A atuação da Força Terrestre é ampla e abrangente, cobrindo nosso
território de dimensões continentais com o braço forte e a mão amiga, o que
exige tomada de decisões desde os níveis político e estratégico aos ambientes
operacional e tático.
Blog do Exército Brasileiro.
General Richard Fernandez. Foto:Divulgação
Em abril do ano passado, em artigo publicado no Blog do
Exército Brasileiro, provoquei o pensamento crítico dos leitores com a cunhagem
do acrônimo PSIC, para caracterizar o ambiente informacional da atualidade.
Decorridos dez meses, retorno ao tema, por constatar que
a precipitação, a superficialidade, o imediatismo e a conturbação atingiram
patamares consideráveis, devido ao comportamento de muitos civis e militares,
quando o assunto abordado é o papel desempenhado pelas Forças Armadas no cenário
nacional.
Tratando especificamente do Exército Brasileiro, cabe
relembrar que sua História, cuja gênese remonta às Batalhas dos Guararapes,
confunde-se com a própria evolução histórica do País. A atuação da Força
Terrestre é ampla e abrangente, cobrindo nosso território de dimensões
continentais com o braço forte e a mão amiga, o que exige tomada de decisões
desde os níveis político e estratégico aos ambientes operacional e tático. A
cada um desses níveis correspondem especificidades no que tange ao estudo de
situação e à liderança. É bem sabido que não há solução tática capaz de
corrigir uma formulação estratégica inadequada. E é indispensável destacar que
só se chega aos mais altos postos percorrendo-se todos os graus hierárquicos,
após décadas de dedicação à carreira das armas. Ninguém ingressa no Exército
como general!
Essa óbvia constatação é importante para que se
compreenda o contexto ético-profissional que distingue a carreira militar.
Hierarquia e disciplina, bases institucionais constantes em nossa Lei Magna,
representam a própria essência da força armada. São conceitos que traduzem o
exato cumprimento do dever e o respeito à cadeia de comando, composta por
autoridades, em todos os escalões da estrutura da Força, que alcançam
determinada posição, tendo experimentado as vicissitudes de seus subordinados.
Esse arcabouço ético também é composto pelos valores
indispensáveis a quem se dispõe a seguir a vida militar: patriotismo, coragem,
lealdade, camaradagem, espírito de corpo, fé na missão, entre outros. Esses
valores, ainda que universais, podem manifestar-se de modo distinto, conforme o
nível de atuação considerado. A coragem esperada de um comandante tático, por
exemplo, não se expressa da mesma forma que a de um líder no nível estratégico.
Semelhante na essência, distingue-se na demonstração. Se do primeiro se requer
o acatamento imediato da ordem recebida para conduzir seus subordinados ao
cumprimento da missão; do outro se espera firmeza na defesa de princípios e
valores, de tal forma que, por vezes, dizer “não” pressupõe muito
mais coragem do que alinhar-se a eventuais pressões de caráter político.
E o que o Mundo PSIC tem a ver com isso? Tudo! Pois é
exatamente na dimensão informacional que temos assistido a condutas em
desacordo com a ética militar por parte daqueles que, por indignação,
ingenuidade, desconhecimento e, até mesmo, má-fé, têm contribuído para
disseminar a desinformação, a relativização de valores e, consequentemente, a
desunião que enfraquece o espírito de corpo. Fica a pergunta: a que interesses
servem tais pessoas?
Analisando-se o que têm expressado, via de regra em
mídias sociais e aplicativos de mensagens, que adicionaram a comodidade do
anonimato a esse tipo de atitude, facilmente se identificam as componentes
PSIC.
A precipitação é marca típica desse ambiente repleto de
meias-verdades e fake news, onde se disparam e replicam mensagens sem a menor
preocupação com a veracidade dos fatos e a idoneidade das fontes. Toma-se como
verdade, de modo absolutamente irresponsável, conteúdos com juízos de valor
destinados ao ataque a reputações e à crítica a decisões dos escalões
superiores. Iniciado o processo, que é realimentado por “gatilhadas” digitais,
o que se produz é uma verdadeira marcha da insensatez. A um militar que se preza
não se permite essa falta de cuidado e de lealdade para com a instituição a que
serve.
A superficialidade é outro aspecto dissonante do
comportamento ético. A atividade militar é, por natureza, grave e complexa. Em
tempos de paz ou de conflito armado, lida-se com o poder dissuasório da Nação.
Soluções simples para problemas complexos não são a regra. Tratar o emprego do
Exército com base em análises simplórias de “especialistas” de
ocasião, é o caminho mais seguro para se chegar a concepções inoportunas, parciais
e ineficazes, o que é inadmissível por quem quer que tenha um mínimo de
seriedade no processo de tomada de decisão. Quando um militar extrapola a
esfera de suas atribuições, e passa a opinar publicamente sobre o que não é de
sua competência, contribui para o descrédito na cadeia de comando e no
cumprimento da missão.
O imediatismo, por princípio, não se coaduna com o
caráter permanente atribuído às forças armadas no texto constitucional. A
relação custo-benefício de se trocar ganhos imediatos por duradouros resultados
positivos costuma caracterizar vitória de Pirro. Os preceitos da ética militar
indicam claramente que não se pode prejudicar a reputação e a credibilidade do
Exército, conquistadas em séculos de História, por conta do oportunismo de uns
e do jogo de interesses de outros, algo que tem sido observado em inúmeras
postagens veiculadas em tempos recentes.
A conturbação talvez seja o aspecto mais danoso do Mundo
PSIC. A excessiva polarização da sociedade e a atuação dos extremos do espectro
ideológico no ambiente informacional têm gerado visões radicais, resultando num
círculo vicioso de intolerância e de absoluta ausência de diálogo. Essa
situação é inaceitável aos membros de uma instituição apartidária, que se
orgulha de oferecer oportunidades a todos os brasileiros, sem distinção de
classe social, raça, gênero e credo. O inconformismo com a tradicional postura
legalista e de neutralidade do Exército tem dado ensejo a insultos a camaradas
de longa data, ataques a reputações típicos de regimes totalitários,
“vazamentos” de supostas informações, divulgação de memes
difamatórios, tudo para tentar atingir a coesão da Força, em flagrante traição
ao sacrossanto respeito à hierarquia e à disciplina.
Sendo os recursos humanos a força da nossa Força, é
imperioso reafirmar diuturnamente a essencialidade da prática e do culto aos
princípios e valores característicos da profissão militar para o aprimoramento
da capacidade operacional necessária ao cumprimento de suas diversas missões.