Retomada das invasões nesses 3 meses de
governo Lula faz deputados de direita se mobilizarem na Câmara para freá-las
(crédito: José Cruz/Agência Brasil)
A série de ocupações em terras deflagradas pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), nas últimas semanas, desencadeou pelo
menos três ofensivas no Congresso. Foram apresentadas duas propostas para
punir, de forma mais severa, quem avança sobre a propriedade rural, além da
mobilização para se instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
investigar o MST. Abril é considerado um mês fundamental para o movimento — a
série de invasões que promove é conhecida como “Abril Vermelho” —,
que voltou a atuar com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em
apenas três meses de governo, o MST promoveu 13 ocupações, mais do que todo o
primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (11) — veja infográfico abaixo.
Uma das iniciativas no Congresso contra o MST prevê
excluir invasores de terras dos programas fundiários. O PL 1.373/23, do
deputado Lázaro Botelho (Progressistas-TO), impede ocupantes de áreas não
produtivas de planos relacionados à reforma agrária, à regularização fundiária
ou a linhas de crédito voltadas para a pequena produção rural. A proposta tem
apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
A FPA também articulou a unificação de três propostas
para instaurar uma CPI que investigue o movimento — conta, até agora, com 172
assinaturas, uma a mais que o necessário para protocolar o pedido. O deputado
Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) conseguiu juntar os requerimentos dos
colegas Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Ricardo Salles (PL-SP), mas a
formação da comissão aguarda análise do presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL).
Em outra ofensiva, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS)
busca o apoio da FPA para aprovar um requerimento de urgência para a apreciação
do PL 8.262/17. A proposta permite a ação policial, sem a necessidade de ordem
judicial, para retirada de manifestantes de propriedades, desde que seja
apresentada escritura pública do imóvel, o que comprova a posse da terra.
“Está havendo uma série de invasões de terras no
Brasil, algo que não ocorreu nos últimos quatro anos. Com a chegada de Lula ao
poder, a gente percebe que o MST, na verdade, faz terrorismo ao fazer esse tipo
de ação. Está apenas buscando exercer influência política nesse momento de
início do governo, mas prejudicando, obviamente, quem produz, quem está no
campo”, argumenta Van Hattem.
“A impressão que dá é que a situação piorou muito,
porque, se no governo passado houve menos invasões em todos os quatro anos do
que agora, só no início do governo Lula deve ter algo de errado em relação à
proposta de reforma agrária do PT”, critica o parlamentar.
Diferença
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), ao longo dos quatro anos de mandato do ex-presidente Jair
Bolsonaro foram registradas 62 ocupações de terra por movimentos sociais de
reforma agrária. A maioria se concentrou no último ano, com 23 ocorrências.
Em 2023, ainda segundo o Incra, foram comunicadas à
Câmara de Conciliação Agrária do órgão a ocupação de 13 áreas, e de outras seis
administradas pelo Instituto de Terras de São Paulo (Itesp). O MST discorda
desses números, mas reconhece que, em 2022, quando a estratégia de ocupações
foi retomada graças à maior imunização contra a covid-19, houve 37 ações.
Parlamentares governistas estão atentos a esses
movimentos e prometem reação. “Quantos deputados do partido Novo tem aqui?
Nossa bancada tem 69. Eles tinham nove e ficaram com três. Então, quem é essa
bancada de três que vai fazer aqui oposição sistemática neoliberal, a favor dos
banqueiros?”, ironiza Pedro Uczai (PT-SC). E acrescenta: “O que não
pode fazer é que um movimento social legítimo se criminalize, se demonize para
impedir o avanço da reforma agrária no país, o acesso à terra aos pequenos
agricultores, que querem somente produzir em um pedaço de chão”, afirma.
Uczai afirma que é preciso separar reivindicações sociais
de atuação política. “Sou parlamentar, governo é governo e movimento
social é movimento social. Por mais que tenham relações, do ponto de vista
político, com o governo ou com determinados projetos, eles têm autonomia e têm
que respeitar a legitimidade dos movimentos sociais. O governo tem que lidar e
enfrentar os problemas que se apresentam”, cobrou.
Ceres Hadich, da direção nacional do MST, salienta que a
reforma agrária “não é caso de polícia”. “O que precisamos é que
se cumpra a função social das terras ocupadas e que as famílias sejam
regularizadas nas áreas. A reforma agrária não é caso de polícia, é um conflito
social que precisa ser tratado com humanidade, e não com despejo e
violência”, salienta.
Para Ceres, as ações do MST nada têm de ilegais. “O
papel do governo é buscar saídas pacíficas para os conflitos agrários, visando
o desenvolvimento como caminho para a paz no campo. As ocupações são parte da
tática de lutas do MST para organizar o povo que precisa de terra e pressionar
o governo e a sociedade pela realização da reforma agrária. Seguirão existindo
enquanto houver terra sem gente e gente sem terra”, alertou.