Especialistas que participaram do
evento do prêmio Finanças Mais, do Estadão, mostraram preocupação com o rumo da
política fiscal no governo Lula
Vice-presidente eleito e coordenador do governo de
transição, Geraldo Alckmin entrega o texto da PEC para o relator geral do
Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI)
Foto: Wilton Junior/Estadão – 16/11/2022 / Estadão
As incertezas nos rumos da política fiscal brasileira
provocadas pela apresentação da proposta da PEC da Transição preocupam
fortemente os economistas que participaram do painel “Rumos do Brasil
2023: E agora?”, durante a sexta edição da premiação Finanças Mais,
promovida pelo Estadão em parceria com a agência de classificação de risco
Austin Rating.
Essas incertezas em relação à PEC aparecem não apenas na
falta de previsibilidade da proposta, mas também em relação ao montante de
despesas retirado do teto de gastos, avalia a economista-chefe do Credit Suisse
no Brasil, Solange Srour.
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Para a economista, a proposta para o arcabouço fiscal
poderia ser diferente do que foi apresentado. “Se por 4 anos, 2%
(estimados com os gastos sociais) do PIB ficarem fora do teto, o teto não
existe mais, então não existe mais regra fiscal, arcabouço fiscal. Estamos
perdendo a oportunidade de trazer outra regra, outro arcabouço, para além do
pedido de waiver (uma espécie de licença para aumento temporário de
gastos)”, afirma.
Srour também critica a proposta a ser apresentada pelo
governo eleito. “Esse pedido de waiver parece bastante exagerado, se fosse
para manter R$ 600 (para o Bolsa Família), poderíamos pensar em (um waiver de)
R$ 52 bilhões, mas estamos falando em 2% de PIB para um país que está com
divida/PIB bastante alta e juros bastante elevados, colocando o Brasil em uma
trajetória insustentável em relação a sua dívida.”
Aumento da dívida
Para Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, a
PEC da Transição poderia elevar a relação da dívida/PIB em mais de 10 pontos
porcentuais ao longo do próximo governo. Nos seus cálculos, a relação
dívida/PIB pode subir mais, caso sejam confirmadas as despesas permanentes fora
do teto. “Fizemos as contas, se um salto inicial de despesas – que não é
um waiver, porque é uma despesa permanente – fosse de R$ 175 bilhões e a
despesa corresse um pouco acima do IPCA, a dívida subia mais de 10 pontos
porcentuais, saindo de 78% e indo para acima de 90% (ao longo do
mandato)”, disse o economista.
O rumo da política fiscal do futuro governo já está posto,
na visão de Megale. “Está clara a direção que o novo governo quer tomar. O
Congresso pode aprovar uma PEC diferente para lá ou para cá, mas está clara a
direção, a vontade, o viés do ponto de vista da política fiscal, partindo de um
momento em que a nossa dívida é muito alta”, afirmou.
O economista acredita que um cenário de descontrole das
despesas pode repetir o quadro do governo Dilma Rousseff. “A sociedade e
as empresas olham para essa tendência e falam o seguinte: ‘Se esse governo não
consegue controlar os gastos, ou ele aumenta imposto, ou aumenta a inflação’.
Foi o que assistimos entre 2012 e 2016, com a aceleração da divida e, naquele
momento, as expectativas de inflação começaram a subir”, disse.
Megale avaliou que existe a possibilidade de equilíbrio
entre dívida e obrigações sociais. O economista inclusive trabalhava com esse
cenário antes da divulgação de mais informações sobre PEC. “É possível
estabilizar o estágio da dívida com as obrigações sociais que temos no País? É.
Nossa expectativa era de aumento de gasto entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões.
Me parecia muito claro: deslocar o teto com esse valor e depois discute-se uma
nova regra, com Congresso, (com) novas propostas. Minha preocupação é a
tendência de dívida crescente por conta da pressão e expectativa de aumento de
impostos ou inflação”, afirmou.
Juros mais altos
Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz, avaliou a PEC da
Transição como “desastrosa”, e disse que possíveis alterações agora
dependem da ação do Legislativo. “A única esperança parece ser que o bom
senso venha do Congresso e adie uma discussão tão complexa e profunda para a
próxima legislatura, e não a faça em toque de caixa meramente visando o
interesse político, não fundamentado pelo lado técnico. A esmagadora maioria
dos economistas que apoiaram o presidente Lula no segundo turno é contra os
termos dessa proposta”, afirmou Kawall.
A continuidade da proposta também pode levar ao encurtamento
dos leilões do Tesouro Nacional, seguindo tendência recente, na visão de
Kawall. “Já vimos a necessidade de se reduzir as emissões, coisa que
provavelmente vai acabar se repetindo nessa semana e nas próximas caso essa
proposta prospere”, afirmou.
Kawall apontou também para o aumento da carga dos juros na
dívida pública. “Se pegarmos o que aconteceu com a curva de juros desde a
eleição, provavelmente isso está se acentuando. Para 2023, aos preços do
fechamento de ontem, temos uma carga adicional de R$ 50 bilhões de juros a
serem pagos na dívida pública, utilizando parâmetros definidos pelo Banco
Central”, disse.