18/09/2025

Bancada evangélica põe na mira atos de Lula sobre igualdade de gênero e raça

 Uma das
bancadas mais poderosas do Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Evangélica
está em campanha contra normas afirmativas de Lula

Foto: Joédson Alves/Agência Brasi

Uma das bancadas mais poderosas do Congresso Nacional, a
Frente Parlamentar Evangélica está em campanha contra uma lista de normas
afirmativas editadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre elas a
que instituiu o programa de equidade de gênero e raça no SUS e a que criou
grupo para o enfrentamento da discriminação contra religiões de matriz
africana.

A Folha de S.Paulo teve acesso à lista elaborada pela
bancada, que foi levada na semana passada ao presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e ao líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE).

Em linhas gerais, os deputados que lideram a frente dizem
considerar que o governo está usurpando a função do Congresso em legislar sobre
esses temas, além de verem nas normas o que chamam de “ideologia de gênero”
-termo cunhado por grupos religiosos de direita para atacar ações em defesa da
comunidade LGBTQIA+. 

No topo do índex elaborado pela bancada está a portaria
230/2023 do Ministério da Saúde, que instituiu o Programa Nacional de Equidade
de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no SUS (Sistema Único de
Saúde).

A portaria, lançada na véspera do Dia Internacional da
Mulher (8 de março), estabelece, entre outras diretrizes, “promover a equidade
de gênero e raça no Sistema Único de Saúde buscando modificar as estruturas
machista e racista que operam na divisão do trabalho na saúde”.

A portaria atraiu a ira de evangélicos principalmente por
conter, em seu anexo, diretrizes como o “enfrentamento do machismo cultural,
das formas de misoginia, sexismo discriminação étnico-racial, religiosa,
geracional, orientação sexual e identidade de gênero ou quaisquer outras formas
de preconceito”; e a “inclusão da temática da orientação sexual e identidade de
gênero nos processos de educação permanente desenvolvidos pelo SUS”.

“Esse [a portaria], para mim, é o mais grave, porque ele
deixa em aberto, o que nunca existiu numa portaria, a questão de ideologia de
gênero. Ela botou todo o arcabouço da ideologia de gênero nos anexos, e aí eu
acho que isso é gravíssimo”, afirma o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). 

“Abre um precedente e tem financiamento público na
formação de médicos, de enfermeiros, fisioterapeutas, toda área da saúde com
dinheiro do SUS para esse tipo de política pública”, completa.

Sóstenes presidiu a frente evangélica em 2022 e
atualmente é o segundo vice-presidente da Câmara.

Ele disse ainda que, na reunião, o líder do governo se
mostrou surpreso com a extinção da Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e
Prevenção às Drogas).

Guimarães teria afirmado na ocasião desconhecer esse ato,
acrescentando destinar emendas parlamentares para comunidades terapêuticas
conveniadas à Senapred, cujo acolhimento geralmente é baseado no isolamento,
abstinência e religiosidade. 

Após pressão de setores evangélicos, o governo Lula criou
o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, embora o governo diga que o
modelo está sob revisão.

Outro flanco de ataque dos evangélicos é contra a
criação, por decreto, de um grupo interministerial para elaborar políticas de
enfrentamento à discriminação contra religiões de matriz africana.

“Nós respeitamos todas as religiões e queremos que todas
as religiões sejam respeitadas. Porém nós não podemos fazer uma ação de uma
religião em detrimento da outra. Acho que todas, de igual modo, têm a mesma
liberdade, até para fazer preleções a favor ou em detrimento uma da outra”,
afirma o atual presidente da frente, o deputado Eli Borges (PL-TO).

Além da portaria e do decreto, o documento entregue pela
bancada a Lira e a Guimarães contém outras 11 normas baixadas pelo governo em
março, com o título “decretos com gênero”.

