Em primeiro lugar, é preciso lembrar uma regra básica: o ponto
de venda influencia na composição do preço — e isso vale para qualquer produto
Da BBC News Brasil em Londres
O registro foi feito pelo repórter da BBC Ricardo Senra no último domingo (13/2) e viralizou no Twitter, com cerca de 100 mil compartilhamentos: uma jaca à venda por 160 libras ou R$ 1.120, segundo a cotação atual, em uma barraca do Borough Market, o mercado mais famoso de Londres, a capital do Reino Unido.
O valor astronômico chocou muitos usuários — afinal, a jaca pode ser encontrada em grandes quantidades em muitas partes do Brasil e vendida a menos de R$ 5, isso quando não é vista apodrecendo pelas ruas do país.
Portanto, o que explica cobrar um preço tão alto por essa fruta, considerada “exótica” pelos estrangeiros? E por que a demanda por ela cresceu recentemente no exterior?
Resposta rápida: uma combinação de fatores que inclui a própria natureza do produto (a jaca é altamente perecível), o consumo de nicho (ela é utilizada como substituto da carne por veganos) e problemas na cadeia de produção da fruta nos países que a cultivam. Parte da culpa até recai sobre a pandemia de covid-19.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar uma regra básica: o ponto de venda influencia na composição do preço — e isso vale para qualquer produto.
“Até mesmo no Brasil, o preço da jaca varia. Há locais em que é possível colhê-la do pé e de graça. Em outros, ela é extremamente cara”, ressalva Sabrina Sartori, CEO da Estância das Frutas, um pomar que abriga 3 mil espécies frutíferas no interior de São Paulo.
Mas, de fato, o comércio internacional da jaca, em particular, é bastante complexo e arriscado. E há várias razões para isso, entre os quais sua natureza perecível, a sua sazonalidade e o seu volume.
“A jaca é muito pesada, amadurece muito rápido e tem um aroma bastante peculiar que não agrada a todos”, enumera Sartori.
Pesando até 40 quilos, a fruta, que não é nativa do Brasil — na verdade, se trata de uma espécie invasora da Mata Atlântica, é extremamente perecível e tem baixa vida útil nas prateleiras do supermercado.
Nesse sentido, vale destacar que a jaca se popularizou entre os vegetarianos e veganos, este último um grupo que não para de crescer, como um substituto para a carne — quando cozida, sua textura se assemelha à da carne de vaca e porco, passando a rivalizar com outros substitutos como tofu, quorn e seitan.
No Reino Unido, estima-se que 3,5 milhões de pessoas sejam veganas (quem se abstém do uso de produtos de origem animal, tanto na alimentação quanto outros aspectos, como vestuário e produtos de beleza).
Porém, quando amadurece — e esse processo é muito rápido, a fruta já não serve mais a esse propósito, pois ganha sabor adocicado e acaba só servindo para sobremesas.
Uma alternativa mais acessível para os consumidores, portanto, é comprá-la enlatada.
Uma jaca de lata é conserva pode ser encontrada em supermercados britânicos por três libras (R$ 21), mas o sabor não é o mesmo.
A jaca também é muito grande, dificultando seu transporte, e seu cultivo é sazonal. Embalá-la é difícil devido à forma, tamanho e peso não uniforme. Ela não pode ser colocada em caixas de tamanho padrão como outras frutas. Também não há maneira científica de reconhecer se a fruta está em boas condições ou podre apenas observando seu exterior.
Além disso, nos principais países que a cultivam e a exportam, no Sul e Sudeste da Ásia (ela é a fruta nacional de Bangladesh), faltam cadeia de comercialização e práticas pós-colheita, prejudicando sua distribuição e seu envio ao exterior. Estima-se, por exemplo, que 70% de toda a produção seja perdida por causa disso.
Na Índia, por exemplo, a jaca é vista como indesejável e estigmatizada como uma fruta para pessoas de baixa renda.
Por fim, outro fator a ser considerado é a falta de conscientização do consumidor — ainda que venha se tornando cada vez mais popular, muitos estrangeiros desconhecem a jaca e as receitas que podem fazer com a fruta.
Fabricio Torres, dono da Torres Tropical BV, importadora de frutas exóticas sediada na Holanda, acrescenta ainda que o frete aéreo subiu consideravelmente com a pandemia de covid-19.
“Muitas das frutas que são importadas de regiões como Ásia e América do Sul vêm para a Europa em aviões de passageiros. As companhias aéreas buscam produtos de maior valor agregado para o espaço de cargas. No caso da jaca, trata-se de um produto altamente perecível e de nicho, ou seja, o importador não compra em grandes volumes. Tudo isso afeta o preço final”, explica.
Mercado
Apesar de todos os entraves, estudos recentes estimam uma expansão do mercado internacional para a jaca.
Segundo estimativa da consultoria IndustryARC, ele deve atingir US$ 359,1 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão) até 2026, crescendo a uma taxa anual de 3,3% durante o período de 2021-2026.
Em 2020, a região da Ásia-Pacífico foi responsável pela maior fatia desse mercado, com 37%, seguida pela Europa (23%), América do Norte (20%), restante do mundo (12%) e América do Sul (8%).
Uma prova de que os sul-americanos, principalmente brasileiros, dão pouco valor à jaca.