O pedido foi motivado após reportagem do Metrópoles revelar
detalhes de um suposto esquema de compra de votos na capital do estado
Fonte: Portal Metrópoles
Por Carlos Carone e Mirelle Pinheiro
O atual prefeito de Manaus (AM), David Almeida (Avante), se
tornou alvo de um pedido de impeachment protocolado por um advogado na Câmara
Municipal da capital, no Ministério Público Eleitoral e no Tribunal Regional
Eleitoral. O pedido foi motivado após reportagem do Metrópoles revelar detalhes
de um relatório de inteligência elaborado pela Secretaria Executiva Adjunta de
Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Manaus.
O documento, de 63 páginas, sugere que a campanha do
político, em 2020, tenha destinado cerca de R$ 70 mil aos integrantes da facção
criminosa Comando Vermelho (CV) em troca de apoio. Traficantes teriam pedido
votos em regiões humildes e receberiam, além do dinheiro, benfeitorias em
infraestrutura.
No pedido de impeachment, o advogado Leôncio Paes de Carvalho
afirma que foi despertado pelo intenso noticiário a respeito da suposta aliança
entre os então candidatos, David Almeida e seu vice, Marcos Rotta, e a facção
criminosa Comando Vermelho. “A repercussão midiática do caso foi imediata,
tendo a notícia sido divulgada no portal Metrópoles, um dos maiores do país, e
replicada em vários outros”, analisa o advogado no pedido.
Segundo o defensor, o relatório produzido pela Secretaria de
Segurança, ainda que em “descoberta fortuita, evidenciou tratativas antirrepublicanas
dos prefeito e vice-prefeito de Manaus com o crime organizado”, diz o pedido.
Na peça, Leôncio de Carvalho ressalta que é possível verificar imagens que
indicam conversas de WhatsApp entre líderes do Comando Vermelho e assessores
ligados aos políticos. “Ocorrem tratativas para a obtenção de votos em troca de
melhorias nas áreas da cidade dominadas pela facção”, analisou.
O relatório
O documento revelado pela coluna é fruto de análise
minuciosa feita em celulares de integrantes da organização criminosa carioca.
Um dos aparelhos periciados foi o de Lenon Oliveira do Carmo, conhecido como
Bileno. Em julho deste ano, o traficante acabou morto durante confronto
policial ocorrido na estrada do Puraquequara, na zona leste de Manaus.
Dois anos antes de ser abatido pela polícia, porém, o então
líder do CV foi preso, quando todos os municípios do país realizavam eleições
locais. À época, foram encontradas, em celular que estava com o traficante,
mensagens que continham conversas suspeitas com candidatos às vésperas do
pleito daquele ano.
Um dos diálogos traz como personagem o gerente do tráfico de
drogas de Bileno, conhecido como Alex. No áudio, ele fala de supostos acordos
com David e Marcos Rotta.
Troca de favores
Segundo o dossiê produzido pelas forças de segurança de
Manaus, Bileno era peça fundamental para o Comando Vermelho no Norte. Ele
mantinha o controle do tráfico e autorizava reuniões entre os seus
intermediários com postulantes a cargos no governo estadual.
Mensagens apontam que os faccionados foram supostamente
procurados pelos assessores dos candidatos. A organização criminosa se
comprometia a conseguir votos em comunidades dominadas pelo CV em troca de
regularização de áreas invadidas e implementação de infraestrutura, como poços,
asfalto e cisternas.
Por meio de mensagens em áudios, o gerente do tráfico, Alex,
juntamente com outros comparsas, chegam a fazer supostos acordos com assessores
dos então candidatos a prefeito e vice-prefeito. A intenção, de acordo com o
relatório da SSP-AM, seria conseguir a maior quantidade de votos junto à
comunidade. David e Marcos Rotta venceram a eleição daquele ano e, atualmente,
comandam a capital do estado.
O suposto elo entre os candidatos e os narcotraficantes
aparece em uma gravação obtida por quebra telemática em um dos aparelhos
apreendidos. No áudio registrado em outubro de 2020, Alex fala supostamente com
um assessor de David Almeida e Marcos Rotta, a fim de marcar reunião no sentido
de acertar valores para compra de votos, conforme sugere a apuração.
Em setembro, em outro áudio, Alex confirmou aos comparsas
que “fechou com o candidato”. O passo a passo das negociações era repassado
diretamente a Bileno. Uma segunda gravação obtida pela Secretaria de Segurança
detalha a relação.
Na ocasião, Bileno relata que, “por enquanto, está ‘fechado’
com o candidato de Marcos Rotta, no caso, David Almeida. Na sequência, o
bandido diz que ele “deu até manilhas para fazer a ponte, além de sacos de
cimento, e ficou de fazer poços e asfaltar as ruas da comunidade”. Depois, o
traficante afirma que “não está gostando muito da proposta e está esperando uma
proposta melhor dele para fechar”. Finaliza dizendo que, depois de fechar com
ele [Marcos Rotta], “vai ser geral e que todo mundo deverá apoiá-lo”.
Em outro diálogo, Bileno confirma que os candidatos ficaram
de cavar os poços artesianos, dar 500 canos e asfaltar as duas principais vias
de duas comunidades. “Aí, depois, quando ele ganhar, irá asfaltar o resto.” O
traficante diz que, se eles fecharem, “vai ser uma grande quantidade de votos”.
Em seguida, faz as contas: “Deve ser de 15 [mil] a 30 mil votos na comunidade
Bairro da Fé, de Francisca Mendes 1 e 2, de Puraquequara, de Coração de Mãe, de
Bela Vista e de Colônia Antônio Aleixo”.
O criminoso ainda exige dos então candidatos um “trabalho
social” na comunidade, mas ponto que, para isso, precisa de um “faz-me rir” e
pede aos políticos que adiantem pelo menos R$ 40 mil. O “pacote completo”
envolvendo o apoio nas comunidades de Santa Inês 1, Santa Inês 2, Ipixuna e
outros lugares poderia, segundo os criminosos, ser negociado por R$ 70 mil.
Conforme o relatório de inteligência da SSP-AM, o material
apreendido mostra como a “facção criminosa Comando Vermelho e seus comparsas
estão diversificando sua atuação criminosa, tentando fazer alianças com atores
políticos do Estado do Amazonas”.
O outro lado
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Manaus foi
acionada no dia seguinte, para que o prefeito David Almeida e seu vice, Marcos
Rotta, se posicionassem. Em nota, o chefe do executivo municipal se manifestou
informando que pedirá cópia do relatório produzido pela SSP-AM, do qual disse
nunca ter tido acesso.
Leia a nota do prefeito David Almeida:
Em relação à matéria publicada no site Metrópoles com o
título “Relatório aponta que Comando Vermelho teria feito suposta aliança com
prefeito de Manaus”, o prefeito de Manaus, David Almeida, informa que pedirá
cópia do relatório divulgado, o qual nunca teve acesso e que foi vazado para um
portal de notícias, para então se pronunciar.
“Estou indignado que um suposto relatório de 2020 só tenha
sido vazado dois anos depois e, coincidentemente, a 9 dias do segundo turno das
eleições para o Governo do Amazonas. Pedirei na Justiça a cópia desse relatório
para que, então, possa me pronunciar. Desde já, repudio todas as afirmações que
possam nos ligar a qualquer ato ilícito e buscarei a devida reparação cível e
criminal contra qualquer exploração sem base em provas.”