12/11/2025

Contradições na pauta climática ameaçam protagonismo do Brasil na COP30

Área desmatada na Amazônia: Proposta que tramita no Congresso abre brechas para isenção de análise prévia de licenciamento, especialistas veem texto com preocupação - (crédito: Daniel Beltra/Greenpeace)

Novo marco do licenciamento, os ataques à ministra Marina Silva e a insistência na exploração de petróleo na Amazônia colocam em xeque a credibilidade do país

Dividido entre o discurso e a prática, o Brasil prepara-se para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, tentando firmar-se como liderança global na agenda climática, ao passo que assume o protagonismo de um desmonte interno sem precedentes na sua governança ambiental.

No Congresso Nacional, o novo marco do licenciamento o Projeto de Lei 2.159/2021 — aprovado em tempo recorde —, os ataques à ministra Marina Silva e a insistência na exploração de petróleo na Amazônia colocam em xeque a credibilidade do país e expõem um conflito profundo entre interesses imediatos e compromissos com o futuro.

Apesar da redução expressiva de 32,4% na área desmatada em 2024, com quedas registradas em cinco dos seis biomas brasileiros, segundo o Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do MapBiomas, especialistas alertam que os avanços podem ser comprometidos caso o PL seja sancionado. A proposta abre brechas para isenção de análise prévia em diversas obras e empreendimentos.

Nas vésperas da data que celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, no próximo dia 5, especialistas ouvidos pelo Correio veem com preocupação as decisões que o país vem tomando na pauta ambiental.

Para o doutor em economia ambiental Sérgio Margulis, professor da ESPM, o argumento de que o novo marco “destrava o crescimento” é enganoso e datado. “Essa balela de que os rigores ambientais atrapalham a economia já tem 50 anos. Estamos em 2025 e ainda repetem o discurso de que o meio ambiente e o desenvolvimento são antagônicos. É uma afronta ao conhecimento acumulado desde a Rio-92”, critica.

Segundo ele, o licenciamento não é obstáculo, mas um ativo que garante segurança jurídica, previsibilidade e proteção contra desastres. “O bom empresário quer leis claras, rígidas e aplicadas com honestidade. Quem foge disso é o mau empresário, aquele que quer economizar às custas da destruição ambiental”.

O professor do curso de Ciências Ambientais Marcelo José de Oliveira, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), alerta que a precariedade das estruturas ambientais nos estados e municípios torna a aprovação do novo texto ainda mais arriscada. “Nosso sistema já é frágil. Aqui no Norte, muitos municípios sequer têm técnicos capacitados para analisar projetos de impacto. Em vez de fortalecer os mecanismos existentes, o projeto afrouxa ainda mais o controle, o que pode aumentar a vulnerabilidade de comunidades inteiras”, afirma. Ele observa que a descentralização sem suporte técnico e financeiro pode gerar “licenciamentos por conveniência” e ampliar os riscos de degradação.

O ambientalista Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que o PL faz parte de um pacote maior que visa desmontar a legislação ambiental brasileira. “É um ataque sistêmico. Estão aprovando uma série de projetos que fragilizam o licenciamento, a fiscalização, a proteção da biodiversidade e até a própria capacidade do Estado de punir crimes ambientais”, denuncia.

Para Astrini, o texto aprovado não tem conserto. “Estamos diante de um momento-chave. A única saída para impedir esse desastre é o veto presidencial. O presidente Lula terá que escolher entre ceder ao Congresso ou manter sua coerência com os compromissos de campanha e com a liderança que o Brasil pretende exercer na COP30”, frisa.

Além dos riscos ecológicos, os especialistas alertam para os custos sociais e fiscais que vêm com a flexibilização. “Brumadinho e Mariana nos mostraram que tragédias ambientais não custam apenas vidas e territórios. Elas custam bilhões aos cofres públicos e condenam municípios inteiros à estagnação. O que se está fazendo agora é jogar os riscos para frente e sobre os mais pobres”, denuncia Sérgio Margulis.

