23/11/2025

No embalo da COP30, ribeirinhos fazem planos para o turismo

Moradores da Ilha do Combu querem apresentar tradições ao mundo, resistindo como podem às seduções da gentrificação Imagem: Thiago Melo/DW

No fundo do quintal onde Prazeres dos Santos cresceu, a sumaúma de aproximadamente 400 anos é um tesouro guardado para quem visita a Ilha do Combu.

A árvore símbolo da Amazônia é uma das poucas centenárias sobreviventes naquela porção de terra de 15 quilômetros quadrados, acumulada ao longo de milênios por sedimentos carregados pelo rio Guamá.

A paisagem está separada por apenas 1,5 quilômetro da urbana Belém, capital do Pará. É de lá que dona Prazeres aguarda o boom de turistas nos próximos meses: são os participantes da Conferência do Clima, a COP30.

Com tantas propostas vindas de fora para que os moradores da ilha se adaptem ao fluxo extra, ela tenta manter as velhas regras. “A gente não quer que as pessoas venham para cá e nos atropelem. A gente quer que elas nos visitem, entendam como vivemos, entendam esse modo de vida, valorizem nossa cultura e permitam que a gente permaneça neste território”, diz ao pé da sumaúma.

As quatro comunidades da Ilha do Combu, cortadas por igarapés e onde o transporte só é de barco, preservaram a tradição ribeirinha e agora querem apresentá-la ao mundo, resistindo como podem às seduções da gentrificação.

“Aqui existe uma população local que quer preservar suas culturas, manter seus costumes, que precisa ser respeitada, valorizada, entendida”, diz dona Prazeres.

Ela é uma das fundadoras do Comitê de Turismo Sustentável local, formado para discutir o que querem manter e o que desejam mudar. Eles tentam ser vistos neste momento em que o mundo se reúne na Amazônia para negociar um futuro com clima mais equilibrado.

De desmatador a guardião da mata

A sumaúma emblemática, de mais de 50 metros, passou incólume pelo passado de Charles Teles. Muitas outras árvores tombaram pelas mãos dele, que já foi conhecido como o maior operador de motosserra da ilha, que dizia estar sempre assombrado pelo medo de enlouquecer com o barulho que acompanhava o corte. Até que um pedaço de madeira serrada mudou para sempre os rumos da vida dele.

“Eu via que a floresta estava indo embora, que eu estava perdendo minha saúde. Que exemplo estava dando para meus filhos? Eu sentia vontade de mudar”, conta Teles às margens do igarapé Piriquitaquara, onde mora com a família.

A tábua bonita cortada por ele causou admiração numa visitante, que o convidou para participar de uma feira de artesanato promovida pelo Sebrae. A oportunidade fez com que Teles deixasse de desmatar e levasse a família a cuidar da Amazônia viva.

No espaço onde vivem, eles recebem turistas interessados em conhecer as tradições ribeirinhas, caminhar na mata, tomar um banho de cheiro com ervas colhidas ali mesmo.

“A gente conta que na floresta existem pessoas que têm histórias muito bonitas, que são acolhedoras. A gente sente que eles levam saudade daqui e querem voltar”, conta Teles sobre o turismo de base comunitária que oferece no Combu.

Iracema Nascimento, nascida na ilha, trabalha ao lado do marido no resgate e preservação da cultura local. Ela diz que o número de visitantes aumentou bastante nos meses anteriores à COP, e espera que o debate diplomático de novembro traga efeitos práticos na vida deles também.

“A gente está sentindo na pele o que está acontecendo. A mudança climática mexeu com tudo e a gente está se reinventando para poder trabalhar. As frutas davam numa época, agora mudou tudo: a safra do açaí, a do cacau…”, conta Nascimento.

Vendas até o limite da natureza

As alterações no padrão das chuvas e a seca por dois anos seguidos quase arruinaram os negócios da Associação das Mulheres Extrativistas do Combu. Organizado desde 2019 em torno da andiroba colhida na floresta, o grupo sofreu em 2024 pela falta de sementes. O estoque guardado de coletas passadas salvou a produção.

Quase todas as 14 associadas têm parentesco com dona Geralda Costa, pioneira na extração artesanal do óleo da andiroba. Aos 92 anos, ela se orgulha de ver a tradição resgatada pelas mulheres que se unem não só pelo trabalho, mas que se apoiam, trocam experiências e vivem para além do lar.

“Há tanto tempo eu fazia esse trabalho, mas não tinha essa movimentação que tem agora”, diz, na sede da associação construída no terreno doado por ela. “Antes ninguém dava valor para a andiroba. A gente juntava muito, vendia por pouco, em caixas. Hoje em dia ela tem valor”, relembra a pioneira.

As mulheres coletam a semente, cozinham, deixam fermentar, veem o óleo escorrer. Parte do processo da retirada do óleo, que dura dois meses, acontece num quarto secreto. Segundo a tradição passada adiante por dona Geralda, se uma pessoa não autorizada tentar espiar o que acontece lá dentro, o óleo para de escorrer e a produção é perdida.

Todas demonstram orgulho do processo artesanal, vendem para outros estados, mas são cautelosas com as encomendas. “Trabalhamos com responsabilidade, não podemos vender mais do que a natureza pode oferecer”, explica a cooperada Dayse Soares.

Os ganhos ajudam na melhoria de vida, mas ainda não bastam para que vivam só dessa atividade. O sonho da associação, diz Soares, neta de dona Geralda, é poder oferecer a todas um salário digno.

Para além da COP

O restaurante de dona Prazeres, aberto para o almoço a partir de quinta, deve funcionar todos os dias durante a COP. Parte do gás que usa para cozinhar é produzido ali mesmo, num biodigestor abastecido com resíduos orgânicos, como cascas e restos de comida. Garrafas descartáveis foram banidas, as bebidas são servidas em copos reutilizáveis. Com isso, a economia de lixo foi de mais de 5 mil garrafas até agora.

“Queremos fazer parte do progresso, ter nossos direitos garantidos, ter dentro da floresta o conforto que as pessoas têm na cidade, saneamento básico, água potável e até um ar condicionado se for preciso”, diz dona Prazeres, lembrando que Belém é uma das cidades onde a temperatura mais subiu no país.

Para além do burburinho trazido pela COP, Ana de Sá, uma das fundadoras do comitê, ajuda a organizar a ilha em torno de um desenvolvimento sustentável de verdade, com o território protegido, saber tradicional e cultura respeitados, lixo zero.

“Queremos que todo o investimento que se faça dentro da ilha respeite o progresso consciente, traga saneamento básico, água potável”, diz, lembrando que os moradores compram galões de 20 litros de água para cozinhar a um custo de 12 reais.

“Não queremos ser vistos só como um cenário, mas como um lugar de soluções. Onde os turistas possam continuar vindo, visitando, mas sempre compreendendo e respeitando as pessoas”, afirma de Sá.

Tribuna Livre, com informações do Ecoa/UOL

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