O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, deve enfrentar moção de desconfiança contra seu governo votada no Parlamento
O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, deve enfrentar uma moção de desconfiança contra seu governo votada no Parlamento. Caso o voto tenha maioria, novas eleições devem ser convocadas no país.
A crise que envolve Montenegro foi desencadeada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de propriedade de sua família, que provocou acusações de conflito de interesse.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa é quem deve decidir pela dissolução da Assembleia da República e convocação de novas eleições. Antes mesmo da votação no Parlamento, Rebelo de Sousa admitiu que se o governo cair, “a primeira data possível” para o país ir às urnas seria entre 11 e 18 de maio.
Luís Montenegro é o líder do Partido Social Democrata (PSD) e da Aliança Democrata (AD), que o alavancou ao poder.
O primeiro-ministro comanda um governo frágil, de minoria, desde abril de 2024 – os partidos de oposição, PS e Chega, controlavam 128 dos 230 assentos do Parlamento, contra 80 do PSD.
O caso que contra Montenegro
Todo o caso foi desencadeado por revelações, feitas pelo jornal português Correio da Manhã, de que a mulher e os filhos de Luís Montenegro são sócios de uma empresa de consultoria de proteção de dados e compra e venda de imóveis chamada Spinumviva.
Entre os clientes da companhia estaria um grupo de cassinos, cujos contratos de concessão devem ser renovados pelo governo até o final deste ano.
A empresa também foi acusada de se beneficiar de uma lei aprovada em 2024 que mudou as regras sobre construção de casas em áreas rurais.
O primeiro-ministro foi o fundador e detinha a maior parte da companhia até 2022, quando deixou a Spinumviva e transferiu suas quotas para os familiares um mês depois de ter sido eleito presidente do PSD.
Críticos, porém, afirmam que ainda há conflito de interesse, já que Montenegro é casado em comunhão parcial de bens e ainda poderia se beneficiar dos lucros da empresa.
O líder da oposição socialista, Pedro Nuno Santos, acusou Montenegro de “receber pagamentos de empresas” enquanto era primeiro-ministro porque os clientes da Spinumviva continuaram a pagar à consultoria.
No final de fevereiro, o jornal Expresso noticiou que a Spinumviva recebe do grupo Solverde, uma empresa de cassinos e hotéis, pagamentos mensais de 4.500 euros desde julho de 2021.
Segundo a reportagem, a empresa da família de Montenegro prestava serviços de com¬pliance e proteção de dados pessoais ao grupo hoteleiro.
O jornal Correio da Manhã também já havia revelado que Montenegro foi advogado da Solverde no passado. A companhia confirmou que o primeiro-ministro teria trabalhado como seu representante jurídico entre abril 2018 e maio de 2022, antes de entrar para a política.
Durante esse período, a Solverde teria negociado com o governo português uma prorrogação de seus contratos de concessão para a exploração de jogos de cassino nas regiões do Algarve e Espinho.
O contrato de concessão chegará ao fim neste ano, ou seja, o governo de Montenegro seria o responsável por decidir o futuro da empresa se não tivesse sido destituído nesta terça-feira.
Crise política
Antes da moção de desconfiança, o líder do partido de oposição Chega, André Ventura, havia entrado com um pedido de moção de censura, uma outra iniciativa parlamentar que pode levar à queda do governo.
A solicitação de abertura não foi aceita, já que em um primeiro momento o PS votou contra para não provocar eleições.
Durante os debates sobre o pedido, Luís Montenegro deu explicações sobre o caso ao Parlamento e negou conflito de interesses, dizendo que criou a empresa com o objetivo de passá-la para os filhos.
Naquele momento, a relação da Spinumviva com o grupo de cassinos Solverde ainda não havia sido revelada pela imprensa portuguesa e o primeiro-ministro se recusou a divulgar a lista de clientes da companhia da família por questões de “sigilo”.
Mas depois das informações serem publicadas, Montenegro e seu partido anunciaram a abertura do debate da moção de censura contra seu próprio governo.
“O país precisa de esclarecimento político e este é o momento”, afirmou o primeiro-ministro após o anúncio, acrescentando que a “antecipação das eleições é um mal necessário”.
Durante o desenrolar do caso nas últimas semanas, a Ordem dos Advogados abriu uma investigação sobre e a Procuradoria-Geral da República revelou estar analisando uma denúncia anônima sobre os eventos.
Notícias sobre a compra de imóveis por Luís Montenegro e pelos seus filho também levaram o primeiro-ministro a pedir uma auditoria sobre suas declarações de rendimentos.
Segundo observadores, o caso reforçou a percepção da população de corrupção generalizada na política portuguesa.
As últimas eleições gerais de Portugal, realizadas há um ano, foram desencadeadas pela renúncia em novembro de 2023 do primeiro-ministro socialista, António Costa, após uma investigação ter sido lançada sobre supostas ilegalidades na gestão de grandes projetos de investimento verde por sua administração.
Costa — que estava no cargo desde 2015 e que conquistou uma surpreendente maioria absoluta nas eleições gerais de 2022 — não foi acusado de nenhum crime. Ele disse que, embora sua consciência estivesse limpa, sentiu que não tinha escolha a não ser renunciar porque os “deveres de primeiro-ministro não são compatíveis com qualquer suspeita de minha integridade”.
Tribuna Livre, com informações da BBC News