17/09/2025

Argentina em choque com vitória do ultradireitista Milei nas primárias

Extrema direita contraria analistas, vence as primárias, com o candidato antissistema Javier Milei, e provoca terremoto político

O mercado reagiu de forma negativa; o peso perdeu 18,3% do valor; o dólar oficial disparou e subiu 20 pontos percentuais; a perplexidade e a incerteza tomaram conta da terceira maior economia da América Latina e do terceiro principal parceiro comercial do Brasil. A vitória surpreendente do ultradireitista Javier Milei nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) desferiu um golpe no kirchnerismo, no peronismo e na esquerda do presidente Alberto Fernández. Com 97,39% das urnas apuradas, às 19h40 desta segunda-feira (14/8), Milei tinha 30,04% dos votos. A coalizão Juntos por el Cambio (oposição) obteve 28,27% dos votos — 16,98% para Patricia Bullrich e 11,29% para Horacio Larreta. A aliança kirchnerista Unión por la Pátria teve 27,27% — 21,40% para o ministro da Economia, Sérgio Massa, e 5,87% para Juan Grabois. Com isso, Milei, Massa e Bullrich estão confirmados como candidatos nas eleições de 22 de outubro.

Sem conseguir criar uma frente unificada, o kirchnerismo — a coalizão Juntos por el Cambio — não conseguiu convencer a sociedade argentina sobre sua capacidade de resolver os problemas. As duas alianças tradicionais também expuseram a incapacidade de solucionar as pendências do país. Para a analista política Mara Pegoraro, professora da Universidad de Buenos Aires (UBA), apesar de derrotada, a política tradicional tem mais cacife eleitoral do que Javier Milei.”O que tivemos no domingo foi uma foto de um panorama muito mais complexo”, observou. “O peronismo, em sua expressão de kirchnerismo, atravessa uma crise de renovação de dirigentes. Não está claro quem serão os novos líderes do peronismo, no formato que adotará. É o fim de um ciclo do kirchnerismo.” Pegoraro aponta uma desarticulação dos partidos tradicionais e uma provável desinstitucionalização do sistema partidário.

Facundo Galván, colega de Pegoraro na UBA, avalia que o triunfo de Milei nas primárias indica que a cidadania está enojada com a classe política tradicional. Um fenômeno que, segundo ele, não foi previsto nem pelos analistas nem pelos institutos de pesquisa. “Nas ruas, no entanto, é possível notar isso. A política tradicional tem preocupações que não são a do povo. Grande parte da cidadania se mostra silenciosa e não se expressou antes das primárias. Agora, abre-se uma conjuntura muito crítica, tanto para o oficialismo quanto para a principal oposição, a coalizão Juntos por el Cámbio. Ambos vivem um momento de profunda incerteza”, afirmou à reportagem. Ele considera fundamentais as estratégias de campanha de Milei, Massa e Larreta, a fim de ampliarem seus apoios eleitorais e tentarem chegar ao segundo turno.

O analista político Damian Deglauve, baseado em Buenos Aires, admitiu ao Correio que o terremoto causado por Milei na argentina foi muito contundente. “Mesmo sem um partido político e sem uma estrutura, ele conseguiu uma vitória em quase toda a nação, ao derrotar as duas coalizões formadas por partidos tradicionais”, avaliou. Segundo ele, o ultradireitista produz forte impacto na política tradicional. “Milei é alguém novo, um outsider, que ingressou bradando contra toda a classe política, superando o choro existente com um novo choro”, acrescentou. Ele reconhece que as duas coalizões tradicionais não têm sido bem-sucedidas em comunicar-se bem com a sociedade. Ele vê uma comunicação vertical, por parte de ambas, sem que escutassem e respondessem às demandas sociais captadas por Milei.

“O candidato da ultradireita colocou em xeque todos os conceitos da política argentina: o aparato partidário, os votos do kirchnerismo e o apoio aos partidos tradicionais. Todos esses temas eram interpelados pela juventude e pela classe trabalhadora, antes representadas pelo peronismo. O impacto da vitória de Milei é muito forte. Causa mais incerteza econômica, pois Milei não se mostra uma pessoa racional e se prende ao lado ecomocional”, acrescentou Deglauve.

Ainda segundo Deglauve, a economia pode responder de forma negativa ao triunfo de Milei. Isso porque a o peso segue em franca desvalorização e tem se mostrado uma moeda desgastada. “A Argentina precisa recorrer a ajustes monetários, a única ferramenta para freiar a inflaçõa. É preciso produzir bens e serviços para gerar renda e dividas. Com o êxito de Milei nas primárias, a decadência econômica pode avançar, mas de uma maneira que não cause profunda crise política nem leve a uma reação da sociedade. Os canais institucionais ainda podem gerar respostas e contenções.”

Também cientista político da UBA, Miguel De Luca afirmou à reportagem que os resultados das PASO de domingo (13/8) não foram previstos por nenhuma análise política. “Os prognósticos que atribuíram o maior nível de apoio a Milei ficaram bem aquém dos resultados obtidos por ele no contexto nacional. Nos últimos 40 anos, nenhum candidato sem uma organização implantada em todo o país pôde obter o patamar de votos conquistados por Milei. Até agora, contar com uma organização, com uma máquina política ou com um aparato partidário era algo fundamental. Milei mostrou que isso não é mais necessário”, disse.

De Luca acredita na possibilidade de Milei repetiir o triunfo, durante as eleições de outubro. “O segundo turno, na Argentina, é ganho com 45% dos votos ou com 40% mais 10% de diferença para o segundo colocado”, explicou.

Javier Milei discursa no quartel-general de sua campanha, logo depois da divulgação dos resultados, na noite de domingo: terremoto político põe em xeque a casta política

– (crédito: Alejandro Pagni/AFP)

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