Entre eles, estão: 1) o que instituiu o grupo de trabalho
para a elaboração do Programa Nacional de Ações Afirmativas; 2) o que cria uma
cota para negros no preenchimento de cargos em comissão na máquina federal; 3)
o que institui o Programa Mulher Viver sem Violência; 4) e o que estabelece
procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami -que contém a proibição “do
exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas”.

Eli Borges afirma haver pontos positivos e negativos em
todas essas medidas, mas que elas deveriam ser tratadas pelo Congresso, não por
normas editadas pelo governo sem participação do Legislativo.

“Quando se olha a lista de decretos do presidente Lula e
de portarias que vêm de ministérios, nós percebemos que ele está em um esforço
hercúleo para governar através de decretos e portarias, sem respeitar o Poder
Legislativo. Parte desses decretos tem a política que nós discordamos dela. A
política afirmativa, que tem que nascer do Parlamento”, diz o deputado

A bancada evangélica reúne mais de 100 dos 513 deputados
da Câmara e, historicamente, tem se colocado como adversária dos partidos do
campo da esquerda.

Em 2015, por exemplo, a bancada foi uma das principais
propulsoras do chamado “kit gay”, uma fake news que se espalhou na primeira
gestão de Dilma Rousseff (2010-2014).

Parlamentares e grupos religiosos afirmavam na ocasião
que o governo do PT estaria distribuindo material pornográfico a crianças do
ensino fundamental.

Na verdade, o kit, à época sob análise do Ministério da
Educação, era direcionado a professores e alunos do ensino médio e integrava o
programa Escola Sem Homofobia, cujo objetivo era combater o preconceito nas
escolas.

Elaborado por ONGs contratadas mediante convênio e após
cobrança do Ministério Público Federal, o material incluía um caderno
direcionado aos gestores, boletins destinados aos estudantes e vídeos.

Jair Bolsonaro (PL) foi um dos políticos que estimularam
as notícias falsas sobre o kit, tendo se projetado nacionalmente a partir desse
caso, como ele próprio afirmou em várias notícias posteriores. Em seu governo,
ele contou com amplo apoio dos evangélicos

Já o governo Lula é aprovado por 38% da população
brasileira neste início de gestão, mas entre os evangélicos esse percentual cai
a 28%, como mostrou a mais recente pesquisa do Datafolha.

MINISTÉRIOS DIZEM QUE NORMAS SÃO URGENTES E FUNDAMENTAIS

Procurados, Arthur Lira e José Guimarães não se
pronunciaram.

O Ministério da Saúde afirmou considerar fundamental o
debate entre os Poderes, mantendo constante diálogo com o Congresso.

“Sobre o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e
Valorização das Trabalhadoras do Sistema Único de Saúde (SUS), a iniciativa
trata do enfrentamento às desigualdades de gênero e raça, discriminação e
preconceito de qualquer tipo de violências a trabalhadoras e trabalhadores de
saúde”, disse a pasta, acrescentando que as mulheres representam 74% da força
de trabalho no SUS. 

“As ações previstas pelo programa vão ampliar as
condições necessárias à prática da equidade.”

O ministério deu uma resposta inicial que,
posteriormente, afirmou ter sido enviada de forma equivocada. O texto foi
atualizado.

O Ministério da Igualdade Racial afirma que é preciso
“apresentar uma solução para os crescentes casos de invasões a terreiros de
candomblé, umbanda e outras religiões de matriz africana”.

De acordo com dados enviados pela pasta, de 2015 a 2018
foram registrados 3.288 casos de racismo religioso, “sem contar que os
homicídios (seis, em 2016 no Pará) e a expulsão de lideranças religiosas dos
territórios de favelas e bairros periféricos não têm sido contabilizados” 

“O decreto faz-se necessário nesse momento. Não impedindo
então, de qualquer forma, que a matéria seja foco de discussão no Congresso
Nacional a partir da sociedade. Inclusive, acreditamos que no futuro o Estado
brasileiro possa aprovar um projeto de lei que promova mecanismos de combate ao
racismo religioso e promoção da liberdade de crenças e religiões no Brasil.”

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