O vaivém do governo americano, aumentando e suspendendo tarifas de importação traz incertezas para o mercado mundial – e pode até ter revelado uma vulnerabilidade de Donald Trump
O presidente americano Donald Trump e seu entorno se esforçaram heroicamente nas últimas horas para fazer crer que os últimos sete dias não representaram o caos absoluto.
A leitura indica que o jogo de xadrez 4D de Trump deixou a China em xeque. A economia chinesa certamente enfrenta um imenso golpe devido às tarifas punitivas impostas pelo seu maior mercado importador.
Mesmo considerando o passo atrás dado pelo presidente, as tarifas de importação dos Estados Unidos ainda constituem um enorme muro protecionista – algo que não era visto desde os anos 1930.
O mundo tem, agora, uma tarifa universal de 10% sobre suas exportações para os Estados Unidos.
Não importa se o país exporta menos para os Estados Unidos do que importa (como o Reino Unido e a Austrália). Não há diferença, por exemplo, entre a União Europeia – que claramente mantém um enorme déficit comercial e se preparava para a retaliação – e o Reino Unido.
Fica também a ansiedade da espera pelo que virá a seguir.
Uma das questões é se o presidente Trump irá levar adiante as tarifas sobre os remédios, o segundo maior produto de exportação do Reino Unido.
Existe ainda em jogo um possível caos logístico, devido ao imposto portuário multimilionário para cada navio de carga “made in China” que atracar nos Estados Unidos.
Esta medida passou quase despercebida e atinge mais da metade da frota mercante global. A cobrança deve entrar em vigor na sexta-feira (11/4).
Mesmo com a pausa de 90 dias anunciada por Trump, para implementação das tarifas mais altas, as empresas continuam enfrentando muitas incertezas para definir o complicado redirecionamento do comércio global.
As consequências para a China
Mas a questão central de hoje é que as duas principais superpotências econômicas do mundo estão se enfrentando como gato e rato.
Tarifas de importação estratosféricas atingem massivamente os negócios entre as duas nações. Juntas, elas representam cerca de 3% de todo o comércio mundial.
Com isso, o principal motor da economia global está, de fato, paralisado.
As consequências visíveis de tudo isso se tornarão reais muito rapidamente. Fábricas chinesas irão fechar e trabalhadores irão bater às portas de cada uma delas, em busca de trabalho.
Pequim precisará organizar um pacote de estímulos para compensar a perda de pontos percentuais do seu PIB. Será o tipo de medida normalmente tomada quando um desastre natural arrasa uma cidade importante: dolorosa, mas administrável a custos razoáveis, desde que seja temporária.
Paralelamente, haverá uma escalada dos preços para o consumidor nos Estados Unidos. Trump poderá tentar exigir que as empresas americanas não aumentem seus preços, mas os efeitos não terão vida longa.
Teoricamente, este será um forte contraste em relação ao que deve acontecer em outras partes do mundo. Na Europa e no Canadá, os produtos chineses não sofrerão aumento de preços. Na verdade, poderá até haver reduções.
Da guerra comercial ao combate entre as moedas
As guerras comerciais nesta escala não ficam confinadas ao fluxo de mercadorias. Elas costumam se transformar em guerras de moedas.
O que vimos na noite de quarta-feira (9/4) foi a turbulência comercial que se espalhou para os mercados de crédito – especialmente o mercado de títulos da dívida americana, depois de atingir os preços das ações.
É verdade que surgiu uma revelação valiosa para este conflito, se considerarmos a teoria dos jogos. O governo Trump revelou um ponto de pressão fundamental, com a sua preocupação com o mercado de títulos da dívida.
O presidente classificou este mercado como yippy – um termo de golfe que designa um jogador que está nervoso, a ponto de poder errar uma jogada.
À medida que as negociações sobre a dívida do governo americano continuaram ao longo da noite na Ásia, entre quarta e quinta-feira, a taxa de juros efetiva sobre estes títulos aumentou para 5%.
Este tipo de empréstimo não deveria caminhar de forma tão errática.
A última vez em que isso aconteceu foi no momento de fragilidade financeira ocorrido logo no início da pandemia. Foi a chamada “Caça ao Dinheiro” nos Estados Unidos.
Naquele momento (março de 2020), o mundo estava preocupado com questões de vida ou morte. Mas a crise financeira advinda da pandemia só foi reduzida com medidas de emergência.
Na verdade, o recuo do presidente foi uma forma de mudança emergencial da sua política.
Estaria o governo chinês por trás desta corrida aos títulos do governo americano na Ásia? Provavelmente, não.
Mas o que aconteceu na quarta-feira (9/4) destacou uma vulnerabilidade de Donald Trump.
A China é o segundo maior portador de títulos da dívida do governo americano do mundo. Se ela decidisse se desfazer de toda esta dívida, os resultados seriam catastróficos para os Estados Unidos.
Mas esta decisão seria uma espécie de destruição econômica mútua, já que a China também sofreria imensas perdas.
O mais importante é que o mercado de títulos da dívida manifestou a Trump seu profundo ceticismo pela política de tarifas do governo americano.
É claro que os Estados Unidos têm o Federal Reserve (o Banco Central americano), que detém algum poder de tranquilizar este mercado. Mas, no momento, não parece que seu presidente Jerome Powell sairá ao resgate.
O mercado de títulos da dívida demonstra o mesmo ceticismo do secretário americano do Tesouro, Scott Bessent. Agora em ascensão, ele está incentivando Trump a fazer acordos comerciais com seus aliados. Afinal, os Estados Unidos precisam deles para enfrentar a China.
Como os Estados Unidos vinham chamando estes mesmos aliados próximos de trapaceiros, saqueadores e assaltantes, é impossível imaginar que esta tenha sido a estratégia do governo americano desde o princípio.
Isso é muito importante. Os Estados Unidos precisam ter ao seu lado a União Europeia, o Reino Unido e o restante do G7 frente à China. E Pequim provavelmente precisa que estes países simplesmente fiquem neutros e passem a absorver suas exportações.
O resto do mundo observou a equipe de Trump em dificuldades para explicar as tarifas impostas a economias pobres da África ou às duas ilhas habitadas por pinguins. E o próprio presidente voltou a mencionar a ideia de que ele estaria quebrando de propósito os mercados de ações.
O mundo também testemunhou a mudança das tarifas de importação depois de entrarem em vigor, sem falar na natureza absurda da equação empregada para o seu cálculo.
É neste contexto que o tratamento da situação por Donald Trump fez o resto do mundo se retrair. Afinal, nem amigos, nem inimigos irão negociar com os Estados Unidos enquanto a situação estiver desta forma.
Existe uma calmaria, que é bem recebida por todos. Mas ela pode durar pouco.
Tribuna Livre, com informações da BBC News