Governistas trabalham para travar o avanço do texto no Senado e esperam contar com a pressão das manifestações populares para atrasá-lo. Já o bolsonarismo aposta as fichas no projeto de lei para não desidratar eleitoralmente
O PL da Dosimetria chega à semana decisiva, pois começará a ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na quarta-feira. E a queda de braço promete ser pesada, pois se não for à votação agora, as chances de ser sepultado em 2026 se potencializam.
Naquilo que depender dos bolsonaristas, será aprovado na CCJ e vai a plenário logo em seguida. A tropa do Palácio do Planalto, porém, trabalhará para impedir as duas coisas. Na pior hipótese — a de que passe na comissão — , virão pedidos de vista a fim de jogar a análise pelo conjunto da Casa para 2026. Até lá, o governo ganha tempo para tentar sepultar o PL. Além disso, pretende avaliar a repercussão das manifestações de ontem, pelo país, contra o substituivo.
Depois de uma sequência de contundentes derrotas — a mais recente foi a retirada, por determinação do governo dos Estados Unidos, do nome do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e da mulher, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky —, o bolsonarismo aposta todas as fichas na aprovação do PL para tentar reduzir as penas do ex-presidente e dos condenados pela tentativa de golpe de Estado depois das eleições de 2022. A janela de oportunidade seria a relatoria do substitutivo nas mãos do senador Espiridião Amin (PP-SC), que já anunciou que pode aproveitar a tramitação para reintroduzir o debate sobre a anistia.
Apesar de ter criticado o substitutivo elaborado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) aprovado na Câmara — disse que era “muito ruim” —, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) assegura que o jogo da anistia não está perdido, nem o bolsonarismo derrotado. Ele, inclusive, faz uma leitura sobre a decisão do governo dos EUA de retirar o nome do ministro Moraes e da mulher da lista de sancionados com a Magnitsky.
“O presidente Donald Trump faz um gesto gigantesco pela anistia no Brasil. Em suas palavras, um ‘primeiro passo’ em direção ao fim dos excessos praticados por Alexandre de Moraes e o ‘início de um caminho’ para que a relação Brasil/EUA volte à normalidade democrática”, comentou o senador, em uma postagem nas redes sociais.
“Vamos votar o projeto de lei da anistia na semana que vem, no Senado. Sendo aprovado, não tenho dúvidas de que os EUA retirarão totalmente as sobretaxas dos produtos brasileiros exportados para lá. A bola está com a gente!”, acrescentou Flávio.
Questionado sobre a possibilidade de a dosimetria se converter em anistia numa manobra no Senado, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), respondeu ao Correio com a imagem de uma postagem feita por ele no X (antigo twitter), comentando os efeitos da Magnitsky.
“Não se trata de vingança, nem de nomes. Trata-se de Constituição, limites institucionais e Estado de Direito. Ou o Brasil reage agora ou normaliza o autoritarismo togado. ‘Ai dos que decretam leis injustas e dos escrivães que prescrevem opressão’ (Isaías 10:1)”, diz a publicação.
O PL da Dosimetria vem sendo citado como alternativa à anistia desde a semana passada pela oposição. O projeto foi aprovado no plenário da Câmara na madrugada de 10 de dezembro, um dia depois de Flávio Bolsonaro se reunir com líderes do Centrão tão logo colocou um “preço” para retirar a pré-candidatura à Presidência da República como sucessor do pai. A fatura foi paga com a colocação do substitutivo na pauta de votação pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Ao receber o texto aprovado pela Câmara, Amin afirmou que defende a anistia e disse ter entregado uma proposta de perdão de penas, elaborada pelo então deputado Carlos Alberto Caó a Paulinho, anos atrás. Apesar da posição pessoal, o senador frisou que pretende ouvir os dois lados, acolher sugestões e apresentar um relatório final dentro do prazo, ressaltando que o Senado não deve apenas chancelar o texto aprovado pelos deputados.
A movimentação ganhou mais força após o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmar que pretende levar o projeto à votação ainda neste ano, depois de assumir com os líderes partidários o compromisso de deliberar sobre o tema. Ele também defendeu a necessidade de ajustes na legislação referente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Os bolsonaristas pressionam pela rápida tramitação da proposta. O líder da oposição no Senado, Izalci Lucas (PL-DF), por exemplo, defende uma aprovação célere no Parlamento e associa a discussão à pauta mais ampla da anistia.
Sem atropelo
No campo dos apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo trabalha para reduzir a marcha da tramitação e atrasar o projeto. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que não há necessidade de atropelar os prazos regimentais.
“Queria ponderar que isso não é uma coisa que vai mudar em 24 ou 48 horas. Há um afã. Alguns dizem que essa dosimetria é um primeiro passo para a anistia. Eu não vou discutir isso, porque não vou falar de futurologia, mas queria me associar ao senador presidente da CCJ no sentido de que se dê à Casa o tempo mínimo necessário”, disse.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), foi ainda mais explícito ao anunciar a estratégia de tentar barrar o avanço do texto na CCJ. Segundo ele, o Executivo pedirá vista — mais tempo para análise — com o objetivo de empurrar a discussão para 2026 e, assim, esfriar o tema. Ele afirmou ainda que, caso a proposta avance, o governo defenderá o veto presidencial.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também fez duras críticas ao projeto. “Sou absolutamente contra qualquer tentativa de relativizar um dos episódios mais graves da história da nossa democracia. O que aconteceu no 8 de Janeiro foi uma tentativa organizada de ruptura institucional, que deve ser punida à altura. Lutarei para impedir esse vergonhoso retrocesso”, adiantou.
O cientista político Celso Fernandes, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, avaliou que a tramitação acelerada do PL levanta preocupações sobre o uso da pauta legislativa. “A percepção acerca do movimento político que levou à aprovação do PL da Dosimetria não é das melhores. Primeiro, pela agilidade pouco comum empregada na tramitação legislativa. Segundo, porque, se confirmada a informação de que a decisão de pautar o projeto teria sido fruto de um ‘acordão’ como condição para a retirada da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro, estaríamos diante de um desvirtuamento da função representativa da Câmara”, lamentou.
Tribuna Livre, com informações da Agência Senado