Margem Equatorial

Enquanto o mundo discute a transição energética e a redução acelerada do uso de combustíveis fósseis, o Brasil aposta alto em explorar petróleo em uma das regiões mais sensíveis do planeta, localizada nas proximidades da foz do rio Amazonas. O tema se tornou central no debate ambiental brasileiro, envolvendo interesses econômicos, disputas eleitorais, embates técnicos e alertas internacionais sobre riscos climáticos e ecológicos.

Para o engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o Dia Mundial do Meio Ambiente de 2025 transformou-se em mais do que uma data comemorativa, tornando-se um alerta. “Mais do que celebrar ou lamentar, é hora de jogar luz sobre a realidade ambiental do país. O que está em jogo não é apenas a reputação internacional do Brasil, mas o equilíbrio climático, a justiça social e a própria capacidade de o país exercer um papel de liderança em um planeta em crise”, ressalta.

Viana destaca os riscos estratégicos da escolha brasileira, explicando que o bioma é único no mundo, e isso já seria um suficiente para os cuidados serem redobrados. “A chance de um vazamento em alto-mar, nessa região, significaria uma catástrofe ambiental com impactos incalculáveis”, alerta.

Ele também aponta o paradoxo de um país com alto potencial em energia renovável — solar, eólica, biomassa — insistir em investir em fontes fósseis. “O Brasil é referência mundial em biocombustíveis. Por que não apostar nisso, em inovação, em soluções baseadas na natureza?”, indaga.

Para Margulis, a decisão é um “erro estratégico sem retorno econômico”, que pode comprometer a credibilidade do país às vésperas de um evento internacional decisivo. “Está sendo feita no momento errado, com base em uma lógica atrasada e em nome de um petróleo que, quando for extraído, já terá perdido seu valor de mercado”, alerta. Ele ressalta que levará de 12 a 15 anos para o petróleo começar a ser produzido. “Em 2040, o mundo estará em plena descarbonização. O petróleo mais barato e de extração simples será o único competitivo. O da Margem Equatorial, profundo e caro, não terá espaço.”

O professor da Unifap, Marcelo José de Oliveira, adota uma visão mais pragmática, refletindo o dilema das regiões periféricas da Amazônia. Para ele, o estado do Amapá vê na exploração petrolífera uma chance de inserção econômica e social. “Somos uma das regiões com piores indicadores de saneamento, emprego e desenvolvimento humano. Há uma expectativa legítima de que esse investimento possa gerar receita, empregos e infraestrutura”, afirma.

Oliveira, no entanto, reconhece os riscos e defende que a universidade, os órgãos ambientais e as instituições locais estejam preparadas para atuar na regulação e fiscalização. “Nada disso será positivo se não houver governança. Precisamos garantir que os possíveis royalties sejam aplicados em educação, saúde, pesquisa, e que os impactos socioambientais sejam minimizados.”

A divergência entre os especialistas expressa um dilema mais profundo, como equilibrar desenvolvimento econômico, soberania energética e preservação ambiental em uma região estratégica para o planeta. A decisão de autorizar ou não a exploração divide até mesmo membros da base governista e se tornou um tema sensível na relação entre o Palácio do Planalto, o Ibama e a Petrobras.

COP30

Prevista para acontecer em novembro, em Belém, COP30 é vista por especialistas como uma chance única de o Brasil recuperar seu protagonismo ambiental diante do mundo. No entanto, mesmo enxergando o potencial simbólico do evento, eles alertam para a fragilidade política e institucional do país na condução de sua agenda climática interna.

Para Márcio Astrini, o Brasil não terá autoridade moral na Conferência do Clima se mantiver a política de retrocessos, como a aprovação do novo marco do licenciamento. “Liderança climática se constrói com exemplo. Não adianta querer posar de protagonista internacional enquanto desmonta a legislação ambiental em casa. O mundo está vendo”, adverte.

O engenheiro florestal Virgílio Viana destaca que o evento pode ser o momento mais importante da história recente do Brasil na pauta ambiental, mas exige decisões ousadas e coerentes. “Não se trata apenas de organizar um evento. Trata-se de apresentar ao mundo um plano claro, concreto e ambicioso para a transição ecológica. E isso só será possível se o governo abandonar a ambiguidade e assumir com coragem a liderança que diz desejar exercer”, frisa.

