Decisão de enviar munições de fragmentação para Kiev ocorre apesar das reservas de aliados. Governo dos EUA avalia desaceleração da contraofensiva e vê medida como resposta. Armamentos são banidos por convenção internacional
A decisão foi celebrada pela Ucrânia, condenada pelas organizações de defesa dos direitos humanos e censurada por aliados dos Estados Unidos. A Casa Branca confirmou, na tarde desta sexta-feira, que enviará munições de fragmentação para Kiev. “É a coisa certa a fazer”, afirmou o governo norte-americano. Jake Sullivan — conselheiro de Segurança Nacional do presidente Joe Biden — assegurou que os ucranianos não usarão essas munições em terras estrangeiras. “É o país deles que estão defendendo. São os cidadãos deles que estão protegendo. Eles estão motivados a usarem qualquer sistema de armamento que tiverem, a fim de minimizar os riscos para seus cidadãos”, declarou.
As munições de fragmentação são proibidas por uma convenção assinada por 123 países, incluindo França, Alemanha e Reino Unido, importantes aliados de Washington. Estados Unidos, Rússia, Ucrânia, Brasil e Argentina não firmaram o documento. O uso desses armamentos em áreas civis representa uma violação do direito internacional e um possível crime de guerra. Ao explodirem no ar, as munições de fragmentação dispersam grande quantidade de projéteis menores sobre uma extensa área.
De acordo com Sullivan, a última palavra foi dada por Biden. “É uma decisão que exigiu uma análise muito aprofundada do dano potencial aos civis”, explicou o conselheiro. “Quando colocamos tudo junto, houve uma recomendação unânime da equipe de segurança nacional, e o presidente Biden finalmente decidiu, em consulta com aliados e com membros do Congresso, seguir adiante nessa estratégia”, explicou. Em entrevista à emissora CNN, o próprio Biden admitiu que foi uma decisão “difícil” e que os ucranianos “estão ficando sem munições”.
O envio das munições de fragmentação está contemplado em um pacote de US$ 800 milhões (cerca de R$ 3,8 bilhões) em ajuda militar, anunciado pelos Estados Unidos. Subsecretário para Política de Defesa do Pentágono, Colin H. Kahl afirmou que Washington despachará para Kiev suas “mais modernas” munições convencionais aprimoradas de duplo propósito (DPICM), com taxas de “fracasso” abaixo de 2,35%. Segundo Kahl, os índices de falha das DIPCM — munições de fragmentação — usadas pela Rússia na Ucrânia chegam a 40%.
Ele ressaltou que o governo do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, garantiu o uso responsável desse armamento e se comprometeu, por escrito, a não utilizar as bombas em ambientes urbanos com população civil. O subsecretário reconheceu que a contraofensiva ucraniana se desenvolve de forma mais lenta do que se esperava. “Fornecer munições de fragmentação à Ucrânia dá a eles (ucranianos) uma flecha extra em sua aljava (espécie de estojo)”, comentou Kahl.
“Futuro em jogo”
Mykhailo Podolyak, conselheiro especial de Zelensky, destacou que, “na grande guerra sangrenta, que tem se estendido por mais de 16 meses e que predeterminará o futuro do mundo — se ele é desprovido de lei (russo) ou se nele o direito internacional existe —, o número de armas importa”. “Então, armas, mais armas, incluindo munições de fragmentação”, pediu.
Em entrevista ao Correio, Daryl G. Kimball — diretor executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington) — afirmou discordar da decisão da Casa Branca. “Nós nos opomos firmemente à transferência ou ao uso dessas armas indiscriminadas a qualquer parte. As munições de fragmentação estão entre os armamentos mais prejudiciais para os civis, pois dispersam bombas, indiscriminadamente, por uma ampla área. Muitas vezes, elas não explodem no impacto inicial, deixando resíduos e colocando em perigo civis, especialmente crianças, décadas após o fim do conflito.”
Ele acrescentou que algumas das submunições explosivas resultantes da detonação pesam menos de 20kg e carregam outras submunições explosivas. “São centenas, às vezes milhares, de bombas pequenas e letais, capazes de matar, mutilar e ferir.”
Kimball lembrou que essas munições têm sido repetidamente usadas pelo Exército russo desde a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado. “Centenas de civis morreram; casas, hospitais e escolas foram danificados. O Exército ucraniano também utilizou-as em múltiplas ocasiões. O emprego delas pela Rússia não justifica o fornecimento dessas armas pelos EUA. Isso aumentará a quantidade de munições não detonadas na Ucrânia e ampliará o número de baixas entre a população civil”, advertiu.
Militares ucranianos manobram tanque de guerra não muito distante do front, na região de Kharkiv –
(crédito: Sergey Bobok/AFP)