Apesar da inclusão do presidente da Câmara na comitiva que foi à Assembleia da ONU, em Nova York, Parlamento quer ver cumpridas as promessas do governo. Ou seja: mais espaços nos postos de decisão
Nova York — A pauta internacional brasileira e a vontade de mostrar aos investidores um Brasil unido em prol do desenvolvimento sustentável e de medidas relacionadas à responsabilidade fiscal não foi o único motivo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para ocupar duas das três cadeiras na bancada do Brasil no Plenário das Nações Unidas. Lula, segundo informam autoridades brasileiras, quer ainda que ambos entendam que nem tudo pode ser levado a ferro e fogo, sob pena de comprometer investimentos no país.
No caso de Pacheco, avaliam alguns, a relação é mais tranquila. Mas, no caso de Lira, as cobranças explícitas de cargos causa desconforto. Na véspera do discurso de Lula nas Nações Unidas, por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma entrevista em que o presidente da Câmara diz, com todas as letras, que o acordo era para que o PP recebesse a Caixa
Só tem um problema: a vice-presidência de Habitação da Caixa, considerada uma das joias da coroa, está ocupada atualmente por Inês da Silva Magalhães e há resistências até dentro do governo em substituí-la. E é esse o cargo mais cobiçado, principalmente depois que o Conselho Curador do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) ampliou de R$ 68,1 bilhões para R$ 96,9 bilhões os recursos disponíveis para reforçar o caixa do Minha Casa Minha Vida. No governo, há quem diga que os congressistas precisam entender que nem tudo pode ser na base do toma lá dá cá, que existe um projeto em curso e que as coisas precisam ser negociadas sem essa pressão da “faca no pescoço” para substituir quem quer que seja.
No Parlamento, porém, o que se ouve é que se o Executivo quer que se tenha mais calma para mostrar unidade lá fora, precisa, ao menos, respeitar o pactuado pelos seus líderes no Legislativo. O veto parcial à lei do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), tirando boa parte do que havia sido objeto de acordo no Congresso, é considerado preocupante por muitos líderes. Foi vetada, por exemplo, a redução de multas para os contribuintes que adotassem providências para sanar ações ou omissões durante o curso da fiscalização. Parlamentares reclamam que não dá para o governo fazer combinações para a aprovação de propostas e, depois, na hora da sanção do projeto, desconhecer esses acertos.
Esta semana, antes da cirurgia de Lula, será a hora de governo e Congresso tentarem acertar os ponteiros. Lira e Pacheco, além de assento na bancada do Brasil na ONU, também tiveram tempo de conversar com Lula em Nova York. Eles participaram do jantar com empresários, no domingo passado.
“Tête-à-tête”
Segundo relatos, os presidentes da República e da Câmara conversaram por um bom tempo sozinhos, mas não voltaram para o Brasil no mesmo avião. A relação entre ambos ainda não chegou à sintonia total, e talvez não chegue. Mas o alinhamento e respeito mútuo estão sendo construídos. Porém, casos como o dos vetos do Carf fazem com que a relação volte alguma casas. Em pelo menos dois debates, o do BTG Pactual e o do grupo Esfera, Lira foi incisivo ao dizer que o Congresso faria alterações na proposta e esperava respeito às decisões do Legislativo.
“Há que se ter o respeito da Receita Federal pelo texto aprovado pelo Congresso Nacional”, disse, contando que as resoluções não se dessem “ao arrepio do texto e à vontade do legislador”.
O caso do Carf é o mais emblemático até o momento e, a contar pela reação do setor produtivo, vai gerar ainda muita dor de cabeça na relação entre os Poderes e na confiança do mercado. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que congrega mais de 440 empresas, emitiu nota em que lamenta os vetos feitos pelo Poder Executivo ao PL do Carf.
“O Congresso Nacional melhorou o PL 2.384/23 ao incluir diversos aprimoramentos no ambiente de negócios, como, por exemplo, aqueles relacionados ao sistema de garantias e ao novo marco legal de multas. As melhorias — que iriam promover uma verdadeira reforma no contencioso tributário do país — foram vetadas com a justificativa de que são ‘contrárias ao interesse público’, mesmo após um longo debate legislativo”, salienta a Abrasca, em nota.
A posição da associação diz, ainda, que a parte vetada reduzia o custo com garantias para contribuintes, criava critérios objetivos para a aplicação de multas pela Receita Federal e estabelecia penalidades em linha com as práticas internacionais. “As medidas ainda incorporavam ao ordenamento jurídico a jurisprudência criada pelo STF de que as multas acima de 100% hoje aplicadas são confiscatórias e inconstitucionais”, observa.
(crédito: Reprodução/Canal Gov)
Pacheco e Lira no Plenário da ONU. Deputado deixou claro que está mais preocupado com questões dentro de casa — como cargos, por exemplo –