Corte instalou comissão especial para discutir minuta que será enviada ao Legislativo. Projeto segue tese validada pelo Supremo que garantiu a proteção sobre a terra aos povos originários
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, na manhã desta segunda-feira (17/2), um debate sobre a minuta que será proposta ao Congresso para alterar a Lei do Marco Temporal — que trata da demarcação de terras indígenas. O projeto foi apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, na semana passada, com base nas discussões feitas nas audiências desde agosto de 2024.
O texto é composto por 94 artigos e servirá de base para a análise pelos integrantes da Comissão Especial de Conciliação. Eles poderão fazer modificações e aprimoramentos até que o material seja entregue ao Legislativo. Segundo o STF, a proposta busca racionalizar os trabalhos de deliberação, compatibilizando as diferentes posições e preocupações externas durante as reuniões promovidas nos últimos seis meses.
A demarcação de terras é uma tese jurídica segundo a qual os povos originários têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. A medida tem como objetivo garantir o acesso dos indígenas aos seus direitos e preservar suas culturas, tradições, línguas e modos de vida.
O Supremo tem uma posição consolidada pela inconstitucionalidade do marco temporal. No entanto, diante do Legislativo, que defende a manutenção da tese, a Corte criou uma Comissão Especial de Conciliação para mediar o conflito, visando que as partes envolvidas cheguem a um entendimento comum sem a imposição de uma decisão judicial definitiva.
O texto debatido segue propondo a tese validada pelo Tribunal que garantiu a proteção constitucional sobre a terra aos povos originários. A minuta também prevê regimes compensatórios para os posseiros de terras indígenas que sejam obrigados a desocupar o local.
Um dos pontos que mais tem gerado divergência entre os integrantes da comissão é a inclusão de um artigo que permite a exploração de recursos minerais em terras indígenas.
A proposta indica que é de “interesse público da União: atividades de segurança nacional e proteção sanitária, obras de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, sistema viário, saneamento, energia, telecomunicações, radiodifusão e a exploração de recursos minerais estratégicos, além de atividades e obras de defesa civil”.
Marco temporal
O tema afeta quase 1 milhão de integrantes de comunidades indígenas no país. A tese prevê que só podem ser demarcadas terras que já estavam sendo ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Esse entendimento seria uma interpretação literal do artigo 231, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O STF decidiu, em setembro de 2023, que a data não pode ser usada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. Em retaliação, o Congresso Nacional editou a Lei 14.701/2023 e restabeleceu o marco temporal. Desde então, ações de entidades ligadas aos povos indígenas foram protocoladas na Corte para que seja derrubada a legislação.
Em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou o compromisso do governo federal com os direitos dos povos originários — fazendo um contraponto aos posicionamentos da gestão de Jair Bolsonaro. Apesar disso, os conflitos, as violências e as disputas entre povos originários e garimpeiros continuaram, mantendo vivas as cicatrizes históricas de décadas de lutas e perseguições.
Entenda o imbróglio sobre o marco temporal entre os Três Poderes
• Segundo a tese do marco temporal, os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988;
• Em setembro de 2023, o STF decidiu que a data não pode ser usada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas;
• Em dezembro do ano passado, antes de a decisão do Supremo ser publicada, o Congresso Nacional editou a Lei 14.701/2023 e restabeleceu o marco temporal;
• Desde então, foram apresentadas quatro ações questionando a validade da lei (ADI 7582, ADI 7583, ADI 7586 e ADO 86) e uma pedindo que a Corte declare sua constitucionalidade.
Tribuna Livre, com informações do Supremo Tribunal Federal (STF)