O magistrado suspendeu a entrega do búlgaro para a Espanha depois de o país negar, na terça-feira (15), a extradição do bolsonarista Oswaldo Eustáquio
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de suspender a extradição do búlgaro Vasil Georgiev Vasilev para a Espanha, alegando falta de reciprocidade do país, é controversa entre especialistas ouvidos pela Folha, que citam tanto a pertinência da medida quanto a possibilidade de ela ter sido ilegal.
O magistrado suspendeu a entrega do búlgaro para a Espanha depois de o país negar, na terça-feira (15), a extradição do bolsonarista Oswaldo Eustáquio —fora do Brasil desde 2023, ele é alvo de dois mandados de prisão do Supremo por crimes contra a democracia e corrupção de menores. Já Vasil Georgiev Vasilev é condenado na Espanha por tráfico de drogas.
A negativa em extraditar Eustáquio ao Brasil, a segunda neste ano, se fundamenta na interpretação da Justiça espanhola de que os crimes dos quais o influenciador é acusado são “delitos menos graves” envoltos em “contexto de disputa política”.
O governo brasileiro pretende recorrer da decisão argumentando que Eustáquio cometeu crimes graves ao agir contra a democracia e fazer pressão pública contra autoridades que investigavam uma trama golpista.
Oswaldo Eustáquio ficou conhecido pela atuação nas redes sociais a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando participou publicamente de acampamentos golpistas e disseminou mentiras sobre as urnas.
Especialistas ouvidos pela Folha se dividiram quanto à legalidade da decisão de Moraes de suspender a extradição do búlgaro Vasilev em contraposição à negativa da Espanha no caso do influenciador bolsonarista.
Para Evandro Carvalho, professor de direito internacional da FGV Direito Rio, o magistrado pode, pelo princípio da reciprocidade previsto em acordos internacionais, não atender ao pedido do país europeu, que, por sua vez, também tem soberania para negar a extradição.
Carvalho afirma, entretanto, que a Espanha se apoia em uma justificativa calcada no princípio de liberdade de expressão para negar a extradição e que essa perspectiva desconsidera a real gravidade dos delitos imputados ao bolsonarista.
Segundo Eduardo Manuel Val, professor em direito internacional, constitucional e comparado da UFF (Universidade Federal Fluminense) e da Estácio de Sá, Moraes tem, do ponto de vista técnico, competência para alegar quebra na reciprocidade ao suspender a extradição do condenado búlgaro.
O professor afirma que a fundamentação da Espanha para negar a extradição parte de uma percepção subjetiva sobre o que seria uma perseguição política a Eustáquio, condição protegida pelo tratado que regula o tema entre os países.
Esta percepção, entretanto, argumenta ele, estaria em dissonância com o que decidiu a própria Justiça espanhola quando usou tipificações semelhantes às imputadas ao bolsonarista, de ataque ao Estado democrático de Direito, para condenar dirigentes separatistas envolvidos na disputa pela Catalunha.
“Em 2017, houve na Espanha uma série de julgamentos de dirigentes catalães envolvidos no chamado processo de tentar afastar a Catalunha do Estado democrático espanhol. Essas pessoas foram julgadas e condenadas por crimes que envolviam tipificações muito semelhantes às quais estamos falando [no caso de Eustáquio] “, diz. ” O tribunal espanhol parece considerar políticas as motivações do STF porque se trata de uma situação que se dá na América Latina, mas não considera políticas as decisões tomadas pela Justiça espanhola na ocasião de 2017″.
Já Eduardo Maurício, advogado criminalista internacional especialista em extradição e doutorando em direito pela Universidade de Salamanca, interpreta que a medida de Moraes pode ser considerada ilegal se tiver sido pautada apenas na alegação de quebra de reciprocidade.
Ele afirma que a Justiça espanhola entendeu haver “um cunho político e suposta perseguição” a Eustáquio, o que justifica legalmente a recusa do país, uma vez que essa é uma condição prevista no tratado entre Brasil e Espanha.
Já a decisão de Moraes de negar a extradição do búlgaro, se apoiada apenas no princípio de reciprocidade, não preencheria formalmente nenhum requisito legal, uma vez que a ideia de reciprocidade não pode ser usada de maneira tão genérica para justificar a negativa de um caso de tráfico de drogas não previsto no acordo entre os dois países.
Maira Scavuzzi, advogada e professora de direito constitucional da PUC-SP, concorda que a medida de Moraes pode ser considerada ilegal neste caso.
“A conduta do ministro Alexandre teve muito mais um desejo de retaliação do que um fundamento jurídico propriamente dito. Quando a gente fala em reciprocidade, a gente fala de aplicação do mesmo critério e regras para situações que sejam análogas”, afirma Scavuzzi.
“Alexandre de Moraes suspendeu a extradição de um indivíduo cujo fato criminoso é tráfico. Para eu dizer que haveria reciprocidade, os dois indivíduos tinham que estar em situação minimamente semelhantes”, diz.
Tribuna Livre, com informações da FOLHAPRESS