Chefe mercenário diz que pode haver revolução na Rússia por causa das perdas na invasão da Ucrânia e comandantes militares serão punidos
Ievgueni Prigozhin é um mistério: ao contrário de todos os outros russos, fala o que lhe vem na cabeça, culpa a elite militar pelos maus resultados de uma guerra em que, no “pior cenário”, a Ucrânia restaura os territórios que tinha em 2014 e até insinua que seu patrono, Vladimir Putin, é o responsável pelo fiasco de dimensões nada menos que existenciais.
Ele combina tudo com Putin, a quem deve a ascensão desde que era dono de um restaurante frequentado pelo todo poderoso, ou tem uma liberdade de ação deliberadamente autorizada pelo chefe, para manter os comandantes militares em permanente desconforto?
Talvez demore um tempo até termos as respostas — se efetivamente as tivermos. Uma coisa é certa: o criador do Grupo Wagner fala o que ninguém nem remotamente tem coragem de falar, se estiver na Rússia. Com uma vitória de dar orgulho para mostrar, a conquista da disputada Bakhmut, ele falou mais do que nunca numa entrevista ao blogueiro militar Konstantin Dolgov.
Entre os exageros verbais e a linguagem vulgar, aprendida quando passou nove anos na cadeia por assalto, agora útil para se comunicar com os ex-condenados que sacrificou implacavelmente na reconquista de Bakhmut, ele disse diversas verdades, indicando que, por trás da máquina de propaganda, os russos sabem muito bem o que está acontecendo na Ucrânia.
Uma amostra da espantosa entrevista:
“Anunciamos a desnazificação da Ucrânia e o que aconteceu? Transformamos a Ucrânia numa nação conhecida em todo o planeta. Hoje eles são como os gregos antigos ou os romanos no auge”.
“No começo, eles tinham 500 tanques, agora têm cinco mil. Se tinham 20 mil homens habilitados ao combate, hoje têm 400 mil. Então, o que foi que desmilitarizamos?”.
“Foi exatamente o contrário, nós os militarizamos até as bordas”.
“Acho que os ucranianos hoje têm um dos exércitos mais fortes do mundo. Têm alto nível de organização, treinamento, inteligência militar. Têm diferentes tipos de munição e são capazes de trocar de sistemas — soviético, Otan, o que for — com sucesso”.
“Aceitam suas perdas filosoficamente. Tudo o que fazem é para o bem maior, como nós, na Grande Guerra Patriótica” — é assim que os russos chamam a II Guerra Mundial.
Ser capaz de ver seus pontos fortes do inimigo, e até elogiá-lo, são características dos bons comandantes e o ex-menino de rua, ex-detento e ex-vendedor de cachorro quente mostra que se transformou ex -detento e ex-vendedor de cachorro quente mostra que se transformou exatamente nisso, mesmo com o horror das barbáries cometidas sob suas ordens. Prigozhin pensa autonomamente, outro sinal de inteligência.
“Tirei 50 mil presos da cadeia; 20% deles morreram”, disse o chefe do Grupo Wagner, que age na Síria e em países africanos e também tem um “exército” digital para campanhas mundiais de desinformação. Ele afirma que, de seus homens, morreram em Bakhmut 10 mil prisioneiros anistiados em troca de seis meses no fronte e 10 mil voluntários “normais”. A Ucrânia, em troca, perdeu 50 mil homens.
Os números são bem diferentes dos calculados por outras fontes, mas o mais interessante é que Prigozhin avançou como nunca antes nos ataques aos principais comandantes militares, incluindo o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que é civil e amigo de Putin, e o outrora respeitado chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Valeri Gerasimov, o inventor da teoria da guerra híbrida que agora acumula o comando direto das operações na Ucrânia.
“A pena de morte com certeza vai ser restaurada porque estamos em guerra”, afirmou, acrescentando que “os culpados serão punidos e, no mínimo, enforcados na Praça Vermelha”.
Ele pediu a demissão de Shoigu e Gerasimov.
O único russo que fala o que quer: Prigozhin faz previsões catastróficas sobre rumos da guerra (Mikhail Svetlov/Getty Images)
Fonte: Revista Veja