02/06/2025

Análise: Lula fala sobre quase tudo, menos sobre a Venezuela

Presidente Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU - (crédito: Ricardo Stuckert/PR)

“Também não foi o melhor momento para Lula falar sobre sustentabilidade, por causa da crise climática no Brasil, tomado por incêndios florestais e muita fumaça nas cidades”, observa o jornalista

O presidente Luiz Inácio Lula, ontem, na abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), defendeu a reforma da entidade, o controle nacional sobre as redes sociais, a sustentabilidade do planeta, o combate à fome e o fim das guerras da Ucrânia e Gaza. Novamente, se colocou como voluntário à negociação dos conflitos e porta-voz do chamado Sul Astral, os países emergentes do hemisfério.

Lula discursou por quase 20 minutos e seguiu um roteiro preparado pela equipe de diplomatas que o acompanhou, entre os quais o chanceler Mauro Vieira e o assessor especial Celso Amorim. Entretanto, passou ao largo do tema mais polêmico do subcontinente, as eleições da Venezuela, um mico no seu colo.

O alvo das críticas de Lula sobre as redes sociais foi o quase trilionário Elon Musk, dono do X, cuja atuação no país está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente defendeu o direito de cada país “legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”. Segundo Lula, “a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”.

Ele defende a regulamentação das redes sociais e da atuação das “big techs”. O viés nacionalista do discurso de Lula, porém, esbarra no debate sobre a liberdade de opinião, um dos temas do enfrentamento de Musk com o ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a atuação da rede por não submeter- se à legislação brasileira.

Sobre a Palestina, Lula não falou de genocídio, holocausto e crimes de guerra, como em ocasiões anteriores, o que gerou uma crise diplomática com Israel. Entretanto, classificou o que está acontecendo em Gaza e na Cisjordânia como “uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que, agora, se expande perigosamente para o Líbano”. Disse que “o que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”. Para Lula, o direito de defesa “transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”. Os diplomatas israelenses foram os únicos não aplaudiram.

O presidente brasileiro foi cauteloso ao tratar da Ucrânia. Disse que o Brasil condenou a invasão do território ucraniano pela Rússia, mas defendeu que os dois países abram negociações imediatas para acabar com a guerra. Recentemente, Lula conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin, que o cacifou para mediar o conflito, mas precisa combinar com Volodymyr Zelensky, os Estados Unidos e a União Europeia. Na prática, o Brasil está mais próximo da China e da Rússia do que do presidente Joe Biden nesta questão.

Uma reivindicação histórica da diplomacia brasileira foi reiterada por Lula: a reforma da ONU e do Conselho de Segurança, no qual o Brasil não tem um assento permanente. “A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, disse. “Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziadas e paralisadas”, acrescentou.

China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia são os membros permanente do Conselho de Segurança da ONU, que é formado por 15 membros. Como têm poder de veto, esses cinco países, os grandes vencedores da II Guerra Mundial, são os menos interessados na reforma do Conselho. E como são países com interesses estratégico-militares distintos e, geralmente, envolvidos em conflitos, exercem o poder de veto de acordo com os seus interesses, um fator de enfraquecimento da ONU, como ficou evidente nas guerras da Ucrânia e de Gaza.

Não foi o melhor momento para Lula falar sobre sustentabilidade, por causa da crise climática no Brasil, tomado por incêndios florestais e muita fumaça nas cidades. Na defensiva, disse que o governo brasileiro “não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse. Citou as enchentes no Rio Grande do Sul como um exemplo, junto aos incêndios, da necessidade de medidas mais urgentes e profundas dos líderes globais. A cobrança em relação à maior participação dos países ricos no enfrentamento das questões ambientais faz todo sentido.

Entretanto, o Brasil vive uma contradição entre a necessidade de preservar seus biomas e a intensificação da exploração de petróleo e produção de combustíveis fósseis. Os velhos compromissos de Lula com os líderes da esquerda latino-americana também impregnaram seu discurso na ONU. Subliminarmente, responsabiliza os países desenvolvidos por mais “uma década perdida”, como se as lideranças latino-americanas não fossem as grandes responsáveis por esse fracasso.

Manteve a tradicional crítica ao embargo dos EUA a Cuba — o Brasil, doutrinariamente, é contra medidas econômicas punitivas dessa ordem —, ressaltou a dramática situação do Haiti e, simplesmente, ignorou a Venezuela, cujo presidente, Nicolás Maduro, fraudou sua própria reeleição e persegue violentamente a oposição.

Pato manco

A participação do homem mais poderoso do mundo na Assembleia Geral da ONU, o presidente Biden, foi uma despedida da política internacional, a poucos meses das eleições norte-americanas. Ele foi um dos artífices do maior isolamento imposto à Rússia na Europa, desde a II Guerra Mundial, a partir da invasão da Ucrânia. Porém, expõe toda sua fraqueza na Guerra de Gaza, que agora se estende ao Líbano porque perdeu o controle sobre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Tribuna Livre, com informações da AFP

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