Na primeira viagem a Pequim, o chanceler Olaf Scholz tenta convencer Xi Jinping a forçar o recuo de Putin. Líderes mostram entrosamento no repúdio à ameaça de uso de armas nucleares. Kremlin quer poupar civis de batalha pela cidade de Kherson
(crédito: Kay Nietfeld/AFP)
Olaf Scholz viajou 7.350km de Berlim até Pequim, disposto a
enviar um forte sinal ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, contra o uso de
armas nucleares na Ucrânia. Mas o chanceler alemão foi além e cobrou do
presidente chinês, Xi Jinping, não somente a rejeição à utilização de arsenal
atômico, mas também uma pressão maior sobre Moscou — um de seus principais
aliados — para forçar o fim da guerra. Com 254 dias, a invasão russa à
ex-república soviética chegou a um ponto crucial: a batalha por Kherson, cidade
situada no sul da Ucrânia que funciona como porta para a Crimeia, península
anexada pela Rússia em 2014, e para o Mar de Azov, importante corredor para o
comércio. Em uma rara declaração sobre a situação no front, Putin defendeu a
retirada de civis da “zona de guerra de Kherson”.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da China declarou
que a comunidade internacional “deveria se opor à ameaça ou ao uso de
armas nucleares, defender que tal arsenal não seja utilizado e que guerras
nucleares não devem ser travadas, e prevenir uma crise atômica na
Eurásia”. De acordo com o jornal The New York Times, Scholz lembrou a Xi
sobre a importância de interromper a guerra. “Como ator político global e
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China tem responsabilidade
pela paz no mundo”, disse o chanceler a jornalistas.
O alemão alertou que “a guerra cria uma situação perigosa
para o mundo inteiro (…) e na China todos sabem que uma escalada teria
consequências para o mundo inteiro”. “Esta é a razão pela qual foi
muito importante para mim (…) dizer claramente que uma escalada” da
guerra “na forma do uso de uma arma nuclear tática deve ser excluída, e
estou feliz que, neste assunto, pelo menos, chegou-se a um acordo”,
completou.
Simbolismo
Peter Zalmayev — diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em
Kiev) — admitiu ao Correio que o primeiro encontro entre Scholz e Xi sobre a
situação na Ucrânia envia um sinal importante a Moscou e ao mundo. “Foi
uma reunião entre os governantes das maiores economias da Europa e da Ásia. A
China é o mais importante aliado da Rússia. Se Xi realmente quiser, pode
colocar um veto no prosseguimento da guerra ilegal”, afirmou.
Para Zalmayev, a simples menção a um ataque nuclear é uma
preocupação genuína partilhada por Berlim e por Pequim. “Se haverá ou não
um ultimato a Putin, ainda é cedo para dizer. A China costuma agir de forma
muito cuidadosa e não pode se distanciar do Kremlin, pois ambos os países
firmaram acordos e possuem laços de amizade”, acrescentou.
Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev,
Anton Suslov entende que a posição da China em relação à guerra não está clara.
“O governo de Xi Jinping não tem condenado a Rússia pela invasão em grande
escala. Além disso, o presidente chinês é um dos poucos líderes internacionais
que se encontraram com Putin pessoalmente e designaram o ministro das Relações
Exteriores, Wang Yi, para se reunir com o homólogo russo, Serguei Lavrov”,
lembrou à reportagem. “Se Xi realmente quisesse persuadir Putin, já o
teria feito.”
Suslov explicou que alguns governantes europeus ainda creem ser
possível encerrar a invasão à Ucrânia por meio do diálogo. “No entanto, a
Rússia não mostra sinais de prontidão em aceitar a realidade e negociar o
acordo de paz em potencial que considere os interesses da Ucrânia.” Em
relação ao risco de Moscou realizar uma explosão nuclear tática na Ucrânia, Suslov
destacou que os principais atores internacionais — incluindo EUA, União
Europeia e China — percebem o fato de que não há vencedores em um conflito
atômico. “Por isso, todos eles alertam Putin sobre a absoluta
inaceitabilidade do uso de armas nucleares.”
Retirada
Ante a aproximação das forças ucranianas de Kherson, as
autoridades da ocupação russa têm retirado diariamente da cidade “mais de
5 mil civis”. Fotografias divulgadas por elas mostram soldados organizando
a saída de filas de carros. “É claro que aqueles que vivem em Kherson
deveriam ser removidos da área onde ocorrem as ações mais perigosas, porque a
população civil não deveria sofrer”, disse Vladimir Putin, durante um
encontro com ativistas pró-Kremlin, em Moscou.
Segundo Zalmayev, a batalha por Kherson será mais decisiva para
os russos. “Se os ucranianos reclamarem a margem direita do Rio Dniepro,
em Kherson, Putin ficará com uma imagem de líder enfraquecido. Será algo muito
ruim para Moscou”, apostou. Ele acredita que os cidadãos de seu país estão
cientes do risco de caírem em uma armadilha ao tentarem reconquistar a cidade.
“É possível que Kiev consiga recapturar Kherson até o fim do ano, mas os
russos ainda são poderosos e podem atacar a partir de Zaporizhzhia e de
Kharkiv”, disse. Durante breve cerimônia na Praça Vermelha, em Moscou,
para celebrar o Dia da Unidade Nacional, Putin anunciou a incorporação de 49
mil recrutas aos combates na Ucrânia. O chefe do Kremlin garantiu que 318 mil
homens tinham se inscrito nas Forças Armadas da Rússia desde setembro.
“As tropas ucranianas pensam em desocupar Kherson e existe
a preocupação de que a Rússia disfarce seus soldados de civis. Quando os
soldados da Ucrânia entrassem na cidade, seriam recebidos a tiros pelas forças
de Moscou, em uma batalha pelas ruas. Os ucranianos estão muito cautelosos para
não caírem em uma armadilha.”











