Campeãs de reclamações, operadoras são alvo de projeto para alterar legislação do setor. Levantamento do Idec mostra que empresas ocuparam o topo do ranking de insatisfação em nove dos últimos 10 anos.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que as operadoras de planos de saúde ocuparam o topo do ranking de reclamações de clientes em nove dos últimos 10 anos. De acordo com o levantamento, entre os principais motivos estão reajustes nas mensalidades, falta de informações, demora para marcar um exame ou consulta, além de dúvidas sobre contratos. Mas recentemente, o cancelamento unilateral dos planos, deixando os usuários sem assistência, passou a fazer parte das preocupações.
Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), são registradas cerca de 900 reclamações por dia contra operadoras de planos de saúde. “Não é nenhuma surpresa que o índice de reclamação seja altíssimo, porque realmente é uma relação historicamente não amistosa, fundamentada em inúmeros problemas, com diversos agentes com interesses distintos e, ainda, um agente regulador tentando moderar essa situação, mas muitas vezes criando problemas ainda maiores”, destacou Felipe Baeta, CEO da Piwi, corretora digital de planos de saúde.
Para Baeta, essa relação tem origem em uma série de elementos conjunturais de mercado, inclusive o arcabouço regulatório confuso. O maior número de reclamações tem como alvo planos coletivos empresariais, que representam 70% do total de contratações. “É uma relação complicada historicamente e sem regras claras que, se apoiada no contrato, muitas vezes fere questões regulatórias. Já se apoiada no arcabouço regulatório, muitas vezes fere o entendimento do Poder Judiciário”, afirmou.
A jornalista Cristiane Ferreira, 36 anos, vive uma batalha judicial desde que recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla em novembro de 2021. Para tratar a doença, ela tem de usar ocrelizumabe, um medicamento de alto curto, pelo resto da vida. “A esclerose não tem cura, mas a medicação evita que eu não tenha novos surtos em curtos períodos de tempo”, contou.
A medicação custa em torno de R$ 45 mil e precisa ser tomada a cada seis meses. Mesmo com o laudo médico, Cristiane teve o tratamento recusado pela operadora. “Consultei outro neurologista, que confirmou a indicação apontada anteriormente, mas eles voltaram a negar”, relata Cristiane.
A jornalista recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar que deu a ela acesso à primeira infusão do remédio, mas voltou a ter problemas. “O plano recorreu e voltei a ficar sem a medicação. Entrei em desespero, pois, sem ela, eu posso ter uma nova crise. Recentemente, consegui outra liminar, mas ainda não saiu a decisão final. A operadora ainda pode recorrer e o caso pode parar no STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, disse.
Prejuízo
A advogada Vitória Noronha, de 26 anos, também precisou recorrer à Justiça para cancelar o seu plano empresarial. “Estou trabalhando em um local que fornece um bom plano e, por essa razão, decidi cancelar o plano antigo. Em meados de junho, solicitei o cancelamento, por telefone. Em 31 de agosto, entrei em contato para confirmar o cancelamento e eles ainda não tinham cancelado. Registrei reclamações no Procon, na ANS, no Reclame Aqui, e fiz até um boletim de ocorrência”, relatou. “A operadora respondeu à reclamação dizendo que o contrato estaria cancelado desde 16 de agosto, no entanto, o plano segue ativo. Assim, continuo precisando pagar R$ 400 todo mês, que já somam R$ 1.200,00 de prejuízo, e contando”, afirmou.
Um projeto de lei (PL) apresentado neste mês, na Câmara dos Deputados, procura sanar as queixas dos consumidores com uma revisão da regulação. O texto reúne cerca de 270 projetos sobre o tema que tramitam há quase 20 anos no Congresso sem chegar a um desfecho.
A proposta traz mudanças em relação à rescisão unilateral de contratos, ao reajuste de mensalidades, entre outros pontos. O objetivo seria estabelecer diretrizes mais claras e rígidas para as operadoras, buscando equilibrar os interesses das empresas com a proteção dos direitos dos beneficiários.
O relator do projeto, deputado federal Duarte Junior (PSB-MA), aponta o cancelamento unilateral como um dos principais problemas atualmente. Isso acontece quando uma operadora decide encerrar o contrato, muitas vezes sem aviso prévio, o que gera grandes transtornos para os beneficiários. Uma das razões dos cancelamentos é o aumento dos custos para as operadoras, a ponto de tornar o plano financeiramente inviável. “O plano faz isso com idosos, pessoas com deficiência ou fazendo quimioterapia. É algo desproporcional. Pelo projeto, só vai poder rescindir se o consumidor estiver devendo”, argumenta o relator.
A expectativa de Duarte Junior era de que o projeto fosse votado neste mês, mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que pretende ouvir as operadoras antes que as mudanças sejam votadas em plenário. “As operadoras estão preocupadas com o relatório. Não vamos fazer nada açodado sobre esse tema, que já é uma questão crítica. Tem muita reclamação sobre o parecer dele”, enfatizou Lira.
Em posicionamento conjunto, cinco entidades representativas de operadoras de planos afirmaram que o projeto ameaça comprometer a sustentabilidade do setor e pode colocar em risco o atendimento prestado a mais de 50 milhões de brasileiros.
“O relatório desconsidera peculiaridades do setor de saúde suplementar e compromete pilares fundamentais de seu funcionamento, ao propor, por exemplo, a proibição do cancelamento de planos coletivos pelas operadoras, e instituir regras de reajuste de mensalidades que carecem de mais especificidade, aperfeiçoamento técnico e análise atuarial para conhecimento dos impactos”, destaca o comunicado.
A nota afirma que as cerca de 700 operadoras de planos e seguros de saúde médico-hospitalares privados em atividade no país enfrentam seu mais difícil momento desde que o setor passou a ser regulado no país, há 25 anos, com um prejuízo operacional acumulado de R$ 18,7 bilhões.
– (crédito: Divulgação/ANS)
Fachada da sede da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS)