Ao longo de três
semanas, o Correio observou a venda de feijões adulterados na Rodoviária do
Plano Piloto. Posicionados nas escadas rolantes, ambulantes comercializam o
fradinho e dizem ser o de corda. Eles chegam a faturar quase 130%
Especialistas consultados pelo Correio avaliam que o feijão-fradinho
é tingido de verde para se parecer com o de corda – (crédito: Minervino
Júnior/CB/D.A Press)
No vai e vem das mais de 800 mil pessoas que circulam na
Rodoviária do Plano Piloto, um golpe lesa diariamente os consumidores. Um dos
alimentos mais simbólicos, populares e importantes na culinária brasileira, o
feijão se tornou alvo de golpistas. Ao longo de três semanas, o Correio
Braziliense observou a venda do produto adulterado no terminal, após o
recebimento de uma denúncia. A situação é semelhante à que ocorreu no Rio de
Janeiro no começo de setembro e que resultou na prisão de um feirante de 43
anos. Posicionados em pontos estratégicos, os vendedores comercializam o
feijão-fradinho como se fosse o verde ou de corda, como também é conhecido, que
tem o valor do quilo mais caro. Enquanto o fradinho custa em torno de R$ 6,50,
o verde chega a quase R$ 20.
De terça a sexta-feira, dois ambulantes se revezam nas
vendas dos feijões adulterados na Rodoviária. Na plataforma inferior, os
comerciantes montam as “bancas” nas duas escadas rolantes, locais
onde circulam mais pessoas. Os feijões ficam dentro de uma bacia grande. É
muito difícil notar a fraude. São todos da mesma cor: verde claro. “Quanto
está o quilo? É feijão-verde?”, pergunto ao vendedor. “Está R$ 15, o
litro. É verde, sim. Vai querer?”, responde. O homem que fala à reportagem
do Correio trata-se de Diego Silvestre Santana, morador do Gama. O dinheiro da
venda cai direto na conta da mulher dele, Florisbela Lima Ferreira, dona de um
comércio de bebidas.
Diferenças
Os ambulantes chegam a faturar mais de 130% em cada
transação. Nas prateleiras dos supermercados, o feijão-fradinho, que tem por
nome técnico Tumucumaque (Vigna Uniculata), custa entre R$ 6 e R$ 7 o quilo.
Para constatar a diferença dos grãos, o Correio consultou especialistas da
área. Marcelo Luders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses
(Ibrafe), no Paraná, confirmou a divergência. “De fato, é uma fraude fácil
de detectar, mas os clientes, muitas vezes, acabam não notando essa diferença e
também não tomam a iniciativa de reclamar. Deixam passar”, pondera.
Marcelo explica que tanto o feijão-verde quanto o fradinho
são da mesma espécie. O que difere um do outro é o tempo de colheita.
“Chamado de vigna, esse tipo de feijão quando é colhido ainda não estando
maduro, trata-se do feijão-verde, que é muito utilizado na culinária
nordestina. Já o outro, você deixa secar totalmente”, detalha. O
especialista se mostra assustado quanto à audácia dos adulteradores.
“Trabalho há quase 30 anos no mercado e nunca tinha escutado falar nesse
tipo de golpe, porque, de fato, não é algo frequente”, completa.
O professor de agronomia da Faculdade de Agronomia e
Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (FAV/UnB) Marcelo Fagioli
ressalta que o feijão-verde é mais caro justamente pelo cuidado no momento da
colheita, porque tem poucas safras durante o ano. “Ele tem um período de
prateleira menor. Enquanto o fradinho, que é seco, fica por muito tempo nos
supermercados, por exemplo, o verde precisa ser consumido mais rápido”,
conta.
A discrepância nos preços entre os dois tipos de feijões
pode ser explicada pelo processo da colheita, que ocorre de forma manual ou
mecanizada. Um dos indicadores para saber se o feijão-verde está pronto para
ser colhido é quando as vagens tornam-se fibrosas e, com isso, exige mais
cuidado na hora da recolha. “O feijão-verde geralmente é colhido à mão,
como se fosse uma hortaliça. Essa é a principal diferença com o fradinho. Já o
seco, as sementes vão se soltando sozinhas da vagem”, ensina o agrônomo
Rogério Vianna, da Gerência de Agricultura Urbana da Emater-DF. Ele acrescenta
que, para se chegar ao verde do feijão-fradinho, leva-se ao menos um mês.
Coloração
O Correio conversou com duas pessoas que compraram o feijão
adulterado na Rodoviária e preferiram não se identificar. Uma mulher relatou à
reportagem que, ao colocar o grão para cozinhar, a água ficou totalmente
esverdeada. “Eu me senti lesada. Não percebi nada na hora da compra. Só
quando cheguei em casa e fiz que notei a água toda verde”, lembra. Ela
pagou R$ 10 pelo litro e decidiu não retornar para reclamar.
Um outro rapaz afirmou ter adquirido os feijões no mesmo
ponto. “Assim que cozinhei, vi que tinha algo de errado. Cheguei a voltar
no local e reclamei, mas fui avisado que não era para ‘atrapalhar o esquema
deles’. Aí, deixei para lá.” A reportagem fez o experimento e colocou os
feijões para cozinhar e comprovou que, de fato, a água ficou com a tonalidade
verde.
Na análise dos especialistas, não é normal sair qualquer
tipo de cor esverdeada do feijão de corda. “A cor básica que sai é um tom
meio marrom, que é comum”, alerta o presidente do Ibrafe, Marcelo Luders.
O feijão-verde é mais úmido e tem uma textura amolecida, diferentemente do grão
seco do fradinho. “É possível que esse feijão (fradinho) tenha passado por
um pré-cozimento e, depois, tenha sido tingido com algum tipo de corante”,
supõe o profissional.
Ao Correio, Diego Silvestre, um dos vendedores, se defendeu
e alegou que compra os feijões nas mãos de terceiros. Ele relata que adquire os
grãos com um fornecedor e paga R$ 200 por 40 latas de 1 litro. Em seguida,
revende por R$ 10 cada litro — um lucro de 100%. Questionado se ele sabia que
os feijões eram adulterados, Diego nega. “Não sabia. Mas há cerca de sete
dias saí da Rodoviária porque apareceram algumas reclamações”, justifica.
Comida pintada
Um feirante foi preso por vender feijão fradinho pintado de
verde, para imitar o feijão-de-corda, que tem o valor do quilo muito mais caro.
De acordo com a Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ), o feijão-fradinho custa
R$ 6,50; já o verde, R$ 27,50 o quilo. A prisão ocorreu em 12 de setembro. O
suspeito, de 43 anos, é do Rio Grande do Sul e aplicava o golpe em uma feira
livre de produtos nordestinos, no bairro Vilar dos Teles. De acordo com a
polícia, o homem tinha ciência de que, após pintados, o produto ficava
impróprio para o consumo.