Reportagem apontou que Thomas aceitou convites de férias pagas
por magnata
BBC Geral
(crédito: Getty Images)
O juiz da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas disse
acreditar que as viagens de luxo feitas com um doador republicano bilionário
seguiram as diretrizes.
Uma reportagem da Agência ProPublica apontou que Thomas
aceitou convites de férias do magnata do mercado imobiliário Harlan Crow quase
todos os anos durante duas décadas.
Os juízes da Suprema Corte são obrigados a registrar
anualmente presentes recebidos por eles. Thomas, no entanto, disse que foi
levado a acreditar que “esse tipo de hospitalidade pessoal” não se
aplicava.
De acordo com a ProPublica, as viagens incluíram várias
no iate de luxo e no avião particular de Crow – além de uma semana, a cada
verão, nas montanhas Adirondack (EUA).
Uma viagem para a Indonésia em 2019 pode ter custado até
US$ 500 mil (R$ 2,5 milhões), de acordo com a agência sem fins lucrativos.
Em uma declaração na sexta-feira (7/4), Thomas disse que
havia buscado “a orientação de colegas e outras pessoas no
judiciário” e foi informado de que “esse tipo de hospitalidade
pessoal de amigos íntimos, que não tinham negócios perante a Corte, era não
reportável”.
“Eu me esforcei para seguir esse conselho durante
todo o meu mandato e sempre procurei cumprir as diretrizes de divulgação”,
acrescentou o comunicado.
Thomas descreveu Crow e sua esposa, Kathy Crow, como
“pessoas que estão entre os nossos amigos mais queridos” e disse que
são “amigos há mais de vinte e cinco anos”.
Virginia Canter, uma ex-advogada de ética do governo que
serviu tanto nas administrações democratas quanto republicanas, disse à BBC
News que não havia indicação de que o juiz Thomas buscava uma opinião formal
sobre o assunto.
“Não há responsabilidade para o tribunal… cada
juiz parece decidir por si mesmo a quem vai pedir conselho e quais regras se
aplicam”, acrescentou a advogada, que falou com a reportagem da
ProPublica.
A BBC News não verificou de forma independente a
reportagem da ProPublica, que procurou contrastar os comentários públicos de
Thomas com detalhes luxuosos das viagens e presentes.
“Prefiro estacionamentos para trailers. Prefiro os
estacionamentos do Walmart às praias e coisas assim”, disse ele em um
documentário sobre sua vida. “Eu venho de uma vida comum e prefiro isso –
prefiro estar perto disso.”
Crow, um importante doador para causas políticas republicanas
e conservadoras nos EUA, disse ao ProPublica que as viagens com Thomas e sua
esposa Ginni Thomas “não foram diferentes da hospitalidade que oferecemos
a muitos outros amigos queridos”.
“O juiz Thomas e Ginni nunca pediram essa
hospitalidade”, disse o comunicado.
A declaração de Crow acrescentou que casos judiciais
“nunca foram discutidos” nas viagens e que ele não tem conhecimento
de quaisquer tentativas de outros convidados “fazendo lobby ou tentando
influenciar o juiz Thomas em qualquer caso”.
“Eu nunca convidaria ninguém que acreditasse ter
qualquer intenção de fazer isso”, disse ele. “São reuniões de
amigos.”
Críticas
Após o relatório da ProPublica, vários legisladores
democratas pediram uma investigação sobre Thomas e um código de conduta mais
rígido para os juízes da Suprema Corte.
“Isso está além do partido ou partidarismo. Esse
grau de corrupção é chocante – quase caricatural”, disse a congressista
democrata de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez, no Twitter. “Thomas deve
sofrer impeachment”.
Nos EUA, um processo de impeachment de um juiz da Suprema
Corte é o mesmo usado para impeachment de outros funcionários e começa com a
redação dos artigos de impeachment pela Câmara dos Deputados.
Embora apenas uma maioria estreita seja necessária para
impugnar um juiz federal na Câmara, uma condenação no Senado exigiria uma
maioria de dois terços. Com a atual composição do Senado, uma condenação é
extremamente improvável.
Thomas é um dos seis juízes conservadores dos nove
membros da Suprema Corte.
Não é a primeira vez que as viagens privadas de Thomas
foram examinadas.
Em 2004, o jornal Los Angeles Times informou que Thomas
havia aceitado presentes e voos em jatos particulares de Crow, incluindo um
busto de Abraham Lincoln de US$ 15 mil (cerca de R$ 75 mil) e uma Bíblia de US$
19 mil (cerca de R$ 96 mil) que pertenceu ao ativista negro americano do século
19 Frederick Douglass.
Thomas se recusou a comentar na época.
No ano passado, o juiz conservador ficou sob os holofotes
depois que foi revelado que sua esposa, Ginni Thomas, instou repetidamente a
equipe da Casa Branca de Trump a anular a eleição presidencial de 2020. Os
críticos disseram que o juiz deveria ter se afastado de casos relacionados a
eleições.
Ginni Thomas disse mais tarde ao comitê do Congresso que
investigava o motim de 6 de janeiro no Capitólio dos Estados Unidos que ela
lamentava “todos aqueles textos”.
O juiz entrou na Suprema Corte depois de uma série de
audiências no Senado em 1991, nas quais rejeitou uma alegação de que havia
assediado sexualmente uma mulher que trabalhava para ele.