03/08/2025

Por que suposta presença do Hezbollah na Tríplice Fronteira está no radar dos EUA

Região de Foz do Iguaçu é historicamente considerada área propícia à atuação de grupos criminosos - (crédito: Getty Images)

Governo americano oferece até US$ 10 milhões por informações sobre fontes de financiamento e atividades ilegais do grupo libanês na área fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai.

A suposta atuação do grupo libanês Hezbollah na América Latina e no Brasil, uma preocupação antiga dos Estados Unidos, voltou a ganhar destaque nas últimas semanas em Washington.

Em 19 de maio, os EUA anunciaram uma recompensa de até US$ 10 milhões (cerca de R$ 56 milhões) por “informações que levem à interrupção dos mecanismos financeiros do Hezbollah” na Tríplice Fronteira, a região fronteiriça entre Argentina, Brasil e Paraguai.

Segundo um funcionário do Departamento de Estado dos EUA, que falou sobre o tema nesta terça-feira (10/6), na condição de que seu nome não seja publicado, as autoridades americanas estão “confiantes de que esta oferta de recompensa trará informações que contribuirão para desestruturar as redes financeiras do Hezbollah no Tríplice Fronteira e, talvez, em outras partes do mundo”.

De acordo com o mesmo funcionário, a oferta não foi motivada por nenhum evento específico.

“Os EUA estão empenhados em desarticular o financiamento e a operação do Hezbollah para limitar a sua capacidade de realizar ataques globalmente e degradar a capacidade do grupo”, afirmou.

“Dadas as atividades do Hezbollah globalmente, há sempre a preocupação de que suas capacidades e influência aumentem, e essa é uma das razões pelas quais oferecemos a recompensa”, acrescentou.

Os EUA estão entre os países que designam o Hezbollah como “organização terrorista”.

O governo americano considera crime “fornecer intencionalmente, ou tentar ou conspirar para fornecer, apoio material ou recursos” ao grupo, a quem atribui diversos ataques, entre eles contra a embaixada e uma base da marinha americanas na capital libanesa, Beirute, em 1983, que deixaram mais de 300 vítimas.

O funcionário não ofereceu detalhes sobre se há novas informações a respeito de uma possível ampliação na presença do grupo na América Latina. Mas sabe-se que a iniciativa vem em meio a um cenário de enfraquecimento do Hezbollah no Oriente Médio.

O grupo sofreu baixas recentes em meio a confrontos com Israel, incluindo uma série de ataques letais com explosivos escondidos em dispositivos eletrônicos que atingiram parte de sua liderança no ano passado. Além disso, sanções impostas pelo Ocidente ao Irã, que é importante fonte de apoio financeiro e militar, também levaram a dificuldades.

Formado nos anos 1980, em reação à ocupação israelense do sul do Líbano durante a guerra civil (1975-1990), o Hezbollah é um grupo armado xiita e também tem um partido político.

Sua sede está no Líbano, país onde exerce grande influência política e militar.

Recompensa de até US$ 10 milhões

Segundo o governo americano, “membros, apoiadores e facilitadores” na Tríplice Fronteira geram “milhões de dólares em receita” para o grupo com atividades ilegais.

São citadas, entre outras, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, contrabando de carvão, petróleo, cigarros, artigos de luxo e dinheiro em espécie, comércio ilícito de diamantes e falsificação de documentos e dólares.

O Departamento de Estado afirma que essas “redes multinacionais” também geram receita com atividades comerciais em toda a América Latina, incluindo construção civil, venda de imóveis e importação e exportação de mercadorias.

“Muitos desses indivíduos também organizaram arrecadação de fundos e transferiram os lucros da Tríplice Fronteira para o Hezbollah no Oriente Médio”, disse o Departamento de Estado em comunicado no mês passado detalhando a oferta de recompensa.

O funcionário do Departamento de Estado ressaltou que o pagamento da recompensa será por meio do programa Rewards for Justice (Recompensas pela Justiça, ou RFJ na sigla em inglês), que é administrado pelo Serviço de Segurança Diplomática e promete “sigilo absoluto”.

