Levantamento mostra que comissões no Congresso gastaram mais tempo com requerimentos do que analisando projetos relevantes
No país que registrou 44.127 assassinatos no último ano e um aumento de 4,9% no total de desaparecimentos — foram 81,9 mil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 —, as prioridades do Congresso quando o assunto é segurança pública são questionadas por especialistas. Um levantamento do Instituto Sou da Paz mostrou que a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara passou apenas 25,13% do tempo em 2023 e em 2024 analisando projetos de lei. O foco maior foi na apresentação e análise de requerimentos, com 67,22% do tempo.
A maior parte desses requerimentos (52,49%) foram moções de aplauso e louvor a autoridades ou a integrantes das forças de segurança e também de repúdio. No Senado, a situação é parecida, embora o tempo empregado para apreciar projetos de lei tenha sido maior: os senadores da Comissão de Segurança Pública passaram 48,9% do tempo apreciando projetos de lei e outros 47,45% apresentando ou apreciando requerimentos.
Outro dado levantado pelo Sou da Paz demonstra não só a falta de qualidade da produção legislativa na comissão da Câmara como, também, a falta de interesse da Casa em fazer avançar os projetos: apenas 7% das propostas aprovadas pelo colegiado no biênio foram para o Senado.
Na avaliação de Natália Pollachi, diretora de projetos do Sou da Paz, o Congresso tem pouca disposição para fazer debates aprofundados e efetivos sobre políticas na área de segurança pública. A maioria dos parlamentares que abraça a pauta, segundo ela, têm perfil, em geral, em defesa da flexibilização do acesso às armas e do aumento de penas.
“A prioridade tem sido a defesa do maior acesso às armas e o endurecimento penal. E neste último biênio, chamou muito a atenção a deterioração da qualidade do debate. Tivemos mais requerimentos do que apreciação de projetos de lei. A maioria desses requerimentos é moção de aplauso. Estamos bem preocupados com a qualidade dessa produção legislativa”, lamentou.
Na comissão da Câmara, os cargos-chave são ocupados por deputados que vieram das polícias civil, militar ou das Forças Armadas. E tem sido assim também nas legislaturas anteriores. Em julho de 2025, dos 37 deputados titulares na comissão, ao menos 17 usam, em seus nomes de deputados, alcunhas que remetem à sua atuação nas forças de segurança ou nas Forças Armadas — “capitão”, “cabo”, “delegado”, “sargento” ou “general”.
Para David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as políticas públicas discutidas pelo Congresso têm sido pouco efetivas. Cita, por exemplo, a ausência de projetos que ajudem a reduzir a letalidade policial e, também, combata efetivamente o crescimento de organizações criminosas.
“Existem nas Casas Legislativas e no Executivo algumas partes que não têm interesse em fazer avançar agendas de fortalecimento da investigação criminal, do fortalecimento ao combate à lavagem de dinheiro, porque essas conexões (entre o poder e o crime organizado) apareceriam de uma forma mais frequente e, assim, seria possível fazer a ‘higienização’ do nosso sistema político, das nossas diversas áreas da economia com relação à crescente influência do crime organizado”, acusou Marques.
Se a prioridade de grande parte dos parlamentares é aprovar pautas de interesse das forças de segurança, por outro lado, a linha de frente contra a criminalidade tem enfrentado desafios para sobreviver. Os números do Anuário da Segurança Pública de 2025, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostraram que ao longo do último ano, a principal causa de morte de policiais de folga (civis e militares) foi o suicídio. Foram 126 no período analisado, contra 126 assassinados de a folga. As mortes durante o trabalho foram 46.
O deputado Alberto Fraga (PL-DF), que faz parte da Comissão de Segurança Pública da Câmara, diz que os números refletem um desprestígio do Estado junto aos policiais. Fraga defendeu o colegiado, mas disse que grande parte da produção legislativa na Casa esbarra no Senado, inclusive as propostas cujo objetivo é o de melhorar as vidas dos profissionais.
Segundo o Anuário, policiais foram responsáveis pelas mortes de 60.394 pessoas de 2014 a 2024, sendo que 6.243 foram só no último ano. Nos últimos 12 meses, os policiais foram responsáveis por 14% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) do país.
O Anuário classifica a letalidade policial como um “fenômeno seletivo”, com predominância de vítimas do sexo masculino (99,2%) e com idade entre 18 e 24 anos. O perfil por raça ou cor é o mesmo dos anos anteriores: negros foram os que mais morreram por intervenções policiais no último ano, representando 82% das vítimas da letalidade policial.
Tribuna Livre, com informações do Instituto Sou da Paz