23/12/2024

Método de Moraes ganha força e amplia discussão sobre limites jurídicos

 Paradoxo: decisões do magistrado são necessárias para proteger a democracia ou são exageradas e criam precedentes perigosos para situações futuras?

MATHEUS TEIXEIRA – Folhapress

 

Alexandre de Moraes também é o presidente do TSE(foto:
Pedro Ladeira/Folhapress)

A reação do ministro Alexandre de Moraes à invasão e ao
vandalismo nas sedes dos três Poderes no dia 8 levantou mais debates sobre os
limites da atuação do integrante do STF (Supremo Tribunal Federal).

O tema gera divergências entre especialistas sobre um paradoxo
que cerca as decisões do magistrado: elas são necessárias para proteger a
democracia ou são exageradas e criam precedentes perigosos para situações
futuras?

Dentro do Supremo, a resposta majoritária é a primeira
opção.

Em um dos mais recentes episódios, assim como em outros
casos, a corte referendou a ordem judicial inédita do ministro de determinar de
ofício, ou seja, sem provocação de órgãos de investigação ou parlamentares, o
afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Os questionamentos envolvendo a atuação de Moraes incluem
a concentração de casos em suas mãos, atropelo da PGR (Procuradoria-Geral da
República), decisões de ofício (sem provocação), censura, veto ou demora para
dar acesso aos autos por parte da defesa de investigados, uso excessivo de
prisões em vez de medidas cautelares diversas, entre outros pontos.

Na última semana, em decisão incomum, ele mandou juízes
de primeira instância realizarem audiência de custódia com cerca de 800 presos
após os atos de vandalismo, mas não deu a eles o poder de definir o destino das
pessoas que foram detidas.

O magistrado afirmou que apenas ele mesmo poderia decidir
se eles deveriam ser soltos ou mantidos na prisão.

Outro ponto das decisões expedidas após os atos de
domingo que têm potencial para gerar discussão é o enquadramento dos vândalos
como terroristas. Moraes citou que há “indícios de materialidade e
autoria” do crime de terrorismo. A legislação menciona, porém, que esse
delito se caracteriza apenas em casos de “xenofobia, discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia e religião”.

Advogado criminalista e mestre em direito criminal, Ruiz
Ritter diz que atentados contra a democracia demandam a devida
responsabilização, mas pondera que isso não pode ser feito com atropelos às
regras do devido processo legal.

“Prisões cautelares sem estrita necessidade, nos
termos da lei, são práticas ilegais graves e que fragilizam a própria
democracia no longo prazo, diante da perda de confiança da sociedade na correta
administração da Justiça. O mesmo se pode dizer de atuações judiciais de ofício
em investigações”, afirma.

O professor e doutor em direito constitucional Ademar
Borges diz que a gravidade e os “riscos antidemocráticos envolvidos”
justificam “medidas enérgicas”.

“É bastante conhecida na literatura jurídica a ideia
de que os tribunais constitucionais são especialmente vocacionados para a
adoção de medidas típicas de democracia militante ou combativa.”

E completa: “Não por acaso, a concentração dessa
competência no STF foi determinante para o sucesso das medidas de democracia
combativa no campo penal até agora”.

O professor da FGV Direito Rio Thomaz Pereira afirma que,
caso a PGR denuncie os envolvidos na invasão, a discussão sobre a tipificação
do crime de terrorismo despertará um debate interessante.

Pereira cita a possibilidade de o Supremo entender que o
fato de os vândalos terem agido para causar terror seja suficiente para
caracterizar o crime de terrorismo.

“Se fizer, vão ter pessoas que vão criticar por
conta da importância da proteção, de interpretar tipos penais de maneira
estrita.”

Algumas das decisões de Moraes também foram consideradas
censura por alguns professores de direito. Entre elas, a que mandou bloquear em
definitivo em 2022 a conta do PCO (Partido da Causa Operária). O perfil da
sigla de esquerda havia se referido ao ministro como “skinhead de
toga”.

Nos últimos dias, o jornalista americano Glenn Greenwald
mostrou que Moraes deu ordem para redes bloquearem perfis, mas pedindo para que
os alvos não fossem avisados –ou seja, também não puderam se defender.

Em postagem na qual listava o bloqueio, entre outros, do
influenciador Monark e do deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), o
jornalista disse neste domingo (15) que suas objeções a Moraes vão muito além
da liberdade de expressão”.

“Acho perigoso que um juiz tenha tanto poder:
iniciar suas próprias acusações e depois declarar os acusados culpados sem
julgamento ou aviso.”

O chamado inquérito das fakes news está na origem das
polêmicas decisões do ministro que fazem interpretação expansiva de leis e da
Constituição.

O então presidente do STF, Dias Toffoli, determinou em
2019 a instauração da apuração sem provocação da PGR e escolheu Moraes como
relator, sem a realização de sorteio, como ocorre em inquéritos abertos na
corte.

Na época, a medida sofreu grande resistência no meio
jurídico e dentro do próprio STF. Prova disso é que Toffoli só submeteu a
decisão ao plenário da corte mais de um ano depois, em 2020.

Àquela altura, o cenário havia mudado. A ampliação dos
ataques contra os magistrados pela militância bolsonarista e pelo então
presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou o humor dos ministros. Parte deles
inicialmente era crítica ao inquérito, mas depois se tornou favorável por ver
na atuação de Moraes um meio para proteger a instituição.

O julgamento representou o primeiro respaldo do conjunto
da corte à atuação do ministro. A necessidade de proteger o STF e seus
integrantes da militância bolsonarista e das ameaças em redes sociais superou a
avaliação crítica.

Pesou na decisão também o comportamento do
procurador-geral, Augusto Aras. A avaliação interna na corte é que o chefe da
Procuradoria foi omisso em relação aos ataques ao STF, o que forçou o tribunal
a adotar medidas incomuns para garantir proteção.

A corte lançou mão de uma interpretação extensiva do
regimento interno que prevê a abertura de inquérito de ofício quando ocorrer um
crime nas dependências do tribunal para decidir que ameaças contra ministros na
internet também autorizam a instauração de investigação sem prévia provocação
da PGR.

Nos bastidores, os ministros afirmam que os atos de
vandalismo acabaram por respaldar ainda mais o inquérito das fake news, uma vez
que agora houve de fato o cometimento de crime na sede do STF, como prevê o
regimento.

Outra decisão de Moraes respaldada pela maioria do
tribunal e que se tornou alvo de críticas pela forma como ocorreu foi a prisão
do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), em 2021. O ministro justificou o
flagrante pelo fato de as ofensas a integrantes do STF terem sido
disponibilizadas na internet pelo deputado.

Outra ordem controversa do ministro foi a que autorizou
buscas contra empresários bolsonaristas. Moraes atendeu a pedido da PF que
tinha como base somente reportagem sobre conversas de teor golpista, sem
diligência preliminar para subsidiar o pedido.

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