O sociólogo e doutor em Ciência Políticas, Jorge Chaloub, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), complementa que o Brasil possui potencial para ser referência no mundo, mas que suas decisões políticas sobre o tema ambiental podem trazer consequências negativas. “O Brasil tem potencial para ser um modelo de país que concilie biodiversidade, democracia e justiça climática. Mas isso depende de escolhas políticas. A COP30 será o palco onde o país poderá reafirmar ou perder esse papel. E o tempo está correndo”.

Tribuna Livre, com informações da Agência Estado

Leia também
logoMPDFT-4
Codhab aprimora transparência em projetos habitacionais com novos treinamentos
logo2
Debate sobre danos ambientais no park way ocorre hoje em audiência
f1280x720-162560_294235_5050
A confusa história do motorista que parou o rodoanel com "bombas"
logoMPDFT-3
Gama: homem é condenado por homicídio após 25 anos de fuga
COP30: manifestantes entram em confronto com seguranças da ONU em Belém
COP30: manifestantes entram em confronto com seguranças da ONU em Belém
image-400-234eaa2f99dd986a2c56a467cf0e99c8
Estão abertas inscrições para o programa maria da penha vai à escola
f1280x720-132853_264528_5050
Lula assina decreto para alterar regras dos vales-alimentação e refeição
logoMPDFT-2
Namoral: mpdft reconhecido por iniciativa em defesa da integridade
f1280x720-159996_291671_5050
Falta de sensibilidade: são paulo critica decisão do stf sobre mototáxis
f1280x720-162214_293889_5050-1
Cúpula dos povos: vozes da sociedade civil ecoarão na cop30
Governadores criticam Lula em evento da Confederação Israelita
Governadores criticam Lula em evento da Confederação Israelita
Vagão em chamas: trem em movimento é incendiado na Baixada Santista
Vagão em chamas: trem em movimento é incendiado na Baixada Santista. 

Panamá apreende 12 toneladas de cocaína no Pacífico

País é uma das rotas de contrabando que levam drogas provenientes da Colômbia até os Estados Unidos O Panamá realizou uma das maiores apreensões de drogas de sua história, ao confiscar cerca de 12 toneladas de cocaína em uma embarcação no Pacífico que se dirigia aos Estados Unidos, informaram as

Leia mais...

Governo dos EUA está à beira de encerrar shutdown histórico

Depois de 43 dias, o maior shutdown da história do país pode ter fim, nesta quarta-feira, e deixar US$ 11 bilhões em prejuízos permanentes à economia. Câmara dos Representantes deve se reunir para votar orçamento com democratas divididos A declaração de alívio foi proferida pelo presidente Donald Trump durante cerimônia

Leia mais...

PL quer enquadramento de criminosos como terroristas

Deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do partido na Câmara, afirma que proposta do Poder Executivo não traz paz para o cidadão. E assegura que não haverá redução nas atribuições da PF O líder do Partido Liberal (PL), deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), acompanhou nesta terça-feira (11) a coletiva do presidente da

Leia mais...

Manifestantes tentam invadir área da COP

O grupo quis acessar a área restrita na cúpula de Belém e foi contido pela segurança. Após tumulto, espaço foi isolado Uma confusão terminou em correria e quebra-quebra no acesso à Zona Azul da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP30), em Belém, nesta terça-feira (11). Manifestantes tentaram acessar a área

Leia mais...

Ia contra ia: nova técnica dificulta criação de deepfakes

Uma colaboração entre a Polícia Federal Australiana (AFP) e a Universidade Monash resultou no desenvolvimento de uma tecnologia que visa combater o uso indevido da inteligência artificial. A ferramenta, denominada “Silverer”, emprega uma técnica inovadora conhecida como envenenamento de dados, com o objetivo de frustrar as ações de indivíduos mal-intencionados

Leia mais...

A sua privacidade é importante para o Tribuna Livre Brasil. Nossa política de privacidade visa garantir a transparência e segurança no tratamento de seus dados pessoais.