Presidente Lula deve priorizar agenda regional nos
primeiros meses de governo. Contudo, contexto global e interno devem impor
desafios
Na primeira
semana de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou que
adotará ações para retomar uma política externa que prioriza a integração na
América do Sul. A liderança regional, fio condutor da diplomacia nos governos
do petista, deve voltar repaginada — na tentativa de reconstruir a imagem
brasileira. Além disso, o novo governo busca recuperar o protagonismo mundial
do país, reaproximando-se de integrantes da União Europeia.
Em um claro
contraste à postura de Jair Bolsonaro (PL), que deu as costas aos países
vizinhos, Lula teve encontros bilaterais com 10 chefes de Estado no primeiro
dia de governo. Entre eles, seis líderes da América Latina e dois da União
Europeia.
O Itamaraty
anunciou o retorno brasileiro à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac), e deve repetir o feito com a União das Nações
Sul-Americanas (Unasul). Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
afirmou que o governo estuda criar uma moeda comum para transações comerciais
no Mercosul.
O
reposicionamento do país no próprio continente é fundamental para restabelecer
uma governança regional, proposta desenhada no plano de governo Lula.
Especialistas consultados pelo Metrópoles alertam para a necessidade de
inovação em termos econômicos. O mapa político e a agenda sul-americana são bem
diferentes de anos atrás, quando o petista deixou o Planalto.
A diplomacia
brasileira precisará enfrentar desafios como o avanço da China nos mercados da
América do Sul e a ascenção da extrema direita no continente. Obstáculos
somados à ameaça de recessão no hemisfério norte, em função da guerra na
Ucrânia, e a necessidade de uma revitalização do Mercosul, bloco com mecanismos
ainda engessados.
Polarização e
avanço da China
Segundo o professor
de relações internacionais Roberto Menezes, da Universidade de Brasília (UnB),
a política externa dos próximos quatro anos voltada para a América Latina
deverá se pautar, sobretudo, por quatro eixos.
São eles: a
manutenção da paz na região; o desenvolvimento regional a partir da
prosperidade compartilhada; a volta da retórica em prol da justiça social; e a
priorização da agenda ambiental.
No entanto,
cenário atual é bastante distante daquele de 20 anos atrás, quando Lula chegou
ao Planalto. Enquanto, em 2003, Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul
(que formam o bloco Brics) despontavam como promessas, hoje há uma polarização
entre duas superpotências mundiais: EUA e China.
Deslocada, a
Rússia foi reposicionada como principal adversária das nações europeias em
razão da guerra na Ucrânia, que já dura 10 meses. O conflito tem impacto
negativo sobre a economia dos países europeus, o que diminui a margem para que
países ricos se comprometam com metas financeiras mais ambiciosas.
Atualização do
Mercosul
Voltar a agenda
diplomática para questões regionais é, mais que um assunto ideológico ou de
cunho patriótico, uma diretriz fundamentada economicamente. Empresas
brasileiras estão perdendo espaço para os chineses, portanto, o foco é
recuperar esse espaço perdido da indústria brasileira no nosso principal
mercado, que é a América do Sul, segundo Menezes.
“O Mercosul não
deve ser considerado como um fardo, apesar das dificuldades, mas sim um espaço
privilegiado para o Brasil conseguir implementar uma estratégia de
desenvolvimento”, argumenta. “Um país não pode ficar preso à sua região, porém,
nesse contexto, deve tratá-la como prioridade”.
No início dos
anos 2000, foi discutida a criação de uma moeda única para a América Latina.
Agora, o novo ministro da Economia, Fernando Haddad, defendeu a criação de uma
moeda para incentivar o comércio intrarregional.
O cientista
político Leonardo Paz, da Fundação Getúlio Vargas, pondera que “reeditar
propostas de governos anteriores, sem muitas novidades, pode ser um pouco
problemático”.
Antes da criação
de uma moeda para transações dentro do bloco, o professor sugere que o Mercosul
precisa de modificações estruturais. Entre elas, encontrar maneiras de
contornar as disparidades dos países integrantes.
“O bloco é muito
engessado, e tem uma dificuldade muito grande de organizar acordos comerciais
com outros parceiros. É preciso dar mais ênfase ao grupo no sentido de liderar
uma agenda de inovação, tonando ele mais simples e prático. Além disso, fazer a
engrenagem rodar melhor. Se for mais do mesmo, é ruim. Torná-lo mais inovador e
pragmático, por outro lado, seria positivo”.