No dicionário, a palavra pacificação significa apaziguamento, conciliação, concordância e até mesmo sossego. Mas ganhou recentemente mais um sinônimo: anistia, ao menos para os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos de prisão pelo STF.
No dicionário, a palavra pacificação significa apaziguamento, conciliação, concordância e até mesmo sossego. Mas ganhou recentemente mais um sinônimo: anistia, ao menos para os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos de prisão pelo STF.
A lista é puxada por quatro governadores de direita que adotaram o lema para obter apoio do ex-presidente na eleição de 2026.
O termo é quase onipresente nos discursos de Ronaldo Caiado (União-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
Concorrentes na corrida pelo voto bolsonarista, eles têm seguido à risca a estratégia de condicionar a necessidade de pacificar o país à aprovação do perdão aos envolvidos no 8 de janeiro de 2023.
Após a leitura da sentença, Caiado rapidamente foi às redes sociais prometer empenho pela anistia a todos os condenados. “Por uma questão de pacificação nacional”, disse.
O discurso do governador de Goiás é copiado por Tarcísio, que radicalizou nas críticas ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes, chamado de “tirano” em ato na avenida Paulista no 7 de Setembro.
Para Tarcísio, “a história já mostrou que a anistia e o perdão são os melhores remédios para pacificar o país”.
Desde a República, o Brasil já aprovou nove decretos ou leis estabelecendo anistias a pessoas —especialmente militares— que se rebelaram contra o poder vigente. Mas, diferentemente do que afirma o governador de São Paulo, nenhuma delas serviu como forma de pacificação.
Ao iniciar a leitura de seu voto condenando Bolsonaro e os outros demais sete réus do principal núcleo golpista, Moraes também recorreu à história, mas para afirmar que a impunidade deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia.
“Nesses momentos, a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação.”
Alexandre de Moraes, ministro do STF
Anistia ampla, geral e irrestrita
Dos Estados Unidos, onde atua diariamente para aumentar as sanções como moeda de troca pela liberdade de seu pai, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) também recorre à necessidade de pacificar o país para justificar a aprovação de uma nova anistia.
“Nada diferente de anistia ampla, geral e irrestrita deverá ser analisada ou surtirá qualquer efeito de pacificação”.
Eduardo Bolsonaro, deputado federa
O projeto defendido pelo parlamentar retroage a 2019, justamente o ano de início do inquérito das fake news, também sob relatoria de Moraes. “Ou seja, ele pede anistia por um inquérito que não foi nem concluído. Isso é absolutamente incomum”, diz a advogada criminalista Amélia Imasaki.
“Falar em anistia enquanto os fatos nem sequer foram apurados é o mesmo que manter um sobreaviso de que, independentemente das conclusões alcançadas, o Congresso não as reconhecerá e atuará para anular decisões do Poder Judiciário”, afirma.
As dúvidas sobre a abrangência dessa eventual anistia levaram o governador do Paraná a ser o mais comedido ao falar em pacificação.
Num post publicado no dia seguinte à condenação de Bolsonaro, Ratinho foi o presidenciável menos enfático sobre um perdão geral, que devolvesse até mesmo a elegibilidade do ex-presidente.
“O Brasil precisa ser pacificado, e isso passa também pelo fortalecimento das nossas instituições, que devem atuar com equilíbrio e pautadas pelo Estado democrático de Direito. O povo brasileiro não pode ficar refém de dogmas”, escreveu.
O cientista político Cláudio Couto destaca que Ratinho Júnior é o governador que tem a posição mais ambígua sobre o bolsonarismo.
“É o que mais se preserva, até porque tem uma vida política independente do bolsonarismo. Caso oposto ao de Tarcísio, por exemplo.”
Já o gaúcho Eduardo Leite (PSD), que também se coloca como opção contra a reeleição de Lula, mas que dificilmente teria o apoio de Bolsonaro, preferiu responder ao ministro Cristiano Zanin, que afirmou categoricamente que é a responsabilização dos réus que pacifica o país.
“O que pacifica um país não é prender um presidente, tampouco soltá-lo. O que pacifica um país é atacar os problemas, e não uns aos outros. É andar para frente e não deixar ninguém para trás. Quem tem que sair da prisão é o Brasil, preso em uma polarização que nos divide e nos atrasa”, afirmou o ex-tucano.
Até agora, no entanto, apesar da pressão bolsonarista, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (União-PB), não definiu nem sequer quem será o relator da proposta de anistia na Casa. O mesmo vale para o texto, ainda em acordo com líderes do centrão.
Mas, mesmo que passe na Câmara, o perdão ainda terá de ser chancelado pelo Senado, onde o presidente, Davi Alcolumbre (União-AP), resiste em pautar a proposta.
Ontem, o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, publicou uma nota da defesa do ex-presidente, que dizia receber “a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal com respeito”. Contudo, não pode “deixar de manifestar profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária”.
Bolsonaristas questionaram a expressão “com respeito”, seguindo o tom de Eduardo, que tem tratado o julgamento no STF como uma “farsa”.
Tribuna Livre, com informações do portal UOL