Julgamento sobre constitucionalidade do orçamento secreto
foi adiado para esta segunda; o placar estava em 5 a 4 contra o dispositivo
Após o Congresso Nacional aprovar, repentinamente, novas
regras para a distribuição de recursos das emendas de relator, o Supremo
Tribunal Federal (STF) volta a julgar, nesta segunda-feira (19/12), a
constitucionalidade do dispositivo, popularmente conhecido como orçamento
secreto. Ainda faltam os votos de dois ministros – Ricardo Lewandowski e Gilmar
Mendes – para a Corte consolidar a decisão sobre o tema.
Somente para o ano de 2023, estão em jogo R$ 19,3
bilhões, previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A medida também
impactaria o poder do presidente da Câmara e do próprio relator do Orçamento em
negociações com o Executivo.
Quando o placar do STF estava em 5 a 4 para tornar
inconstitucional o orçamento secreto, o Congresso rapidamente aprovou o
“aprimoramento das emendas de relator”. Seguindo à risca o que os primeiros
ministros votaram, no sentido da transparência, os parlamentares concordaram em
estabelecer o mínimo de regras para emendas identificadas com a sigla de RP-9.
A resolução foi apresentada pelo presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na tentativa de estabelecer critérios de
proporcionalidade e impessoalidade na distribuição das emendas – que, hoje, são
totalmente obscuros. A iniciativa visa evitar que as emendas sejam consideradas
inconstitucionais; se isso ocorrer, dependendo da modulação do STF, a verba
bilionária não será incluída nos próximos orçamentos.
Na sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski reuniu-se
com Pacheco para discutir o tema. Ao sair do encontro, declarou que a proposta
aprovada pelo Congresso atende às preocupações de magistrados da Corte.
“Paralisamos [o julgamento] em homenagem ao Congresso.
Agora, temos uma resolução e certamente levaremos essa resolução em
consideração no julgamento. Muito daquilo proposto pela resolução atendia às
preocupações dos ministros, ventiladas no julgamento”, disse Lewandowski.
A relatora do caso, ministra Rosa Weber, votou para que
as emendas do relator-geral do orçamento sejam destinadas “exclusivamente à
correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de
criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto
de lei orçamentária anual”.
Weber e outros quatro ministros manifestaram-se contra a
continuidade dessa verba – que vai além das emendas individuais e de bancada.
Para Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia, o orçamento
extra não é compatível com o “princípio republicano”.
Outros quatro ministros, no entanto, opinaram pela
constitucionalidade das emendas, mas com uma série de ressalvas, diferentes
para cada ministro. André Mendonça, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e
Dias Toffoli são unânimes em considerar que as regras precisam mudar, mesmo que
as emendas permaneçam.
Entenda o que é e como funciona o orçamento secreto
Os magistrados, no entanto, divergem sobre a maneira como
isso deve acontecer. Moraes, por exemplo, acredita que “o procedimento de
transparência da RP9 deve ser idêntico ao de RP6 (emendas individuais). Desde o
início, deve identificar qual o valor, qual o parlamentar, qual o destino.
Deve-se levar em conta a proporcionalidade entre maioria e minoria e a proporcionalidade
das bancadas da maioria e da minoria”.
A dúvida é como isso vai ser modulado: se as sugestões do
Congresso serão aceitas ou se o próprio Congresso vai incluir a votação do STF
em suas diretrizes. Tudo vai depender do consenso que será formado no
Judiciário.
No Congresso
O texto aprovado no Congresso trata-se de uma resolução
apresentada pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado e assinada por Pacheco.
As novas regras não demandariam a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL):
entrariam em vigor de imediato.
Veja como fica a divisão proporcional de verba pelo
Congresso
Pelo texto, haverá divisão proporcional da verba:
• 5%
para indicação do relator-geral e do presidente da Comissão Mista de Orçamento
(CMO);
• 7,5%
para indicações da Mesa do Senado;
• 7,5%
para indicações da Mesa da Câmara; e
• 80%
para bancadas partidárias, de forma proporcional.
