaliaram como positiva a conversa entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, por telefone, na segunda-feira. A ligação foi vista como o início oficial das negociações, em nível mais alto, entre Brasil e Estados Unidos, já que os canais de comunicação estavam fechados até então. O republicano designou o secretário de Estado, Marco Rubio, como o “ponto focal” das discussões. Apesar de o auxiliar de Trump ser um grande crítico do Brasil e ter acusado o Supremo Tribunal Federal (STF) de censura e perseguição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, a expectativa é de que ele avance na negociação das pautas econômicas e abrande os ataques a autoridades brasileiras, como vem fazendo desde o encontro entre Lula e o presidente americano na Assembleia das Nações Unidas.
Segundo uma fonte do Planalto que estava presente durante a chamada telefônica, Trump citou o café como exemplo de produto que subiu de preço nos EUA por conta das tarifas. De acordo com o índice de preços ao consumidor americano, em agosto, a bebida subiu 21% em relação ao mesmo mês do ano anterior, maior aumento anual desde 1997. Lula pediu que Trump reconsidere as alíquotas de 40% impostas sobre produtos brasileiros e as sanções contra autoridades. Trump, de acordo com o interlocutor, sinalizou de forma genérica que pode rever as sanções.
Partiu de Lula a iniciativa de trocar telefones “pessoais” para criar um canal de comunicação direto com Trump. O presidente brasileiro não tem aparelhos próprios, mas passou o número de um assessor próximo, assim como o republicano. Para o Planalto, foi um gesto importante, embora seja pouco provável que os dois conversem dessa forma. A negociação ocorrerá entre Rubio, o chanceler Mauro Vieira, o vice-presidente Geraldo Alckmin e, possivelmente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que viaja para Washington no fim da semana — ele participa da reunião dos ministros das Finanças do G20, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Houve até um momento de descontração durante a ligação. Lula repetiu o que disse durante coletiva de imprensa em Nova York, horas após o primeiro encontro com Trump, que os dois têm quase a mesma idade, com 79 anos. O petista completa 80 agora em outubro. Em resposta, Trump disse se sentir “com 40 anos de idade”. Lula, por sua vez, riu e concordou que se sente melhor agora do que quando era mais novo.
Haddad comentou, nesta terça-feira, as expectativas positivas para conversas bilaterais com representantes do governo americano, na tentativa de reverter o tarifaço. Em entrevista ao programa Bom dia, ministro, ele ressaltou que vê determinação tanto de Lula quanto de Trump em “virar essa página equivocada”. “Acredito que vai distensionar e abrir espaço para uma conversa franca e produtiva para o Brasil”, frisou.
Entre as possibilidades destacadas pelo ministro, está uma conversa presencial com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, em solo americano. Embora ainda não confirmada, há expectativa de um encontro entre os dois nesta semana. “Devo fazer, até o final da semana, algum movimento para saber da disponibilidade ou interesse, ou se o secretário Marco Rubio vai estabelecer contato com o ministro Mauro Vieira antes disso”, explicou.
O titular da Fazenda disse acreditar em superação do que chamou de “largada equivocada” da relação comercial entre os países e ressaltou que o governo brasileiro não deve mudar o discurso para negociar com a Casa Branca.
“Não vamos mudar a estratégia, porque a estratégia, na minha opinião, está muito certa. Muita gente propôs que o presidente Lula adotasse outra forma de proceder, mas nós estamos tão confiantes nos nossos argumentos que entendemos que eles vão se fazer valer pela diplomacia brasileira, que é das melhores do mundo”, acrescentou.
Alto nível
No Congresso, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão Temporária Externa Brasil-EUA, avaliou que a ligação entre Lula e Trump representa “a retomada do diálogo no mais alto nível” entre os países.
Segundo ele, o contato direto entre os chefes de Estado foi resultado de um esforço do Legislativo e do Itamaraty. “O diálogo no mais alto nível é essencial para destravar as pautas de interesse mútuo. Não se resolve o tarifaço sem abrir um canal direto entre os chefes de Estado”, afirmou o senador ao Correio.
Para Trad, a missão da comissão parlamentar aos Estados Unidos, em julho, foi decisiva para “pavimentar esse caminho”. Ele defende que é hora de “virar a página” e consolidar uma parceria estratégica baseada em mais de dois séculos de laços comerciais e diplomáticos.
Já o senador Izalci Lucas (PL-DF) avaliou que o governo “demorou a adotar uma postura mais responsável nas relações com os Estados Unidos”. “Durante muito tempo, prevaleceu um discurso ideológico, que acabou prejudicando o diálogo e a imagem do Brasil. Quando o presidente Lula finalmente adotou uma atitude mais compatível com a de um estadista, o governo americano se mostrou aberto à conversa e indicou representantes para negociar”, frisou.
Tribuna Livre, com informações da Secom/PR