Mal-estar causado pela divergência entre os dois ministros, em evento no Rio de Janeiro, na sexta-feira passada, recoloca Corte no centro das críticas, perto do julgamento de Bolsonaro por tramar contra a democracia
As alfinetadas trocadas pelos ministros André Mendonça e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no 24º Fórum Empresarial Lide, sexta-feira passada, fez com que os mundos jurídico e político voltassem algumas casas atrás no quesito pacificação, nesta semana que precede o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF. A forma como ambos explicitaram as diferenças que têm não foi considerada a melhor forma de manter a Corte protegida de críticas.
A avaliação interna é de que não é o momento de o STF expor fraturas, mas, sim, de passar união, uma vez que grande parte das decisões de Moraes foi chancelada pelo plenário. O que mais se ouve nos bastidores é que, embora seja preciso distensionar de todos os lados, não se bate, nem indiretamente, num colega que está sob fogo cruzado — pois já bastam os problemas externos.
Essa necessidade de um STF mais coeso foi o que fez com que muitos se sentissem desconfortáveis com as declarações de André Mendonça, que, na manhã de sexta-feira, no evento do Lide, havia defendido a autocontenção. Sem citar nomes, foi incisivo ao dizer que um juiz deve ser respeitado por decisões que sirvam para pacificar e não gerar divergências e confusão. E foi aplaudido de forma efusiva. Moraes, como já se sabe, respondeu que o respeito se dá pela independência da Corte. E que o Judiciário não pode se acovardar, nem ser vassalo de ninguém. Garantiu, ainda, que, apesar das pressões, não mudará de postura.
As trocas de farpas vieram, justamente, num cenário em que atores políticos da ala mais conservadora recorreram a contatos, com o próprio STF, para tentar buscar essa pacificação. Isso não quer dizer que o Supremo deixará de cumprir seu papel: não deixará de condenar quem deve ser condenado, nem de inocentar quem tiver de sê-lo. Isso leva alguns bolsonaristas menos radicais a trabalharem com a certeza de que a política não faz parte da avaliação técnica dos ministros — sobretudo depois que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, disse, referindo-se à anistia para os golpistas do 8 de Janeiro, que “questões políticas vão ser definidas pelo Congresso”. Muitos entenderam, a partir dessa afirmação, que, passado o julgamento, caberá ao Congresso entrar em campo e decidir se deve ou não anistiar quem for condenado, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nos bastidores, muitos consideram que Mendonça seria o personagem certo para ajudar no esforço de pacificação, aproveitando os canais que ele tem com os bolsonaristas. Mas as indiretas a Moraes, na sexta-feira passada, levaram muitos a crer que o ministro não pretende usar seu prestígio junto ao ex-presidente e a aliados para servir e bombeiro.
Mendonça foi advogado-geral da União e ministro da Justiça. Não são poucos os que citam, em conversas reservadas, momentos em que, no governo Bolsonaro, dispensou a autocontenção que cobrou de Moraes ao mandar abrir um inquérito para apurar uma charge de do artista gráfico Aroeira sobre o ex-presidente. No ministério, também cobrou que a Polícia Federal (PF) investigasse quem eram os responsáveis por outdoors com a crítica de que o então presidente valia menos do que “um pequi roído”.
A uma semana do início do julgamento de Bolsonaro na Primeira Turma do STF, quem começa dando uma indicação sobre os dias que virão até 2 de setembro é o ministro Gilmar Mendes, que participa do seminário Brasil Hoje, promovido pelo think-tank Esfera, em São Paulo. Caberá ao decano da Corte, conforme comentam os políticos, baixar a temperatura e reforçar a independência do STF como um tribunal que não pode se render a pressões da direita ou da esquerda, e que precisa ter serenidade para tomar decisões.
As apostas, porém, são as de que a tensão aumentará. E, na Primeira Turma, os bolsonaristas esperam contar apenas com o ministro Luiz Fux, que já divergiu de Moraes em outra oportunidade — como quando se opôs às restrições impostas ao ex-presidente. Dos demais magistrados que compõe o colegiado — Flávio Dino, Carmen Lúcia e Cristiano Zanin —, a expectativa é de que acompanhem integralmente o voto do relator.
Tribuna Livre, com informações do Correioweb