Os EUA buscam pistas “que resultem na identificação e neutralização” de fontes significativas de receita, contribuições de doadores e facilitadores, instituições financeiras ou casas de câmbio que facilitem transações do Hezbollah, e empresas ou investimentos pertencentes ou controlados pelo grupo ou seus financiadores.

Também querem informações sobre atividades internacionais de empresas de fachada ligadas ao Hezbollah, esquemas criminosos envolvendo membros e apoiadores e que beneficiem o grupo, além de negócios com instituições financeiras formais, entre outras pistas.

Brasil

A Tríplice Fronteira, uma região que atrai turistas de todo o mundo devido à sua proximidade às Cataratas do Iguaçu, também é historicamente considerada uma área propícia à atuação de grupos criminosos.

Atividades como tráfico, contrabando e lavagem de dinheiro seriam facilitadas, segundo especialistas, pela proximidade das três principais cidades, Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), e por vulnerabilidades no controle de fluxos de pessoas e produtos.

A preocupação dos Estados Unidos com a possível presença e as atividades do Hezbollah na área é antiga. Há décadas a Tríplice Fronteira é mencionada em relatórios do Departamento de Estado e do Congresso como local de arrecadação de fundos para o grupo.

Acredita-se que o Hezbollah tenha presença na região e no Brasil desde a década de 1980, em meio à grande imigração de libaneses que fugiam da guerra civil em seu país. O grupo teria se infiltrado em atividades religiosas, educacionais e comerciais, principalmente entre os mulçulmanos xiitas.

No início dos anos 2000, os americanos se uniram a iniciativas para reforçar a segurança na Tríplice Fronteira, com treinamento e financiamento para ações de contraterrorismo na área. Também passaram a compartilhar mais informações de inteligência e a realizar atividades conjuntas com os países da região.

O Hezbollah é acusado por autoridades argentinas dos dois atentados mais devastadores cometidos na América do Sul: contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992, e a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, deixando mais de 100 mortos.

Suspeita-se que os ataques tenham sido planejados e organizados na Tríplice Fronteira.

No Brasil, diferentes investigações da Polícia Federal (PF) já apontaram para indícios de atuação do Hezbollah, incluindo atividades de recrutamento de brasileiros para possíveis ataques.

A Operação Trapiche, deflagrada em 2023 para investigar o financiamento de terrorismo, levou à prisão, em São Paulo e no Rio, de três suspeitos de ligação com o grupo e de planejarem ataques contra locais ligados à comunidade judaica no país. Posteriormente, foram cumpridos mandados de busca e apreensão e de prisão preventiva contra novos suspeitos.

Em 2018, a PF prendeu em Foz do Iguaçu um libanês conhecido como o “tesoureiro do Hezbollah”, que estava incluído pelo Tesouro americano em uma lista de financiadores do grupo com uma rede de atuação na Tríplice Fronteira. O homem, que negava as acusações, foi posteriormente extraditado para o Paraguai.

Entre outros casos, há também o de um libanês naturalizado brasileiro que sofreu sanções dos EUA em 2006 por supostamente agir como “coordenador dos integrantes do Hezbollah” na Tríplice Fronteira.

Outras investigações passadas da PF já apontaram para ligações entre o Hezbollah e facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), incluindo traficantes internacionais de drogas que atuam na área da Tríplice Fronteira. Relatórios do governo americano também mencionam essa possibilidade há tempos.

No entanto, apesar dos indícios de que o Hezbollah arrecada fundos e tem ligações na América Latina, ainda não há um retrato detalhado da extensão das operações do grupo na região.

O funcionário do Departamento de Estado citou a estimativa de que o Hezbollah gere aproximadamente US$ 1 bilhão por ano, entre apoio financeiro do Irã, negócios e investimentos internacionais, doadores e atividades ilegais.

“Essa recompensa é uma entre várias ferramentas que o governo americano está determinado a usar para desarticular suas atividades”, afirmou.

Tribuna Livre, com informações da BBC News

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