Ministro é relator do recurso do ex-presidente contra a inelegibilidade; juristas contestam possibilidade de levar caso.
A mudança do ministro Luiz Fux da Primeira para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) traz uma mudança no perfil dos dois grupos e pode alterar o caminho de um julgamento importante na política brasileira: a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL).
O perfil das duas turmas é o primeiro ponto avaliado pelos juristas. A Primeira Turma é composta por magistrados mais punitivistas e rigorosos nos julgamentos: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Além deles, o grupo tem também Flávio Dino que, na avaliação de juristas ouvidos pelo Brasil de Fato, tem tido uma postura mais dura em matérias criminais.
Reflexo disso é o apelido que a Turma ganhou no universo do judiciário: “Câmara de gás”. Levantamento divulgado pelo advogado criminalista e pesquisador David Metzker indica que o grupo concedeu três vezes menos habeas corpus em relação a outros ministros do STF. Foram 1,58% de habeas corpus concedidos em relação ao total de julgamentos analisados. Já na Segunda Turma foram 5,26%.
Os quatro ministros destoavam de Luiz Fux que sempre adotou uma postura considerada “garantista”, que tem como prioridade a proteção dos direitos dos cidadãos e a limitação do punitivismo do Estado. A tendência é que a migração de Fux para a Segunda Turma fortaleça o perfil menos punitivista do grupo, que tem hoje os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques com votos menos punitivistas.
Outro ministro com perfil “garantista” na Segunda Turma é Gilmar Mendes, que costuma ter votos defendendo a ampla defesa e o direito ao contraditório, garantindo que o Estado não exerça seu poder de forma arbitrária.
A diferença entre o perfil das duas turmas é um dos motivos levantados para a troca. Ter um afinamento jurídico com outros magistrados é algo que Fux vai encontrar na Segunda Turma. Nas últimas votações, especialmente nos julgamentos relativos ao 8 de Janeiro, a Primeira Turma formou maioria contra as decisões do ministro, mas teve posições contrárias de Fux.
O caso mais emblemático foi a condenação de Bolsonaro. Somente Fux votou pela absolvição do ex-presidente. O caso também levou a discussões e provocações durante votações envolvendo Bolsonaro. A divergência entre os ministros se deu desde o julgamento dos envolvidos na invasão dos prédios da Praça dos Três Poderes, em 8 de Janeiro. Fux se mostrou mais favorável à não punição dos golpistas por entender que não houve uma “tentativa de golpe”.
A postura gerou estresse e discussões na Primeira Turma, o que levou muitos analistas a indicarem que a saída de Fux se deu por um “desgaste” com seus colegas.
O alinhamento jurídico seria uma forma de Fux ter diálogo maior com seus pares em julgamentos importantes.
Já no caso dos julgamentos que envolvam Bolsonaro, a tendência é de um alinhamento maior especialmente com os dois magistrados indicados pelo ex-presidente: André Mendonça e Nunes Marques.
O perfil de Fux em relação aos julgamentos mudou depois de 8 de Janeiro. Para o advogado constitucionalista Eduardo Ubaldo, o ministro acabou tendo uma mudança na postura que faz com que os votos do magistrado sejam “irreconhecíveis” nos casos envolvendo bolsonaristas.
“A ida do Fux deixa a segunda turma mais garantista, mas ele deu um cavalo de pau nas próprias lógicas das decisões. Se tirar o nome do voto do Fux sobre o Bolsonaro, por exemplo, você não consegue dizer que foi o Fux que fez. Então houve essa mudança de rota do próprio ministro ao longo dos últimos anos”, afirmou ao Brasil de Fato.
Bolsonaro inelegível
A aproximação de Fux com decisões favoráveis ao bolsonarismo também é algo que chama atenção na mudança. Mas um caso específico estará no foco nos próximos meses. O magistrado é relator de um recurso apresentado por Bolsonaro contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível.
Juristas, no entanto, questionam como isso pode ser feito. O ex-presidente foi condenado a ficar oito anos inelegível por atacar, sem provas, o sistema eleitoral brasileiro durante uma reunião com embaixadores no Palácio do Alvorada em 2023.
O ex-presidente pediu um recurso que foi destinado a Cristiano Zanin. Ele, no entanto, afirmou estar inapto para relatar o caso e o caso foi para Fux. Por um acordo interno do Supremo, os magistrados podem levar os casos em que são relatores para outras turmas, desde que os julgamentos não tenham começado. Como a inelegibilidade de Bolsonaro já teve a manifestação de Zanin, a decisão sobre passar ou não o julgamento para a Segunda Turma será do presidente Edson Fachin.
Para o professor de direito constitucional Henderson Fürst, essa decisão poderia ser uma vitória em um primeiro momento, mas, pela composição da Corte, pode ser que haja um julgamento de Bolsonaro no próprio plenário do STF.
“Primeiro precisa discutir se ele pode levar esses acervos. A Primeira Turma já se manifestou sobre isso, como o caso do Zanin. Hipoteticamente falando seria um cenário de 3 a 2 a favor de Bolsonaro com os votos de Mendonça e Marques. Mas isso tem um precedente do STF que permite que essa decisão vá a um colégio maior, para o plenário. O Fachin vai decidir se leva ou não”, disse ao Brasil de Fato.
Por ser relator do caso, há a expectativa de que Fux guarde o recurso até um contexto pré-eleitoral para, aí sim, retomar o julgamento em um outro momento. Juristas indicam que isso poderia ser usado politicamente pela própria defesa de Bolsonaro, que poderia entrar com uma liminar durante as convenções partidárias para exigir a retomada do recurso feito pelo ex-presidente.
As duas Turmas
A Primeira e a Segunda Turma não têm diferença dentro da hierarquia do STF. Elas foram criadas para agilizar os processos no Supremo. Para se ter uma ideia, só em 2024, o STF julgou 7.714 processos, sendo 82 presencialmente. O número faz com que a Corte seja uma das que mais julga casos no mundo.
Para isso, a divisão entre turmas otimiza os trabalhos. Eles não têm especificações e podem julgar qualquer caso.
A troca de turma também não é algo incomum. A ministra Cármen Lúcia pediu em 2021 para se transferir da Segunda para a Primeira Turma. Já o ministro Dias Toffoli fez o caminho contrário em 2021.
Tribuna Livre, com informações do Portal Brasil de Fato










