Investigação envolve suspeitas de desvio de recursos no período em que o chefe das Comunicações era deputado; ele nega irregularidades
Nove meses após a Polícia Federal indiciar o ministro Juscelino Filho (Comunicações), a Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda analisa se vai apresentar uma acusação contra o titular da pasta pelas suspeitas de desvio de emendas no período em que ele era deputado. O caso é acompanhado de perto pelo governo e poderá levar à demissão do titular da pasta, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A expectativa na PGR é que a conclusão da investigação ocorra neste semestre, com a decisão de apresentar ou não uma denúncia. Interlocutores do procurador-geral da República, Paulo Gonet, argumentam que os últimos meses foram dedicados à apuração sobre a trama golpista, o que resultou no pedido de abertura de uma ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas.
Juscelino foi indiciado em junho do ano passado pela Polícia Federal. A avaliação entre aliados do governo é que uma eventual denúncia poderia forçar Lula a demitir Juscelino para evitar mais um foco de desgaste. Em declarações no ano passado, o petista defendeu o direito do auxiliar “provar que é inocente”, mas disse que ele perderá o cargo caso as investigações avancem.
— O que eu disse para ele: só você sabe a verdade. Se o procurador indiciar (denunciar) você, você sabe que tem que mudar de posição. Enquanto não houver indiciamento (denúncia), ele fica como ministro. Se houver indiciamento (denúncia), ele será afastado — afirmou o presidente duas semanas após a PF apresentar o relatório apontando os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
O inquérito da PF apontou o envolvimento de Juscelino no desvio de recursos de emendas parlamentares para pavimentação de ruas de Vitorino Freire, no interior do Maranhão. A cidade era comandada por sua irmã, Luanna Rezende, até o ano passado.
A defesa de Juscelino nega irregularidades e afirma que o papel do então deputado foi o de indicar as emendas parlamentares, sem ingerência sobre a contratação e a execução da obra. “Essa suposta demonstração da participação do peticionário (Juscelino) no esquema criminoso não corresponde ao conteúdo do relatório policial, que se limitou a identificar emendas destinadas pelo peticionário enquanto parlamentar”, argumentam os defensores do ministro ao pedir o trancamento de inquérito no STF. Ele também criticou as concluões da PF e, em nota, disse que a investigação “parece ter se desviado de seu propósito original”, além de repetir métodos da Lava-Jato.
Na época do indiciamento, Luanna Rezende também negou irregularidaes e afirmou que a obra de pavimentação “foi realizada conforme os procedimentos administrativos e legais vigentes à época”. “A única contribuição do então deputado federal Juscelino Filho foi a indicação de suas emendas, nada mais, portanto, a afirmação de que Juscelino tinha controle sobre as licitações é completamente falsa”, disse, em nota.
No STF, onde a investigação tramita pelo fato de Juscelino ser detentor de foro especial, a avaliação nos bastidores é que o caso é robusto e a Polícia Federal coletou farto material probatório. O relator do caso na Corte é o ministro Flávio Dino, que herdou o processo após o antigo responsável, ministro Luís Roberto Barroso, assumir a presidência do tribunal.
Juscelino era de um grupo político adversário no período em que Dino governou o Maranhão, de 2015 a 2022. Os dois, contudo, se tornaram colegas de Esplanada na gestão de Lula, em que o atual magistrado ocupou o cargo de ministro da Justiça.
Quando o relatório da PF pedindo o indiciamento de Juscelino chegou ao STF, no ano passado, Dino foi o responsável por encaminhar a investigação para a PGR dois dias depois. Em caso de denúncia, caberá também ao magistrado dizer se concorda ou se avaliza eventual pedido de arquivamento.
O que diz a PF
No relatório no qual indicia o ministro das Comunicações, a PF aponta que ele possuía o “controle de licitações” que beneficiaram um empresário aliado. Em documento enviado ao STF, os investigadores apontaram influência de Juscelino em processos de contratação para obras com recursos públicos em Vitorino Freire.
De acordo com a PF, as supostas fraudes na licitação serviram para favorecer a empresa Construservice, que tinha o empresário Eduardo José Barros Costa, mais conhecido como “Eduardo DP”, como sócio oculto. Um dos exemplos citados no relatório final da investigação é a inserção de “cláusulas restritivas de competição que contaram com a participação de Juscelino Filho”. Procurada, a defesa de Costa não se manifestou.
Mensagens do empresário trocadas com o hoje ministro no período entre 2017 e 2020, quando Juscelino era deputado federal, tratavam sobre a destinação de emendas e execução de obras. “Demonstrou que Juscelino Filho tinha o controle das licitações que envolviam as empresas do Eduardo DP”, diz o relatório.
Ainda segundo a PF, as mensagens também mostram que Juscelino e Eduardo DP discutiram a “montagem” de uma licitação, mesmo “modus operandi” que, de acordo com investigação, teria sido empregado em outras concorrências. “As conversas angariadas do núcleo empresarial indicam que Juscelino Filho mantinha contato espúrio com Eduardo DP acerca das licitações provenientes de verbas encaminhadas pelo parlamentar”, diz trecho do documento apresentado ao STF.
Em outro trecho do relatório, a PF aponta que recursos de emenda parlamentar enviado por Juscelino foram usados para asfaltar uma estrada que beneficia sua própria fazenda. A obra de pavimentação da estrada da fazenda em Vitorino Freire foi orçada em R$ 7,5 milhões. O serviço também foi feito pela Construservice.
Na ocasião, o ministro afirmou que a obra em questão “é um bem do povo de Vitorino Freire e a sua pavimentação, uma demanda antiga da população”. Segundo Juscelino, as emendas indicadas por ele foram repassadas dentro da legalidade e beneficiaram 11 povoados de Vitorino Freire.
“A estrada em questão conecta 11 povoados, onde centenas de pessoas sofrem, diariamente, com grandes desafios para se locomoverem ao trabalho, escolas, hospitais e postos de saúde, especialmente durante períodos chuvosos, quando a via se torna intransitável, isolando essa população”, afirmou ele.
Tribuna Livre, com informações da Agência Globo