A
nota, porém, é recheada de recados indiretos ao Judiciário.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, durante reunião com
procuradores eleitorais, em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
Em nota conjunta nesta sexta-feira (11), os comandantes de Marinha,
Exército e Aeronáutica trataram dos atos antidemocráticos pelo país que pedem
um golpe militar após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) para o
petista Luiz Inácio Lula da Silva. A nota, porém, é recheada de recados
indiretos ao Judiciário.
“São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte
de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que
possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a
segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades,
públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”, afirmam em
nota.
A nota é assinada pelo almirante Almir Garnier Santos (Marinha), pelo
general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e pelo tenente-brigadeiro Carlos
de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica).
– ANÚNCIO –
Na nota, não fica claro a quem eles se referem quando condenam
“restrições a direitos por parte de agentes públicos”. Bolsonaristas
e setores militares têm se incomodado e tratado como censura recentes decisões
do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral).
Na mesma nota, os três comandantes afirmam que qualquer tipo de
controvérsia deve ser solucionada dentro do estado democrático de direito, ou
seja, sem um golpe militar para anular as eleições.
Apoiadores do presidente de Bolsonaro estão reunidos em frente a
quartéis desde o fim do segundo turno, em protesto contra a vitória de Lula. Os
atos antidemocráticos pedem intervenção das Forças Armadas contra o resultado
eleitoral.
“A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve
valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito.”
Os comandantes indicam novo recado a Moraes.
“Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz
social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do
poder que ‘Dele’ emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e
legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos
limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da
legislação.”
A nota ainda faz um apelo ao Legislativo, o que de novo pode ser lido
como um pedido para impedir as seguidas interferências do Judiciário em outros
Poderes.
“Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da
independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo,
destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual
legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou
descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa
sociedade, qual seja, a sua Liberdade.”
Três oficiais-generais consultados pela Folha de S.Paulo afirmaram que o
objetivo da nota conjunta era mostrar à população que as Forças Armadas não
agirão fora da legalidade e, às instituições, que é preciso se debruçar sobre
as preocupações apresentadas pela sociedade.
Há um consenso na caserna de que as manifestações, por mais que se façam
pedidos antidemocráticos de intervenção militar, não são golpistas.
O entendimento é de que uma parcela da população está insatisfeita com o
Judiciário e a forma como se deu o processo eleitoral, com a retirada de perfis
das redes sociais.
Para o generalato, a manifestação nos QGs traz um pedido ilegítimo para
uma insatisfação legítima.
Nesta quinta (10), como mostrou a Folha de S.Paulo, o comandante do
Exército, general Freire Gomes, afirmou aos generais da Força que as
manifestações antidemocráticas em frente aos quartéis não devem ser reprimidas
pelos batalhões.
Na avaliação da cúpula do Exército, os atos são permitidos pela
Constituição e, por mais que possam gerar distúrbios nas regiões militares, não
devem ser encerrados por força.
A orientação foi repassada durante uma reunião que o Exército
tradicionalmente realiza para o encerramento do ano de instrução, na qual a
análise das ações realizadas pela Força é repassada ao generalato.
As últimas horas têm sido acompanhadas com apreensão por generais da
cúpula do Exército.
Em conversas reservadas, os oficiais têm argumentado que o relatório do
Ministério da Defesa sobre o processo eleitoral trouxe conclusões técnicas, e
não políticas.
O documento, entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na quarta
(9), não aponta nenhum indício de fraude nas eleições, mas apresenta sugestões
e pede a apuração sobre o momento da compilação dos códigos-fontes e a geração
dos programas eleitorais.
Por outro lado, alguns generais consideraram inadequada a nota divulgada
pela Defesa, nesta quinta, que diz não descartar a possibilidade de fraude nas
eleições.
“Não é possível assegurar que os programas que foram executados nas
urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu
funcionamento”, escreveu a pasta.
A fiscalização do pleito feita pelo Ministério da Defesa foi usada por
Bolsonaro para alimentar teorias da conspiração sobre fraudes nas urnas
eletrônicas.
No âmbito político, aliados de Bolsonaro aprovaram o comportamento do
Ministério da Defesa de emitir a nota desta quinta e dizem acreditar que ela é
importante para manter a mobilização bolsonarista pelo país.
Além disso, a análise é que o relatório fortalece Bolsonaro na oposição
e indica que o presidente manterá mesmo fora do governo o discurso sem provas
de que o sistema eletrônico de votação não é confiável.
Também nesta quinta, Lula disse que o papel das Forças Armadas na
fiscalização das urnas eletrônicas foi deplorável e o resultado, humilhante.
Lula cobrou pedidos de desculpa de Bolsonaro. Primeiro, às Forças
Armadas por usar os militares nesse processo, com uma série de mentiras e
insinuações sem provas. Depois, aos brasileiros, por ter mentido, segundo o
petista.
“Ontem [quarta-feira] aconteceu uma coisa humilhante, deplorável
para as nossas Forças Armadas: um presidente da República, que é o chefe
supremo das Forças Armadas, não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a
fazer uma comissão para investigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade
civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional”, disse o presidente
eleito a parlamentares.
LEIA ÍNTEGRA DA NOTA
“Às Instituições e ao Povo Brasileiro
Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais
do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira
reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a
democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos
valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras
nos mais importantes momentos de nossa história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem
observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas
Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à
liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território
nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por
meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi
bastante claro ao estabelecer que: ‘Não constitui crime […] a manifestação
crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a
reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas,
de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de
manifestação política com propósitos sociais’.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte
de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que
possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a
segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades,
públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se
dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial
para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da
República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que ‘Dele’ emana, a
imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como
a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos
termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos
Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos
anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca
de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam
colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à
ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e
focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e
do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade,
transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando,
coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento
das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas
convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.
Brasília/DF, 11 de novembro de 2022
Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha
General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército
Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR
Comandante da
Aeronáutica”