Moradores da QNP 24, no P Sul, convivem, há mais de 30 anos, com o fedor do lixo, transformado depois em adubo. O SLU afirma trabalhar em medidas que irão mitigar o odor, mas que só terão plena eficiência em 2029
Com 39 anos de funcionamento, a Usina de Tratamento Mecânico Biológico (UTMB), no P Sul, em Ceilândia, existe antes mesmo da instalação residencial na região. Mensalmente, ela produz mais de 20 mil toneladas de Composto Orgânico de Lixo (COL). Apesar da atividade regular, moradores próximos à unidade reclamam de um problema com o qual convivem há anos: o forte mau cheiro. Quem está na QNP 24, principal região impactada, relata também a presença constante de ratos e moscas, e o medo de contrair alguma doença.
Desde 2003 no local, Clarice Dias, 61 anos, trabalhou na usina de 2004 a 2009 e afirma que o mau cheiro é um problema antigo. “O que mais incomoda aqui é esse fedor. Eu estou mais acostumada, porque trabalhei muito tempo lá. Mas, se pudessem tirar essa usina daqui, eu iria agradecer”, afirmou.
Paulo José de Souza, 77, foi um dos pioneiros na região. Na época que ele recebeu um lote para morar, a usina já estava lá, e o problema persiste até hoje. “Os caminhões que transportam o lixo e o adubo passam por aqui todo dia. Aquele cheiro horrível invade as casas. Às vezes, não dá vontade nem de almoçar”, disse.
José também contou que traçou planos para se mudar de casa, mas o mau cheiro ainda é um fator primordial para que as pessoas não se interessem em morar no P Sul. “Eu queria ir para Planaltina de Goiás, mas o valor da venda da casa aqui é muito baixo. Mesmo se eu conseguir vender, não vou conseguir comprar uma casa lá”, explicou.
As pessoas relataram, ainda, outros problemas atrelados à usina. Naine Santos, 35, mora na cidade há oito anos e conta que convive com muitos ratos e moscas. “Aqui, aparece muita ratazana e muita mosca. Colocamos venenos para tentar afastar os ratos, mas a quantidade é enorme”, afirmou.
A moradora ainda relembrou um “ninho” de ratos que descobriu em sua casa. “Descobrimos uma família completa de ratos no nosso quintal. É uma situação que só piora ao longo do tempo. Tenho medo do meu filho contrair alguma doença por causa disso”, completou.
Efeitos na saúde
Para Alfredo Santana, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, a exposição a gases e odores provenientes de uma usina de compostagem pode prejudicar a saúde dos moradores. “Estudos mostram que a exposição contínua, mesmo em baixas concentrações, pode aumentar as chances de problemas respiratórios.” Segundo Santana, os sintomas mais comuns são tosse, piora de quadros de asma e aumento da ocorrência de infecções respiratórias agudas.
Além dos sintomas físicos, o médico alerta para outros malefícios ao bem-estar da população. “Pode haver aumento de sintomas, como irritabilidade, alterações de humor, insônia, fadiga, ansiedade e até quadros depressivos”, ressaltou.
Para Gustavo Justino, especialista em Direito Administrativo e Infraestrutura, há medidas que o Estado pode tomar para controlar a emissão do fedor. “É necessário um sistema robusto de drenagem, aeração adequada e coleta de chorume, considerando a área de alta densidade”, afirmou. Para ele, o plano operacional também deve ser reforçado em dias de chuva, tendo, principalmente, um protocolo de emergência.
O especialista ainda alerta que, apesar de não ser proibido o funcionamento de usinas próximas a áreas residenciais, tem de haver conformidade com medidas de controle de odores e líquidos. “O plano operacional deve considerar o dimensionamento das instalações, o que pressupõe que o operador planeje para evitar riscos ou impactos excessivos aos vizinhos”, explicou.
O que diz o SLU
Apesar do pedido da população, o Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU) afirmou ao Correio que não há planos para mudar a usina para um novo endereço. “A unidade é uma importante planta de processamento de resíduos do Distrito Federal, que funciona no local desde a década de 1980”, disse, em nota.
Há um plano, segundo eles, para reduzir o odor produzido pela usina. “A principal medida de mitigação de odores na unidade é a barreira verde.” Uma primeira versão da barreira contava com a atuação de eucaliptos antigos, que precisou ser substituído com um novo plantio. As novas árvores — 1.980 mudas de sansão-do-campo e 430 mudas de eucalipto — foram plantadas no primeiro semestre de 2022, mas ainda não possuem maturidade para atuar como a situação pede.
“A vegetação ainda é nova e precisa de aproximadamente sete anos para atingir a capacidade de contenção dos odores, sendo prevista a eficiência completa apenas em 2029.”
Tribuna Livre, com informações das redes sociais