Também fica determinado que o limite financeiro das
emendas de relator não pode ser maior que o total das emendas individuais e de
bancada. Pelo menos 50% do montante deve ser executado em ações e serviços
públicos de saúde ou de assistência social.
Tipos de emendas
As emendas parlamentares são um mecanismo orçamentário
comum em democracias. Por meio delas, os congressistas podem encaminhar
recursos para o cumprimento de propostas em suas bases, muitas vezes em regiões
afastadas do radar do governo federal.
No entanto, elas também servem como moeda de troca para
parlamentares da minoria, que conseguem utilizar sua parcela das emendas para
negociar apoio aos seus projetos de lei.
Atualmente, existem quatro tipos de emendas
parlamentares:
• individuais
(RP6): verba destinada individualmente a parlamentares, com caráter impositivo
desde 2015; ou seja, cada parlamentar decide como alocar o dinheiro. Esta emenda
é obrigatória e, necessariamente, deve constar no Orçamento;
• de
bancada (RP7): também obrigatória, esta verba é destinada às bancadas
estaduais, com caráter impositivo desde 2019. São emendas coletivas, elaboradas
por deputados do mesmo estado ou região;
• de
comissão (RP8): verba não obrigatória, destinada às comissões temáticas do
Congresso. São emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do
Senado; e
• de
relator (RP9): criada em 2019 e não é obrigatória, esta emenda permite ao
relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) alterar ou incluir
despesas.
A RP9 se difere das outras porque é definida apenas pelo
congressista designado relator-geral do orçamento, o qual é responsável pelo
texto do PLOA que será votado, e negocia a alocação de recursos entre Executivo
e Legislativo.
Também não há regras definidas quanto ao destino do
dinheiro, o que dificulta a fiscalização sobre a execução da verba; por isso, o
apelido de “orçamento secreto”.
Poder político
Da maneira como está, o orçamento secreto permite que
parlamentares façam requerimentos de verba da União sem precisar detalhar a
destinação dos recursos, tampouco conhecer quem é o autor da ação; ou seja, um
deputado pode designar verba para sua base de forma oculta, em troca de apoio
ao governo.
Diferentemente das emendas individuais, o orçamento
secreto não é dividido de forma igualitária entre os senadores e deputados
federais. O dinheiro é destinado a parlamentares aliados ao governo federal e
registrado em nome do relator do Orçamento.
O presidente da República recém-eleito, Luiz Inácio Lula
da Silva, mostrou-se crítico ferrenho do mecanismo durante a campanha; contudo,
sem conseguir eleger um número de parlamentares suficiente para acabar com as
emendas de relator, precisou recuar. A base governista também não tem apoio
suficiente para indicar um adversário a Lira na próxima eleição para a
presidência da Câmara.
Caso a medida seja mantida, Lula poderá contar com a
capacidade de articulação de Arthur Lira para azeitar as relações no plenário e
facilitar a aprovação de algumas medidas consideradas cruciais para o novo
governo. Contudo, a preocupação sobre o poder excessivo nas mãos do chefe da
Câmara se soma à diminuição do Poder do Executivo sobre o orçamento, diante da
limitação imposta pelo teto de gastos.
Diante do cenário e dos riscos à próxima gestão caso o
presidente da Casa se torne um adversário, a expectativa do próximo governo é
que o Judiciário encarregue-se de acabar com o orçamento secreto.
Análise jurídica
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após votação da
resolução, afirmou que “caberá ao STF uma análise jurídica, mas considero que a
resolução aprimora para melhor um instituto de prerrogativa parlamentar”.
Pacheco disso considerar adequado o que o Congresso fez:
“Uma demonstração de comprometimento com o gasto público, a impessoalidade e a
transparência. Somente o parlamentar poderá a fazer a indicação, a partir dessa
resolução, de modo que tudo aquilo que era vulnerável, apontado pelo Supremo,
são pontos que se busca corrigir com essa resolução”.
O senador, por fim, ainda se colocou à disposição: “Se
houver algo mais que o Congresso possa fazer para cuidar de pontos vulneráveis,
terá toda a nossa disposição para fazê-lo”.