Ex-presidente Michel Temer defende que União precisa prover recursos para o bom desempenho da administração do DF que, além de todas as atribuições, precisa cuidar de questões democráticas. Para ele, o momento é de diálgo e conciliação
Inaugurada em 21 de abril de 1960, a nova capital surgiu em meio ao projeto de desenvolvimento do centro do país. Do nada, foi criada uma cidade para onde migraram pioneiros que apostaram no futuro de Brasília, incentivados pelo então presidente Juscelino Kubitschek. Diferentemente do Rio de Janeiro, a antiga capital, que nasceu espontaneamente como cidade, o Distrito Federal sempre precisou de apoio da União para cumprir sua missão constitucional: sediar os Poderes da República, as sedes das representações diplomáticas e acolher brasileiros de todos os cantos do país.
Constitucionalista, ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-vice-presidente e ex-presidente da República, Michel Temer (MDB) acompanhou toda a movimentação política para a criação de um fundo que possibilitasse a sobrevivência administrativa da cidade. Temer era deputado federal quando o Fundo Constitucional do DF foi criado e sancionado em 27 de dezembro de 2002, a poucos dias do fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Até então, Brasília vivia a autonomia política, com a eleição de deputados, senadores, deputados distritais e governadores, mas não tinha independência financeira em relação à União. Precisava negociar repasses e não são poucas as histórias de interferência política nessa relação.
Agora, 22 anos depois da sanção da lei, o Distrito Federal entrou no ajuste fiscal, por iniciativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apoiada pelo presidente Lula e por políticos aliados, como o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), autor do projeto que altera a forma de correção anual do Fundo Constitucional do DF.
Para Temer, o momento é de diálogo e conciliação em nome da qualidade da gestão administrativa e da manutenção da democracia, deixando as “querelas políticas” de lado.
O ex-presidente sustenta que a União precisa prover recursos para o bom desempenho da administração do Distrito Federal. “Não se pode falar em privilégio para os moradores da capital. Reitero que o Governo Distrital não cuida apenas dos moradores de Brasília, mas tem condições político-institucionais que ultrapassam os limites territoriais da Capital. Hoje, mais do que nunca, o Governo Distrital há de cuidar das questões democráticas tendo em vista que Brasília é sempre palco de movimentos populares oriundos de todo o país”, afirmou em entrevista ao Correio.
O senhor era deputado federal quando o Congresso aprovou a criação do Fundo Constitucional do DF. Qual foi o motivo e o sentimento na ocasião?
Foi a ideia, constitucionalmente estabelecida, de que o Distrito Federal é a sede da União. Como tal, a União haveria de prover recursos para o bom desempenho da administração do Distrito Federal. Não é sem razão que certas categorias funcionais são pagas com verbas que a própria União fornece. Aliás, sendo a morada constitucional da Federação deve receber tratamento especial do Estado brasileiro.
Por que o Congresso aprovou a correção do Fundo Constitucional atrelada à receita corrente líquida da União?
Para haver naturalmente um equilíbrio das contas públicas no país. É a parcela da receita que permite o desempenho de suas funções sem prejudicar a União Federal.
Como professor de direito constitucional, o senhor entende que o FCDF tem respaldo constitucional e alteração do seu critério de reajuste pode ser ofensiva ao pacto federativo?
Sem dúvida. As respostas às questões anteriores revelam que há um vínculo umbilical entre o Distrito Federal e os estados federados já que, como dito, o Distrito Federal é a síntese da somatória de todos os estados como sede que é da União. Pode-se até dizer que é derivação do princípio federativo que no dizer da Constituição Federal é cláusula pétrea. Portanto, imodificável.
Menos recursos para Brasília significa redução da qualidade de vida dos moradores da capital. Acha que há uma visão de que quem vive em Brasília é privilegiado?
Não se pode falar em privilégio para os moradores da capital. Reitero que o Governo Distrital não cuida apenas dos moradores de Brasília, mas tem condições político-institucionais que ultrapassam os limites territoriais da capital. Hoje, mais do que nunca, o Governo Distrital há de cuidar das questões democráticas tendo em vista que Brasília é sempre palco de movimentos populares oriundos de todo o país. Ademais disso, tem o dever de preservar a incolumidade dos órgãos do Poder como a preservação dos seus espaços físicos. Tudo isso significa ônus para o Governo Distrital.
É correto adotar para o Fundo Constitucional do DF as regras de correção que serão aplicadas no Fundo de Desenvolvimento Regional, como pretende o governo?
Há de se aplicar para o Fundo Constitucional do Distrito Federal as regras de correção que mais verbas lhes tragam pelas razões que antes lhe apontei.
Mais uma vez, o Fundo Constitucional do DF está sob ameaça. Acredita que o Congresso votará a favor da mudança na correção do Fundo?
Acredito que o Congresso Nacional terá uma correção que privilegie financeiramente a capital da República. Os congressistas sabem da importância e das necessidades dessa instituição federativa.
O presidente Lula foi bem crítico em defesa do corte no Fundo Constitucional do DF. Na sua avaliação, o que leva o presidente a agir assim?
Creio que há um equívoco. Se é certo que no tocante aos demais fundos constitucionais possa haver um corte não é razoável que se o faça no caso do Distrito Federal. É que os demais fundos, embora tratando de questões de setores importantes, sendo merecedores dessas verbas especiais, o fato é que são áreas materialmente definidas, diferentemente do Distrito Federal que tem missão política que abrange todo o espectro federativo. Não é matéria determinada, mas atividade que diz respeito à inteireza da Federação.
O governador Ibaneis revelou ao Correio que está sendo maltratado pelo governo federal. O presidente Lula disse não entender a irritação do governador. Para ele, não é mais possível” que a unidade federativa receba mais que os estados brasileiros”. O que o senhor aconselharia aos dois?
Diálogo. Se as duas autoridades mencionadas conversarem com a compreensão das especificidades do Distrito Federal, tenho absoluta convicção de que chegarão a bom termo. Aliás, dialogar é uma consequência indispensável do regime democrático.
Em outros momentos críticos entre Poderes, o senhor foi a voz de conciliação. Qual seria o melhor caminho para atenuar essa crise e discutir a questão do FCDF longe das querelas políticas?
Diálogo, conversa, argumentos, contra-argumentos e razoabilidade nas colocações ao fundamento de que ambos procuraram cumprir a Constituição Federal deixando fora os interesses ou querelas políticas.
Tribuna Livre, com informações do CB Poder